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PL que altera Lei de Arbitragem é impertinente e contraria legislações globais

Retrocesso custará caro para o ambiente negocial no Brasil

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Crédito: Pixabay

Em setembro de 2021, a deputada federal Margarete Coelho (PP-PI) apresentou o PL 3293/2021, que visa a alterar a Lei de Arbitragem (Lei 9.307/1996) e objetiva disciplinar a atuação do árbitro, aprimorar o dever de revelação, estabelecer a divulgação das informações após o encerramento do procedimento arbitral e a publicidade das ações anulatórias. Tal projeto foi encaminhado, no dia 8 de dezembro do ano passado, à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), tendo sido designada como relatora a deputada Bia Kicis (PL-DF).

No último dia 6 de julho, porém, sete deputados – André Fufuca (PP-MA), Igor Timo (Podemos-MG), Elmar Nascimento (União-BA), Vinicius Carvalho (Republicanos-SP), Altineu Côrtes (PL-RJ), Christiane Yared (PP-PR) e Antonio Brito (PSD-BA) – apresentaram Requerimento de Urgência (REQ 1166/2022) no sentido de apreciação e votação imediata pelo plenário. O pedido passou pelas sessões do dia 7 e do dia 14 e, por enquanto, não foi apreciado. Consta do site da Câmara dos Deputados que a matéria não foi apreciada “em face do encerramento da sessão”.

Este projeto é absolutamente devastador para o ambiente negocial que vem sendo construído a duras penas no Brasil, e, claramente, está em descompasso com o que se pratica no mundo inteiro. A mudança proposta restringe a liberdade das partes, quebra a confidencialidade do sistema e só fará com que as arbitragens passem a ser feitas em outros países, como ocorrida até o surgimento da Lei de Arbitragem, ante o alto grau de nocividade da alteração no mundo estritamente privado dos negócios.

Como se verifica, o tema vai além de um nicho jurídico específico, pelo reflexo social da mudança que impactará o país e a sociedade.

Cabe sempre lembrar que a solução para os conflitos humanos está nos meios extrajudiciais e não na judicialização deles. Quando um país desestimula legalmente esses meios extrajudiciais de solução de controvérsias, com imposições de restrições que afetam os princípios e as bases do próprio instituto da arbitragem, gera-se um mal social, e, inclusive, aumenta-se o “risco país”, o coloquialmente chamado “custo Brasil”, principalmente quanto às questões industriais, de comércio exterior e imobiliárias, que já são amplamente tratadas via arbitragem e já estão fora do Judiciário há algum tempo.

É fato notório a morosidade do Judiciário e o fato dos juízes de Direito serem profissionais submetidos a concurso público generalista, embora reconhecido pelo seu elevado grau de dificuldade. Os grandes, expressivos e complexos litígios já não vem sendo pacificados no Judiciário, principalmente pelas referidas morosidade e falta de especialização do julgador neste sistema.

Daí surge a arbitragem, reconhecida pela celeridade e especialização dos julgadores. Será uma questão de tempo até as causas com maior expressão financeira estarem submetidas à arbitragem, gerando o crescimento de toda uma justiça privada altamente lucrativa para as Câmaras Arbitrais existentes e para os árbitros.

Este é o cenário atual e, assim, este contexto de perda de poder pelo Judiciário, por não estar mais julgando crescentemente as causas de maior expressão econômica no país, não pode ser deixado de lado quando da análise do projeto em referência. O que se visa, em verdade, a pretexto de objetivar formalmente o “aperfeiçoamento da exitosa experiência arbitral”, é o desestímulo deste nobre instituto, pois simplesmente o projeto em causa viola às bases principiológicas da arbitragem.

De acordo com o PL 3293/2021, “o árbitro não poderá atuar, concomitantemente, em mais de dez arbitragens, seja como árbitro único, coárbitro ou como presidente do tribunal arbitral” e “não poderá haver identidade absoluta ou parcial dos membros de dois tribunais arbitrais em funcionamento”.

Como justificativa, é dito que “a presença de um mesmo árbitro em algumas dezenas de casos simultaneamente” abre “brecha para o ajuizamento de uma maior quantidade de ações anulatórias”.

Não há lógica na justificativa apresentada. Nenhuma ação anulatória de sentença arbitral se pautou, nem poderia se pautar, no fato de o árbitro ter mais de dez processos sob sua análise. Eventuais anulações existentes pautam-se na inobservância dos ritos e formalidades constantes e disciplinados pela própria Lei de Arbitragem em vigor.

