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Pelo MP: A hediondez e a corrupção: um vínculo além do mero etiquetamento

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Capítulo 1

Introdução

A corrupção figura como um dos principais “trending topics” ao redor do globo. Sem nacionalidade ou data de nascimento, cuida-se de um fenômeno abordado desde Dante Alighieri em sua “Divina Comédia” até ser examinado com mais cientificidade por especialistas como Rose-Ackerman e Robert Klitgaard.

Em 27 de janeiro de 2016, a organização Transparência Internacional divulgou estudo acerca do índice de percepção da corrupção em 168 países. A escala vai de 0 a 100, onde notas mais próximas de 0 indicam um grau mais alto de corrupção. O Brasil foi o país que sofreu a maior queda nesse índice, caindo cinco pontos em relação ao ano anterior e sete posições no ranking, estando atrás de países como [simple_tooltip content=’Dados disponíveis em <http://www.transparency.org/news/pressrelease/corruption_perceptions_index_2015_corruption_still_rife_but_2015_saw_pocket>. Acesso em 27 jan 2016.’]Ruanda, Namíbia, Gana, Senegal e Panamá[/simple_tooltip].

Longe de se identificar com paixões, a corrupção é matéria de Direito Penal Econômico e se dissemina quando encontra condições propícias para tal. O combate à corrupção, pois, passa ao largo de moralismos e repousa sobre o estabelecimento de estruturas que corroam os incentivos à prática de atos corruptos.

Tal diagnóstico revela a urgente necessidade de mudança de paradigmas no enfrentamento da matéria. Essa tarefa não pode se furtar de concretizar reformas no sistema penal brasileiro, enrijecendo as consequências de práticas delitivas desse jaez com o intuito de criar fatores de desestímulo aos agentes potencialmente corruptos.

Nesse contexto, o debate acerca da inclusão da corrupção no rol de crimes hediondos constante da Lei n. 8.072/90 é indesviável. Semelhante providência repercute além do simbolismo e produz efeitos concretos que não podem ser ignorados, sobretudo porque a corrupção nasce nas alcovas, mas lança seus tentáculos à luz do sol, vitimando um número incontável de cidadãos brasileiros.

Capítulo 2

Corrupção: qual a profilaxia para esta doença?

A definição de corrupção transcende a mera semântica. O termo traz ínsito em si uma dimensão ética, representativa do desgaste dos pilares políticos e sociais sobre os quais se assenta uma democracia. Já sob uma perspectiva jurídica, a corrupção pode ser entendida, de modo geral, como ações nas quais um espaço público é utilizado para atender interesses particulares de maneira incompatível com o [simple_tooltip content=’SHECAIRA, Sérgio Salomão. Corrupção: uma análise criminológica. In: GRECO, Luís; MARTINS, Antônio. Direito Penal como crítica da pena: Estudos em homenagem a Juarez Tavares por seu 70o Aniversário em 2 de setembro de 2012. São Paulo: Marcial Pons, 2012. p. 603.’]regramento legal vigente[/simple_tooltip]. Cuida-se, pois, de uma questão que amalgama ingredientes políticos e econômicos.

Engana-se quem se limita a tratar a corrupção como uma doença que ataca “apenas” a moralidade da Administração Pública. Seus efeitos são muito mais nefastos e abrangentes. A corrupção afeta diretamente o crescimento econômico, já que aloca recursos públicos em searas escusas, esvaziando o cofre que deveria fomentar direitos sociais. Os reflexos da corrupção não ficam restritos aos atos por ela maculados, mas têm o condão de afetar a economia de um país, como está sendo visto atualmente no Brasil, onde os investimentos e grau de confiabilidade sofreram vertiginosa queda, instalando uma crise política e socioeconômica.

