Embora a arbitragem no Brasil tenha problemas, o remédio aplicado pelo PL 3293/2021, que pretende alterar o instituto que regula a atividade no país, “não vai curar a enfermidade, mas vai matar o paciente”. A avaliação foi realizada por Gustavo Schmidt, presidente do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem (CBMA), durante a abertura do novo escritório da entidade em São Paulo nesta última terça-feira (20/7).
O projeto de lei, de autoria da deputada Margarete Coelho (PP-PI) e sob relatoria da deputada Bia Kicis (PSL-DF), ganhou notoriedade nas últimas semanas em meio à comunidade arbitral depois de um pedido de urgência na Câmara. O PL propõe mudanças como o limite da atuação de árbitros ao máximo de 10 processos e a divulgação de informações após o encerramento de procedimentos.
Para Schmidt, a arbitragem funciona bem no país, o que não significa que ela esteja livre de vícios. Seria necessário um aperfeiçoamento, como a abertura do mercado para novos atores e a quebra do “clubismo” de sempre os mesmos árbitros. A objeção não é contra determinados diagnósticos, mas a solução ofertada.
A atividade, segundo o especialista, está intimamente ligada à noção de confiança. As partes, no campo de sua autonomia, escolhem os árbitros que julgarem melhor posicionados para lidar com o problema. Nesse sentido, para o representante do CBMA, o teto que regula a atuação de árbitros fere a “espinha dorsal” do ofício arbitral e poderia afastar os melhores nomes, por estarem inviabilizados de assumir mais caso, além de atravessar a regra constitucional da liberdade de trabalho.
PL que altera Lei de Arbitragem é impertinente e contraria legislações globais
Além disso, o projeto muda o critério do dever de revelação, o qual estabelece que um árbitro, para ser nomeado, deve divulgar o que representar uma dúvida justificável quanto à sua imparcialidade — um parâmetro das principais legislações estrangeiras. O PL transforma a dúvida justificável em “mínima dúvida”.
“O que é mínima dúvida? Mínima dúvida é um conceito aberto, que não tem uma construção anterior na doutrina, nas leis internacionais. No final das contas, você pode dizer que tudo é mínima dúvida. Você esteve num evento e compôs uma mesa, junto com outro palestrante, então isso, por si só, te coloca uma mínima dúvida sobre sua imparcialidade em relação àquela pessoa. Isso acaba com a arbitragem,” criticou o especialista, que ainda levantou o problema adicional da insegurança quanto a arbitragens antigas, pois nelas não se teria aplicado a regra.
O rompimento da prática de confidencialidade tampouco foi bem recebida. A lei de arbitragem não determina que as informações em processos arbitrais permaneçam em sigilo, porém, como neles se tratam de questões privadas, essa tem sido a regra, explicou Schmidt. O objetivo seria salvaguardar as partes de repercussões descontroladas, por exemplo, no mercado de capitais.
“[O PL] simplesmente gera uma insegurança jurídica nas arbitragens que, no final das contas, é melhor ir para o Judiciário do que para a arbitragem. Você vai fazer com que essas arbitragens aconteçam fora do Brasil. O que ele se propõe a resolver — reduzir insegurança jurídica, tornar os procedimentos arbitrais mais céleres — não vai acontecer, não pelas modificações que são propostas.”
O CBMA mantém diálogo com deputados na Câmara federal. A expectativa de seu presidente, entretanto, é que o projeto tem uma “possibilidade razoável” de ser aprovado na Casa.