
Este artigo integra a série “Quais as propostas dos presidenciáveis para o serviço público?”, de autoria do Núcleo de Inovação da Função Pública, da Sociedade Brasileira de Direito Público (sbdp), em colaboração com o JOTA. A iniciativa tem por objetivo contribuir com as discussões em torno da eleição presidencial. Isso será feito a partir da apresentação, contextualização e análise crítica de três propostas para o serviço público de cada um dos quatro candidatos à Presidência melhor posicionados segundo as pesquisas eleitorais mais recentes. O primeiro artigo analisou as propostas do candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e o segundo texto, as de Jair Bolsonaro (PL). O presente artigo aborda as propostas para o serviço público do candidato Ciro Gomes (PDT).
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Ciro apresenta, em seu Programa de Governo, as “linhas gerais” de um Projeto Nacional de Desenvolvimento (PND), que teria por objetivo “tornar o Brasil um país que volte a crescer, gerando empregos, distribuindo renda e melhorando a qualidade de vida das pessoas”[1]. O documento, em seus diferentes capítulos, aborda diversos temas ligados ao RH do Estado.
E quais as propostas do candidato do PDT para o serviço público?
1) Seleção dos dirigentes de agências reguladoras com base em critérios técnicos
O programa de Ciro Gomes traz proposta voltada às agências reguladoras, prevendo que “permanecerão sob o modelo atual, mas o critério de escolha de toda a sua diretoria deverá ser estritamente técnico”.
A proposta do candidato enquadra-se na temática maior dos processos públicos de seleção de pessoal. No caso das agências reguladoras, o modo de escolha dos dirigentes, bem como sua qualificação profissional, têm sido objeto de grande atenção (ver, por exemplo, estudo coordenado por Juliana Palma e Bruno Salama). Há indícios de que, historicamente, os indivíduos aprovados para a direção das agências frequentemente não apresentam experiência ligada ao respectivo setor regulado.
Nesse sentido, em 2019 foi editada a Lei Geral das Agências Reguladoras (Lei 13.848), que estabelece critérios para a nomeação de dirigentes das agências federais (como tempo mínimo de atuação profissional em área ligada ao setor regulado).
A proposta de Ciro Gomes não aborda a lei de 2019, não esclarecendo por que o candidato (aparentemente) a considera insuficiente para assegurar nomeações técnicas para as agências, ou quais seriam as propostas de aprimoramento para as regras atuais.
De todo modo, uma questão que será colocada ao próximo presidente é a da profissionalização da direção de agências reguladoras em nível nacional (isto é, incluindo estados e municípios). Atualmente, como forma de garantir a efetividade da Constituição em todo o país, há tendência de construção de regras nacionais sobre processos administrativos, dentre os quais os processos públicos de seleção de pessoal. Exemplo é o PL 2258/2022, que prevê regras mínimas para concursos públicos em âmbito nacional (sobre isto, ver o artigo de Carlos Ari Sundfeld e Conrado Tristão). Proposta nesse sentido, para as agências reguladoras, iria ao encontro de preocupações atuais de aprimoramento do RH do Estado.
2) Valorização e capacitação de professores em âmbito nacional
Na área da educação pública, o candidato Ciro Gomes propõe “adotar um amplo programa de formação e capacitação de professores”, bem como “criar uma estrutura de incentivos para que os estados e municípios, no âmbito do pacto federativo, adotem práticas didáticas e de gestão bem-sucedidas”. Dentre tais práticas, o programa destaca a “valorização e capacitação não só dos professores, mas também dos diretores escolares e outros profissionais da educação” [2].
A proposta tem relação com o tema, ainda incipiente na administração brasileira, da gestão de pessoas por competências. Trata-se de levar em conta, no RH do Estado, competências para além do conhecimento objetivo de determinados assuntos, planejando a alocação de pessoal no setor público também com base em habilidades comportamentais (comunicação, liderança, organização etc.).
No caso da educação, isso pode traduzir-se em processos seletivos de docentes que considerem as necessidades específicas de cada escola – qual perfil de profissional, e com quais habilidades, melhor se adequam a determinada escola? (sobre isto, ver artigo de Mariana Vilella). Seleções por competências na área da educação já têm se tornado realidade em algumas administrações. Nacionalizar tais experiências é medida que poderia contribuir para a gestão de pessoas por competências em todo o país. Contudo, há o desafio de adequar tal política às especificidades regionais, bem como à grande desigualdade existente entre as administrações brasileiras.
3) Criação de fórum permanente de negociação com servidores públicos
Por fim, em declarações à imprensa, complementando seu plano de governo, o candidato propôs a criação de um “fórum permanente de negociação”, para o qual “todas as categorias federais [de servidores] serão convidadas”.
A proposta tem conexão direta com tema bastante presente no debate público, o direito à greve no serviço público. A Constituição de 1988 determina a edição de lei regulamentando o direito de greve no serviço público. Contudo, mais de três décadas após a promulgação da Carta, essa lei ainda não existe. Isso não impede que as greves de servidores aconteçam, deixando aos tribunais a tarefa de estabelecer suas possibilidades e limites.
Mas o histórico dos tribunais com o tema sugere que depender de decisões judiciais para regular o direito de greve no serviço público não é a opção mais segura. O Supremo Tribunal Federal, por exemplo, por vezes tem proferido decisões incoerentes com sua própria jurisprudência, gerando insegurança jurídica (sobre isto, ver artigo de Ricardo Alberto Kanayama). Ao que tudo indica, a resolução do tema de fato depende da aguardada lei disciplinando a greve no serviço público – o que envolverá diálogo com os diferentes setores do funcionalismo.
A proposta de Ciro Gomes parece apostar no fórum de negociações para a resolução de questões como o direito à greve no serviço público (embora o programa do candidato não especifique quais seriam os temas sujeitos a esse fórum). De todo modo, como as recentes greves no funcionalismo têm mostrado, compor os diferentes interesses envolvidos no serviço público não será tarefa fácil para o próximo presidente, seja por meio de fóruns de negociação ou de outras instâncias.
As propostas de Ciro Gomes aqui analisadas foram escolhidas devido à relação com o tema da inovação na função pública. Mas o candidato também apresenta outras propostas ligadas ao serviço público (que podem ser conferidas no programa de governo), como em relação ao teto de gastos.
O próximo, e último, artigo da série “Quais as propostas dos presidenciáveis para o serviço público?”, que será publicado nesta sexta-feira (16), analisará as propostas da candidata Simone Tebet (MDB).
[1] Página 2 do programa de governo.
[2] Páginas 10 e 11 do programa de governo.