A nocividade da corrupção é resumida de forma bastante ilustrativa pelo preâmbulo da Conveção de Mérida, assinada pelo Brasil em 09 de dezembro de 2003 e promulgada pelo Decreto n. 5.687/2006, verbis:

Preâmbulo

Os Estados Partes da presente convenção,

Preocupados com a gravidade dos problemas e com as ameaças decorrentes da corrupção, para a estabilidade e a segurança das sociedades, ao enfraquecer as instituições e os valores da democracia, da ética e da justiça e ao comprometer o desenvolvimento sustentável e o Estado de Direito;

Preocupados, também, pelos vínculos entre a corrupção e outras formas de delinqüência, em particular o crime organizado e a corrupção econômica, incluindo a lavagem de dinheiro;

Preocupados, ainda, pelos casos de corrupção que penetram diversos setores da sociedade, os quais podem comprometer uma proporção importante dos recursos dos Estados e que ameaçam a estabilidade política e o desenvolvimento sustentável dos mesmos;

Convencidos de que a corrupção deixou de ser um problema local para converter-se em um fenômeno transnacional que afeta todas as sociedades e economias, faz-se necessária a cooperação internacional para preveni-la e lutar contra ela (…)

Semelhante quadro revela que o combate à corrupção e a tutela de direitos humanos são duas faces da mesma moeda. O enfrentamento desse problema demanda uma miríade de estratégias que desembocam num mesmo lugar: a responsabilização de agentes corruptos e corruptores. Deve-se buscar tratar a doença atacando seus vetores e não apenas aliviando seus sintomas.

Nessa luta, é intrínseca a percepção de que os protagonistas da corrupção devem ter muito claro em suas mentes que as vantagens advindas do ato ilícito superarão as inconveniências causadas pelas penalidades a ele associadas. A decisão por capitanear uma conduta corrupta é racional e perpassa pela valoração, pelos agentes, da probabilidade de serem descobertos, processados e punidos. Donde, a necessidade de se criarem ferramentas de desestímulo.

Arvind K. Jain adverte que há um liame entre as taxas de corrupção e o grau de efetividade do sistema legal. A ineficácia do sistema legal pode levar os agentes públicos corruptos a intensificarem suas atividades ilícitas e a trabalharem para enfraquecer ainda mais o sistema, criando óbices legais ao célere funcionamento da Justiça. Dessa forma, um sistema judicial fraco pode se transformar tanto na causa como na [simple_tooltip content=’In: Corruption: A Review. Journal of Economic Surveys, 15: 71–121. doi:10.1111/1467-6419.00133. Disponível em: <http://darp.lse.ac.uk/PapersDB/Jain_(JES01).pdf>. Acesso em 26 jan 2016.’]consequência da corrupção[/simple_tooltip].

Hoje, o crime de corrupção mais se assemelha a um gracejo esculpido no Código Penal brasileiro. Com pena mínima de dois anos e ante a usual primariedade de réus de colarinho branco – os quais sempre encontram um atalho no caminho que vai da investigação, passa pelo processamento judicial e termina na condenação – as consequências de condutas dessa estirpe geralmente redundam na cominação de penas restritivas de direitos ou, no máximo, na inflição de pena privativa de liberdade em regime inicial aberto, o que, num país onde se previu no papel e não no mundo real a figura da casa de albergado, significa reprimenda nenhuma. Logo, a relação custo-benefício da corrupção finda por estimular ainda mais essa prática abjeta.

Destarte, a profilaxia para a corrupção repousa sobre a adoção de medidas enérgicas para espraiar um desencorajamento entre seus potenciais agentes.

Capítulo 3

Lei 8.072/90: o que torna um crime hediondo?

Hediondo, segundo a língua portuguesa, é o epíteto com que se descreve algo repugnante, abjeto, vil. Crime, por sua vez, é o vocábulo através do qual se convenvionou denominar, de forma geral, uma conduta que vulnera um bem jurídico reputado essencial à vida em sociedade. Por seu turno, a locução crime hediondo designa uma conduta que, ao atingir um bem jurídico essencial à vida gregária, o faz de uma maneira particularmente repulsiva.

Ante a constatação da existência de condutas especialmente reprováveis, o poder constituinte originário alocou, no art. 5o, inciso XLIII do Texto Magno, um mandado de criminalização que indica ao legislador infraconstitucional uma obrigação de dispensar especial atenção à tutela de bens jurídicos de maior dignidade, fazendo-o por meio de mecanismos repressores mais rígidos. Eis os termos da Constituição Cidadã:

Art. 5o. XLIII – a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetiveis de graça ou anistia a práitica da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem.

