
Luciana Santana
Professora da UFAL (Universidade Federal de Alagoas) e da UFPI (Universidade Federal do Piauí). Mestre e doutora em ciência política pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), com período sanduíche na Universidade de Salamanca (Espanha). Líder do grupo de pesquisa Instituições, Comportamento político e Democracia e secretária-executiva da ABCP (Associação Brasileira de Ciência Política).
Marta Mendes da Rocha
Professora associada do Departamento de Ciências Sociais da UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora), onde coordena o Nepol (Núcleo de Estudos sobre Política Local). É doutora em ciência política pela UFMG e pesquisadora do CNPq. Foi pesquisadora visitante na Universidade do Texas em Austin (EUA). martamrocha.com
Gustavo Paravizo
Jornalista, mestre e doutorando em ciências sociais pela UFJF e pesquisador do Nepol.
*
Passado o 1º turno das eleições, padrões e excepcionalidades podem ser observadas nos resultados das disputas pelos governos estaduais. Eles também nos dão pistas sobre o 2º turno nos estados e nacionalmente. Ao todo, 12 dos 14 governadores que tentaram a reeleição foram reconduzidos ao cargo pelos seus colégios eleitorais, dois a mais do que no 1º turno de 2018. Outros cinco foram ao 2º turno e aguardam a definição no próximo dia 30.
Enquanto Acre, Amapá, Ceará, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Paraná, Piauí, Rio Grande do Norte, Roraima, Tocantins e o Distrito Federal escolheram seus mandatários já no primeiro momento, São Paulo e Santa Catarina rejeitaram as candidaturas de seus atuais governadores no 1º turno. Em outros 12 estados a decisão ficou para a segunda rodada: Alagoas, Amazonas, Bahia, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Rondônia, Santa Catarina, São Paulo e Sergipe.
Do ponto de vista partidário, o PT larga na frente com vitória em três estados, todos do Nordeste (Ceará, Piauí e Rio Grande do Norte). PP (Acre e Roraima), União Brasil (Goiás e Mato Grosso) e MDB (Distrito Federal e Pará) conquistaram dois estados cada. Solidariedade, PSB, Novo, PSD e Republicanos, por sua vez, garantiram apenas um governo estadual cada. PT e PL ainda disputam, cada um, quatro governos estaduais com candidatos próprios no 2º turno e também contam com apoios de candidaturas de outros partidos.
Apesar da discrepância entre os dados das pesquisas em alguns estados, a lógica se confirmou em vários deles e os candidatos mais bem posicionados nas venceram. Em outros, a disputa promete se intensificar em função do crescimento de alguns candidatos no 1º turno. Além disso, há uma histórica dificuldade de virada dos segundos colocados na reta final: em 2018, apenas 2 candidaturas conseguiram reverter a derrota parcial nas 14 disputas que foram ao 2º turno.
Os resultados do 1º turno oferecem o “mapa da mina” sobre o que vem pela frente e também nos dão pistas sobre a dinâmica de apoios gerada pela disputa entre Lula (PT) e Jair Bolsonaro (PL). Comecemos pelas surpresas.
Surpresas e novos arranjos nas corridas estaduais
A mais expressiva surpresa, sem dúvida, aconteceu em São Paulo, onde Tarcísio de Freitas (Republicanos) terminou à frente de Fernando Haddad (PT). O maior colégio eleitoral do país contrariou as pesquisas e deu guarida para o carioca que cresceu 11 pontos e venceu em 500 cidades. Haddad conquistou a capital e outras 90 cidades, mas não avançou no interior do estado.
A eleição marcou a primeira derrota do PSDB na corrida pelo Executivo estadual em 28 anos. Rodrigo Garcia (PSDB) apoiará Tarcísio no 2º turno a despeito da avaliação da campanha de que ter o apoio do PSDB significa dialogar com o velho. Tudo indica que o estado será o fiel da balança presidencial com grandes chances de nacionalização da corrida para o executivo estadual.
No Rio de Janeiro, as pesquisas de intenção de voto mostraram um crescimento significativo de Cláudio Castro (PL) na última semana de campanha. Ele recebeu 58,67% dos votos e confirmou a tendência de alta, reforçando a dificuldade dos institutos em medir os votos ligados ao bolsonarismo. Promovido a governador depois do impeachment de Wilson Witzel, Castro não só surpreendeu vencendo a disputa como também ampliou sua margem sobre Marcelo Freixo (PSB), registrando uma vantagem de 27 pontos percentuais. Castro também já reforçou apoio a Bolsonaro no Rio de Janeiro, terceiro maior colégio eleitoral do país, onde o atual presidente venceu Lula em 70 dos 92 municípios.
