

Diretores da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) deixaram claro na última semana que a estratégia de confiança regulatória veio para ficar. A primeira manifestação ocorreu durante a reunião de diretoria colegiada, na quarta-feira (17/8). Integrantes da diretoria foram unânimes e defenderam a importância do mecanismo para dar agilidade às avaliações, sobretudo num momento em que o número de servidores da agência diminui e as demandas aumentam.
As declarações dessa quarta foram interpretadas como uma resposta às críticas recentes feitas por parte de servidores e também à carta pública, divulgada na véspera da reunião pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) sobre o tema.
No documento, a Abrasco argumentou que a adoção de um procedimento extraordinário para avaliação de petições de registro poderia comprometer a avaliação de segurança, eficácia e qualidade de medicamentos e produtos avaliados pela agência.
Parte dos servidores, por sua vez, teme que a estratégia de confiança (também conhecida como reliance) possa se tornar uma ameaça para a autonomia da agência.
“O reliance é mais uma ferramenta de trabalho”, disse o diretor Rômison Rodrigues Mota na quarta. “A construção de estratégias de segurança regulatória é uma construção conjunta, não existe um pensar sozinho. A Anvisa precisa trabalhar em conjunto para que a casa decida sobre projetos estratégicos. E a confiança regulatória está entre os projetos estratégicos”, emendou Meiruze durante a reunião pública da diretoria.
Na manhã da última sexta-feira (19/8), desta vez numa reunião extraordinária, diretores aprovaram a dispensa de registro de importação para medicamentos e vacinas contra varíola do macaco. E o princípio do reliance foi novamente mencionado. O recado foi claro. A estratégia é importante não apenas para dar agilidade a uma fila de solicitações, mas também para garantir acesso em caso de emergência em saúde pública.
A estratégia de confiança tem como ponto de partida o aproveitamento de estudos e análises feitos por outras agências internacionais, desde que resguardada uma série de condições. Somente podem ser usados como parâmetro, por exemplo, estudos aprovados por agências parceiras, que tenham parâmetros de análise semelhantes aos da Anvisa, como o FDA americano e Agência Reguladora do Canadá.
Nesse princípio, em vez de os servidores partirem do zero na análise, eles podem se valer de decisões, pareceres feitos por essas agências.de renome internacional. E há também modulações sobre para o aproveitamento dos trabalhos.
Espera de dois anos
Para diretores, a medida pode dar mais rapidez à análise dos processos. Com as demandas da pandemia e as consequentes mudanças no ritmo de trabalho, a situação tornou-se crítica. Em abril deste ano, de acordo com cálculo feito pela agência, seriam necessários dois anos para avaliação das solicitações de registro apresentadas até aquele momento. Essa projeção foi feita sem levar em conta novos pedidos de registro.
As regras gerais para uso do reliance para novos registros já foram aprovadas pela Anvisa na semana passada. Nesta quarta, foi aprovado o envio para Consulta Pública do texto de uma proposta de Instrução Normativa para definir critérios sobre quais agências podem ser definidas como parceiras.
Fila única
A discussão mais espinhosa, no entanto, refere-se ao tratamento que será dado aos pedidos de registro que já foram apresentados na agência e aguardam análise. Uma proposta sobre o texto foi preparada mas, diante das divergências, foi retirada de pauta para ajustes.
A sugestão é poder aproveitar as análises também já feitas por agências reguladoras “irmãs”, o que tornaria mais rápido o processo. Mas há um receio, o de que filas paralelas sejam criadas e que, com isso, pedidos que estavam no fim da fila sejam analisados com antecedência muito maior. “Isso poderia trazer um problema grande de concorrência”, afirma o presidente-executivo do Sindusfarma, Nelson Mussolini. Ele argumenta, no entanto, que se o princípio da avaliação for usado, mantendo-se a ordem na fila, todos sairão ganhando. “Quanto mais rápido a fila andar, melhor para todos.”
Ao JOTA, a diretora da Anvisa, Meiruze Freitas, a garantiu que não haverá duas filas. De acordo com ela, os critérios de reliance serão usados à medida que a fila for caminhando, respeitando a ordem cronológica das solicitações.