É importante notar que a própria posição topográfica do dispositivo acima trasladado indica a seriedade da norma. É que, ao colocar o inciso XLIII no art. 5o, o constituinte elencou-o como direito e garantia fundamental, intangível pela ação do legislador ordinário ou mesmo pelo poder constituinte derivado (art. 60, §4o, inciso IV da CF).

Em face da sobredita injunção constitucional e animado por uma conjuntura fática na qual extorsões mediante sequestro tinham vitimado notórios integrantes da elite econômica brasileira, o Congresso Nacional editou a Lei n. 8.072/90, a qual passou a dispor sobre os crimes hediondos, nos termos do art. 5o, inciso XLIII da Constituição Federal, e determinou outras providências. Semelhante diploma legislativo tornou mais rigoroso o tratamento dispensado às infrações penais por ele listadas, inclusive com excessos posteriormente corrigidos pelo Supremo Tribunal Federal (vide tópico 5.2).

A Lei n. 8.072/92, ao instituir tal couraça, despertou a ira da doutrina sedizente garantista, associando-a a uma rotulagem nonsense que com nada contribuiria para o controle social através do Direito Penal. Muito ao contrário, alguns penalistas passaram a associar a criação da categoria de crimes hediondos ao movimento político-criminal da lei e da ordem, porém de maneira depreciativa.

O Movimento da Lei e da Ordem nasceu nos Estados Unidos com o escopo de lidar com o incremento da criminalidade violenta e promoveu uma filosofia de endurecimento das penas e rigor na persecução de quaisquer ilícitos penais.

Nesse contexto, desenvolveu-se ainda a teoria das janelas quebradas (broken windows theory) por James Q. Wilson e George L. Kelling, a qual inovou ao associar criminalidade com desordem. De acordo com essa teoria, pequenas incivilidades devem ser combatidas com o escopo de se prevenir crimes mais graves. Os estudiosos norte-americanos ilustraram seu ponto de vista, com a alegoria das janelas quebradas, que, grosso modo, preconiza que, se uma janela de um edifício fosse quebrada e não reparada, as pessoas que por ali passassem concluiriam que ninguém se importava com o local e, portanto, quebrar mais janelas implicaria em nenhum custo; um edificio com todas as janelas quebradas transmitiria a ideia de ausência de autoridade responsável por aquela área, estimulando a depredação dos edifícios vizinhos. Instalar-se-ia, assim, a [simple_tooltip content=’Apud LOVATTI, Sheila Lustoza. O uso simbólico do Direito Penal. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XII, n. 67, ago 2009. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=6541>. Acesso em 25 jan 2016.’]completa desordem no local[/simple_tooltip].

Ambas as teses acima são duramente rechaçadas pela “academia garantista”, sob o argumento de que os conceitos de violência e criminalidade são indevidamente confundidos. Nesse aspecto, afigura-se percuciente a leitura da reflexão de Alberto Silva Franco:

Violência e criminalidade passam a ser expressões sinônimas como se houvesse uma superposição conceitural. Se tomarmos como ponto de referência a realidade brasileira, violência não é apenas e exclusivamente os fatos criminosos. Violência é a terrível faixa de exclusão a que está condenada grande parte da população brasileira, é a concentração de riqueza em poder de um número reduzido de pessoas, é a fome, é a miséria, é o salário aquém das necessidades básicas da pessoa, é o latifúndio improdutivo, é o trabalho forçado do menor, é a prostituição infantil, é o alto índice de acidentes no trabalho, é o privilégio das corporações, é a carência de adequadas políticas públicas na esfera do social, é o uso manipulador dos meios de comunicação social, é a [simple_tooltip content=’In: Crimes Hediondos. 6a ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 83.‘]corrupção infiltrada nos poderes da República[/simple_tooltip]. (inovou-se nos grifos)

Valorosas por promoverem a dialeticidade ínsita a uma democracia, as críticas em questão se excedem ao unir, com um cordão umbilical, a austeridade na aplicação do Direito Penal com o desrespeito a garantias processuais individuais. Ora, o respeito ao devido processo legal e à ampla defesa não é incompatível com o ato de imprimir uma aplicação rígida da lei penal.