Em Minas Gerais, Romeu Zema (Novo) confirmou seu favoritismo com 56,18% dos votos válidos. Ele venceu na capital e em mais 658 municípios (77% do total). Apesar do apoio de Lula, Alexandre Kalil (PSD) enfrentou uma dupla dificuldade: competir com a máquina comandada pelo atual governador e com o desconhecimento de seu nome. Depois do “Lulécio” e do “Dilmasia”, a novidade da vez é o “Luzema” – o voto cruzado dos mineiros em Zema para governador e Lula para presidente. No 2º turno, Zema apoiará Bolsonaro, algo que não foi feito no 1º turno pelo temor da alta rejeição do presidente e da grande capilaridade de Lula no estado. Ainda não é possível saber se o eleitor mineiro alterará sua preferência devido ao apoio do governador.
No Espírito Santo, é a primeira vez em 28 anos que o estado vai ao 2º turno para a escolha do governador. As pesquisas indicavam vitória de Renato Casagrande (PSB) em 1º turno com 34 pontos percentuais de vantagem. A decisão, no entanto, foi adiada para o dia 30. A principal razão é a nacionalização da disputa estadual: com apoio de Bolsonaro, Carlos Manato (PL) cresceu oito pontos na reta final e assistiu a Magno Malta (PL), candidato ao Senado, ultrapassar e vencer a líder nas pesquisas, Rose de Freitas (MDB). O atual governador recebeu 46,94% votos e agora soma oito pontos de vantagem em relação a seu adversário. Se na primeira rodada Casagrande ofereceu um apoio apenas discreto a Lula devido à alta popularidade de Bolsonaro no estado, agora terá que se empenhar mais na campanha do petista.
Na Bahia, Jerônimo Rodrigues (PT) terminou em primeiro lugar com 49,45% dos votos contra 40,8% de ACM Neto, com grande crescimento na reta final. A última vez que o estado decidiu a eleição para governador no 2º turno foi em 1994. Derrotado nas urnas, o bolsonarista João Roma (PL), que obteve 9,08% dos votos, já declarou que é contra o Partido dos Trabalhadores e condicionou seu apoio a ACM a este retribuir com apoio à candidatura de Bolsonaro. Um apoio de alto risco na Bahia, quarto maior colégio eleitoral do país e um dos estados mais alinhados a Lula, que recebeu 69,73% dos votos válidos no estado contra 24,31% de Bolsonaro.
Algumas vitórias no 1º turno também chamaram a atenção no Nordeste pela diferença notada entre as pesquisas ao longo da campanha e os resultados eleitorais. É o caso de Piauí, Maranhão e Ceará.
No Piauí havia forte indicativo de que a eleição seria levada para o 2º turno, com perspectiva de vitória do candidato do União Brasil, Sílvio Mendes. No entanto, o eleitor piauiense deu a vitória em 1º turno a Rafael Fonteles (PT), ex-secretário estadual da Fazenda, com 57,17%, dando continuidade à hegemonia do partido que está à frente do governo há 19 anos. O estado também elegeu para o Senado o ex-governador Wellington Dias (PT).
Apesar de liderar as pesquisas no Maranhão, o candidato do PSB, Carlos Brandão, tinha como principal adversário o bolsonarista Lahesio Bonfim (PSC). As pesquisas indicavam que a disputa poderia ser resolvida no 2º turno. Entretanto, com o apoio de Flávio Dino (PSB), de Lula e da família Sarney, Brandão cresceu na reta final e venceu no 1º turno com 51,14% dos votos válidos.
O Ceará foi palco de uma das disputas mais interessantes. Os desarranjos políticos no quintal de Ciro Gomes fizeram com que o candidato petista, Elmano de Freitas (PT), que figurava em terceiro lugar nas pesquisas em agosto, ganhasse corpo e vencesse a eleição no 1º turno com 54,02%. Ele bateu o deputado federal bolsonarista Capitão Wagner (União), que ganhou protagonismo na eleição para a Prefeitura de Fortaleza em 2020 e que acabou em 2022 com 31,72%. O candidato do PDT, Roberto Cláudio, terminou a disputa em terceiro lugar, com 14,14% dos votos válidos.