Nenhum juiz de direito possui limitação de processos, muito menos qualquer promotor, defensor, procurador ou advogado. As partes elegem livremente o árbitro pela sua experiência, especialização, reconhecimento público e eficiência em seus julgamentos. E os próprios estatutos e regimentos das Câmaras Arbitrais disciplinam a eficiência do procedimento e a rigorosa observância dos ritos legais.

O PL, em verdade, cria indevida limitação ao exercício da autonomia privada quanto à livre escolha de árbitros, mostra-se incompatível com a modelagem jurídica de consensualidade e representa intromissão do Estado na atividade profissional que merece ser rechaçada.

O que se pretende ao limitar a dez o número de processos dos árbitros é simplesmente enfraquecer a arbitragem no país, fazendo com que o mercado não seja mais rentável, o que fará com que as arbitragens passem a ser realizadas no exterior, onde não há essa limitação.

Como se não bastasse, o PL indica que “os integrantes da secretaria ou diretoria executiva da câmara arbitral não poderão funcionar em nenhum procedimento administrado por aquele órgão, seja como árbitro único, coárbitro ou presidente do tribunal, ou ainda como patrono de qualquer das partes”.

Há gritante desconhecimento quanto à função exercida por cada profissional. Um secretário, um diretor e um árbitro possuem funções e interesses absolutamente diversos e não conflitantes entre si. O magistrado que possui função administrativa de presidir o tribunal não possui qualquer incompatibilidade com o mesmo magistrado julgador dos seus próprios processos.

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) também exerce esta função administrativa cumulável com a função judicante da sua atividade-fim. Do mesmo modo, o diretor de uma Câmara Arbitral, que exerce a função administrativa de gerir a Câmara, poderá ser indicado pelas partes para exercer a função de árbitro na Câmara da qual é diretor, caso tenha a devida competência e seja uma pessoal notável na matéria posta a julgamento. A Câmara Arbitral possui função administrativa, não tendo qualquer ingerência sobre as decisões a serem tomadas na disputa.

E o árbitro só o é no momento em que exerce a função de árbitro. Para além do efetivo exercício, ele é apenas um profissional, que pode ser do ramo jurídico ou não. Não se é árbitro, se está árbitro durante o processo arbitral. Evidente, deste modo, que a alteração proposta mostra-se em vibrante descompasso com o sistema arbitral global.

Há ainda a previsão de imposição ao árbitro quanto ao dever de revelar, antes da aceitação da função e durante todo o processo, a quantidade de arbitragens em que atua, seja como árbitro único, coárbitro ou presidente do tribunal. Ora, nenhum profissional tem dever de indicar quantos clientes têm, em quantas atividades atua e quantas causas possuí. Somente cabe à Receita Federal saber tais informações, para fins de tributação, informações financeiras estas, de caráter sigiloso.

Por fim, o PL visa a alterar o princípio elementar da arbitragem da confidencialidade e do sigilo para o da publicidade, prevendo que uma vez instituída a arbitragem, a Câmara publicará, em sua página na Internet, a composição do tribunal e o valor envolvido na controvérsia, bem como publicará, em sua página na Internet, a íntegra da sentença arbitral.

A justificativa é a de que “a publicidade das decisões arbitrais e das anulatórias ajudará a criar uma verdadeira jurisprudência”.

O legislador confunde a arbitragem com o sistema judicial. Na arbitragem não há recurso, não tribunal superior, não há tribunal de justiça, não há uniformização de entendimento, não há súmula, não há qualquer objetivo ou interesse um julgamento linear entre Tribunais Arbitrais. Trata-se de um microssistema com princípios próprios e que apresenta-se desconhecido pelos legisladores pelas próprias razões constantes da justificativa do PL. Trata-se de um PL antiarbitragem, pois estruturado em desconhecimento das bases globais da arbitragem.

Ressalte-se que a confidencialidade não é obrigatória no instituto da arbitragem. Aliás, o próprio Código de Processo Civil (CPC) prevê segredo de justiça aos processos que versem sobre arbitragem. Conforme o seu artigo 189, os atos processuais são públicos, todavia tramitam em segredo de justiça os processos que versem sobre arbitragem, inclusive sobre cumprimento de carta arbitral. Assim, a alteração contraria o próprio dispositivo do CPC em vigor.

Nesse sentido, tais mudanças somente farão com que ocorra a migração das arbitragens brasileiras para outros locais e que o país não sedie arbitragens internacionais, causando graves prejuízos à economia nacional. É evidente que a sociedade civil tem condições de autorregulação e disposição sobre matérias de interesses essencialmente privados.

Portanto, o PL 3293/2021 mostra-se impertinente e retrata perigosa interferência na autonomia das partes que elegeram a arbitragem como meio extrajudicial de solução de suas controvérsias, pelo que merece ser arquivado e rejeitado em sua integridade.