Não se pode olvidar que o Direito Penal é uma ferramenta de controle social, acionada quando a atuação das demais agências revela-se insuficiente para proteger os bens jurídicos mais valiosos de ataques intoleráveis. Outrossim, o Direito Penal deve ser vislumbrado como um importante instrumento de promoção de Direitos Humanos, manejável para enfrentar ofensas a direitos de cariz fundamental, como a vida, a liberdade, a igualdade, a segurança e a propriedade.

Logo, dizer que a incidência rígida do Direito Penal, por si só, afronta direitos fundamentais a duras penas conquistados equivale a veicular uma visão que deliberadamente fecha os olhos à outra face do problema: a vedação da proteção deficiente de direitos fundamentais por parte do Estado (untermassverbot).

Classificar um crime como hediondo, pois, longe de representar uma mera etiquetação, alberga o mérito de apresentar previamente a todos os indivíduos os bens jurídicos mais caros ao ordenamento jurídico brasileiro, cuja afronta fará a balança da Justiça pender para os direitos fundamentais das vítimas em detrimento dos direitos fundamentais do infrator.

Capítulo 4

O liame entre corrupção e hediondez

Traçado o panorama do que representa a corrupção hoje no Brasil e dos contornos que caracterizam um crime hediondo, a conclusão de que ambos os conceitos se imiscuem é incontestável.

As próprias críticas dirigidas à Lei n. 8.072/90 findam por reforçar o liame entre a corrupção e a hediondez. É que, ao censurar a lei de crimes hediondos, a doutrina associa-o ao movimento da lei e ordem para asseverar que essa conformação legislativa finda por criminalizar pessoas que já são marginalizadas, pois são estas que, em sua maioria, são levadas pelas circunstâncias sociais a cometerem pequenos delitos.

Sucede que, quando se pensa no crime de corupção, a equação se inverte: são integrantes do topo da pirâmide social que figuram como algozes, enquanto os indivíduos menos favorecidos aparecem como vítimas, já que são tolhidos do Estado os recursos financeiros destinados a implementar as políticas públicas necessárias ao encurtamento das desigualdades sociais.

É justamente essa característica que torna a corrupção um delito digno de maior reprovabilidade e de mais rigorosa punição. Não se pode olvidar que, no sistema penal brasileiro, a pena congrega um duplo viés, quer seja, uma função retributiva e outra preventiva.

Sobre o primeiro aspecto, ponderam Sérgio Salomão Shecaira e Alceu Corrêa Junior:

Com efeito, a pena caracteriza-se como um verdadeiro instrumento da autoconstatação do Estado, ou seja, serve para a reafirmação de sua existência, constituindo-se assim em uma necessidade para a própria sobrevivência do Estado. Assim, a sanção penal é essencialmente retributiva, vale dizer, a pena é a reafirmação do poder estatal que se materializa através de uma restrição imposta àquele que violou a [simple_tooltip content=’In: Teoria da Pena: finalidades, direito positivo, jurisprudência e outros estudos de ciência criminal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 144′]paz social garantida pelo Estado[/simple_tooltip].

Já a função preventiva da pena, na vertente da prevenção especial, tem um lado negativo e um lado positivo. A prevenção especial negativa justifica a pena como influência sobre o agente para que este não mais volte a delinquir. Já a prevenção especial positiva volta os olhos ao aspecto ressocializador da pena.

Nesse toar, o recrudescimento das implicações penais da prática de corrupção sob a perspectiva da prevenção especial negativa tem por escopo demonstrar ao potencial agente delitivo que as sanções decorrentes do seu ato serão mais gravosas do que as vantagens que dele poderiam advir. A análise da relação custo-benefício da prática do crime, portanto, precisa revelar que o custo supera o benefício.

De outra banda, quanto à prevenção especial positiva, pondera Douglas Fischer:

Por estarem inseridos socialmente, na grande maioria das vezes, nos mais altos estratos, a ressocialização que se deve buscar quanto aos delinquentes econômicos está centrada na necessidade de fazer com que repensem seus modos de agir, marcados [simple_tooltip content=’In: O Custo Social da Criminalidade Econômica. In: SOUZA, Artur de Brito Gueiros. Inovações no Direito Penal Econômico: Contribuições criminológicas, político criminais e dogmáticas. Brasília: Escola Superior do Ministério Público da União, 2011.p. 34.’]pela ganância e cupidez em detrimento do interesse coletivo[/simple_tooltip].