No Rio Grande do Sul, uma inesperada virada também roubou a cena. Onyx Lorenzoni (PL) passou em primeiro lugar para o 2º turno com 37,5% dos votos, bem acima do que indicavam as pesquisas. Do mesmo modo, o vice-presidente Hamilton Mourão (Republicanos) fez o mesmo movimento e ultrapassou Olívio Dutra (PT) na disputa pelo Senado. Além disso, Eduardo Leite (PSDB), que liderou todas as pesquisas, por muito pouco não ficou fora do 2º turno. A diferença em relação ao terceiro colocado, Edegar Pretto (PT), foi de apenas 2.441 votos. No 2º turno, o apoio de Lula e Pretto pode significar uma faca de dois gumes para Leite: embora seja difícil recusar o apoio da esquerda, este pode lhe custar votos junto ao eleitorado de direita. Bolsonaro tem palanque certo com Lorenzoni e Mourão no quinto maior colégio eleitoral do país.
Em outros oito estados a decisão ficou para o 2º turno. Em quatro, mudanças de cenário também alteraram o panorama da corrida eleitoral e confrontaram as medições. No Amazonas, Eduardo Braga (MDB) ultrapassou Amazonino Mendes (Cidadania) e disputará o 2º turno contra Wilson Lima (União). Em Mato Grosso do Sul, André Puccinelli (MDB) deu lugar no 2º turno ao Capitão Renan Contar (PRTB). Este aparecia em terceiro nas pesquisas e avançou para o 2º turno na primeira colocação contra Eduardo Riedel (PSDB).
Em Pernambuco, o 2º turno será entre Marília Arraes (Solidariedade) e Raquel Lyra (PSDB). Marília teve votação bem abaixo do que indicavam as pesquisas, terminando com 24%, contra 20,6% de Lyra. Em Santa Catarina, o governador Carlos Moisés (Republicanos), que aparecia empatado em primeiro lugar nas pesquisas, acabou fora do 2º turno, que será disputado entre Jorginho Mello (PL) e Décio Lima (PT). O crescimento do candidato do PT foi uma surpresa em um estado em que todos os candidatos mais bem posicionados durante a campanha estavam alinhados a Bolsonaro.
Em outras quatro unidades federativas o resultado confirmou o que foi apontado pelas principais pesquisas. Em Alagoas, Paulo Dantas (MDB) enfrentará Rodrigo Cunha (União); João Azevêdo (PSB) e Pedro Cunha Lima (PSDB) disputarão o segundo turno na Paraíba; em Rondônia a disputa será entre Marcos Rocha (União) e Marcos Rogério (PL); e em Sergipe, depois da impugnação da candidatura de Valmir de Francisquinho (PL), o 2º turno terá Rogério Carvalho (PT) e Fábio Mitidieri (PSD).
Dinâmicas estaduais e apoios presidenciais no 2º turno
Considerando a fotografia em mãos, Bolsonaro leva vantagem entre os governadores eleitos com três apoios a mais que Lula. Contudo, o número de aliados é igual quando consideramos as candidaturas mais votadas que passaram ao 2º turno.
Quatro observações podem ser feitas considerando o cenário atual. Primeiro, os custos de associação de eleitos e candidatos a Bolsonaro, em função da rejeição apontada pelas pesquisas, parece ter diminuído por conta do bom desempenho eleitoral. Segundo, cabos eleitorais nos estados podem ser decisivos para Lula considerando a falta de palanque no Rio de Janeiro, Minas Gerais e a necessidade de conquistar votos no interior de São Paulo.
Além disso, é necessário saber qual a real capacidade de mobilização de votos por parte dos governadores eleitos e dos candidatos, já que há estados que podem repetir o chamado “voto cruzado”. Por fim, dado o nível de atenção que será dedicado às eleições presidenciais, é provável que haja uma nacionalização ainda maior nas disputas pelos governos estaduais. A saber se confirmaremos estas perspectivas e/ou se novas surpresas entrarão para a memória destas eleições.
*
Este artigo foi elaborado no âmbito do projeto Observatório das Eleições 2022, uma iniciativa do Instituto da Democracia e Democratização da Comunicação. Sediado na UFMG, conta com a participação de grupos de pesquisa de várias universidades brasileiras. Para mais informações, acesse o site.