Enfim, é estreito o elo que une corrupção e hediondez, de modo a ser plenamente justificável, não só sob o prisma moral, mas também sob o jurídico, uma abordagem penal mais rigorosa.

Capítulo 5

A proposta legislativa do MPF

O cenário desenhado nos tópicos pregressos revelam a necessidade de mudar paradigmas no enfrentamento à corrupção. O objetivo do pacote de medidas legislativas proposto pelo Ministério Público Federal na campanha “10 medidas de combate à corrupção” é tornar a corrupção um crime de alto risco, criando um fator de desincentivo ao agente que se vê tentado a capitaneá-la.

Os detalhes e efeitos dessa proposta serão destrinchados nos próximos tópicos.

1. O projeto de lei

O anteprojeto de lei elaborado com o intuito de tornar mais rigorosas as sanções abstratamente infligidas a crimes que, lato sensu, podem ser chamados de corrupção, possui dois vieses. O primeiro viés consiste na elevação da pena mínima dos crimes contra a Administração Pública revestidos de maior gravidade, os quais, desse modo, teriam como regime inicial de cumprimento de pena ao menos o semiaberto. O segundo viés tem por escopo incluir a corrupção de altos valores no rol de crimes hediondos.

Eis a literalidade da proposta legislativa:

A PRESIDENTE DA REPÚBLICA, faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte lei:

Art. 1º Os arts. 312, 313-A, 316 e § 2º, 317 e 333 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, passam a vigorar com a seguinte redação:

“Peculato

Art. 312. […]

Pena – reclusão, de quatro a doze anos, e multa.” (NR)

“Inserção de dados falsos em sistema de informações

Art. 313-A. […]

Pena – reclusão, de quatro a doze anos, e multa.” (NR)

“Concussão

Art. 316. […]

Pena – reclusão, de quatro a doze anos, e multa.” (NR)

“Excesso de exação

[…]

§2º […]

Pena – reclusão, de quatro a doze anos, e multa.” (NR)

“Corrupção passiva

Art. 317. […]

Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos, e multa.” (NR)

“Corrupção ativa

Art. 333. […]

Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos, e multa.” (NR)

Art. 2º O Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, passa a vigorar acrescido do seguinte art. 327-A:

“Art. 327-A. As penas dos crimes dos arts. 312 e § 1º, 313-A, 316 e § 2º, 317 e 333 serão de:

I – reclusão, de 7 (sete) a 15 (quinze) anos, se a vantagem ou o prejuízo é igual ou superior a 100 (cem) salários-mínimos vigentes ao tempo do fato;

II – reclusão, de 10 (dez) a 18 (dezoito) anos, se a vantagem ou o prejuízo é igual ou superior a 1.000 (mil) salários-mínimos vigentes ao tempo do fato;

III – reclusão, de 12 (doze) a 25 (vinte e cinco) anos, se a vantagem ou o prejuízo é igual ou superior a 10.000 (dez mil) salários-mínimos vigentes ao tempo do fato.

§ 1º O disposto no parágrafo anterior não obsta a aplicação de causas de aumento ou de diminuição da pena, previstas na Parte Geral ou Especial deste Código.

§ 2º A progressão de regime de cumprimento da pena, a concessão de liberdade condicional e a conversão da pena privativa em restritiva de direitos, quando cabíveis, ficam condicionados à restituição da vantagem indevidamente auferida ou do seu equivalente e ao ressarcimento integral do dano.”

Art. 3º O art. 171 do Decreto-Lei nº 2.848, de 1940, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 171. […]

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa.

[…]

§ 3º A pena aumenta-se de um terço, se o crime é cometido em detrimento de instituto de economia popular ou beneficência.

§ 4º Se o crime é cometido em detrimento do erário ou de instituto de assistência social, a pena será de:

I – reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos, se a vantagem ou o prejuízo é igual ou superior a 100 (cem) salários-mínimos vigentes ao tempo do fato;

II – reclusão, de 6 (seis) a 12 (doze) anos, se a vantagem ou o prejuízo é igual ou superior a 1.000 (mil) salários-mínimos vigentes ao tempo do fato;

III – reclusão, de 8 (oito) a 14 (quatorze) anos, se a vantagem ou o prejuízo é igual ou superior a 10.000 (dez mil) salários-mínimos vigentes ao tempo do fato.

§ 5º O disposto no parágrafo anterior não obsta a aplicação de causas de aumento ou de diminuição da pena, previstas na Parte Geral ou Especial deste Código.

§ 6º Nos casos previstos no § 4º, a progressão de regime de cumprimento da pena, o livramento condicional e a conversão da pena privativa em restritiva de direitos, quando cabíveis, ficam condicionados à restituição da vantagem indevidamente auferida ou do seu equivalente e ao ressarcimento integral do dano.” (NR)

Art. 4º O art. 3º da Lei 8.137, de 27 de dezembro de 1990, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Dos crimes praticados por funcionários públicos

Art. 3º […]

I – Extraviar livro oficial, processo fiscal ou qualquer documento, de que tenha a guarda em razão da função; sonegá-lo ou inutilizá-lo, total ou parcialmente, acarretando pagamento indevido ou inexato de tributo ou contribuição social.

Pena: reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa.

II – Patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração fazendária, valendo-se da qualidade de funcionário público.

Pena: reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.” (NR)

Art. 5º Revoga-se o inciso I do art. 1º do Decreto-Lei nº 201, de 27 de fevereiro de 1967.

Art. 6º O art. 1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, passa a vigorar acrescido do seguinte inciso:

“Art. 1º […]

IX – peculato (art. 312 e § 1º), inserção de dados falsos em sistemas de informações (art. 313-A), concussão (art. 316), excesso de exação qualificada pela apropriação (art. 316 § 2º), corrupção passiva (art. 317) e corrupção ativa (art. 333), quando a vantagem ou o prejuízo é igual ou superior a cem salários-mínimos vigentes ao tempo do fato (art. 327- A).”

Art. 7º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, X de XXXX de 2015.

A grande novidade trazida pela proposta acima trasladada é a entronização, no ordenamento jurídico brasileiro, de molduras flexíveis a servirem de parâmetro para a inflição da pena aos crimes em pauta. Com a modificação pretendida, os magistrados passariam a ter como parâmetros na atividade de dosimetria da pena o valor do prejuízo causado ou da vantagem auferida pelo agente corrupto.

O vulto da vantagem ou prejuízo serviria como critério, ainda, para a classificação dos crimes de peculato (art. 312 e § 1º), inserção de dados falsos em sistemas de informações (art. 313-A), concussão (art. 316), excesso de exação qualificada pela apropriação (art. 316 § 2º), corrupção passiva (art. 317) e corrupção ativa (art. 333) como hediondos. Assim, de acordo com a proposta do MPF, apenas os crimes graves contra a Administração Pública que acarretassem um prejuízo ou rendesse uma vantagem financeira superior a cem salários mínimos vigentes à época dos fatos sofreriam os influxos da [simple_tooltip content=’Em janeiro de 2016, essa cifra equivale a R$ 88.000,00 (oitenta e oito mil reais).’]Lei n. 8.072/90[/simple_tooltip].

A plasticidade do novo modelo é, sem dúvidas, inovadora. O estranhamento inicial, todavia, não pode conduzir à repulsa da proposta, uma vez que esta foi edificada sob os alicerces da proporcionalidade. A proporção entre os delitos e as penas é algo defendido há bastante tempo por Beccaria, filósofo que se dedicou a refletir sobre o direito de punir e suas amarras. Também no campo filosófico, defende-se que a ponderação que deve guiar a cominação de sanções deve ter como bússola a gravidade do crime e o dano causado. É justamente essa concepção que informa a ideia de estabelecer um range flexível de preceitos secundários para um mesmo delito, a depender dos consectários da infração penal praticada.

Nesse toar, o recrudescimento da sanção de acordo com as consequências nefastas do ilícito penal é uma diretriz que pode ser haurida do sistema penal brasileiro como é hoje estruturado. O constituinte delegou ao legislador ordinário o estabelecimento dos critérios para individualização da pena (art. 5o, inciso XLVI da Carta Magna). O legislador infraconstitucional, por seu turno, desincumbiu-se do seu mister ao estabelecer um preceito secundário em cada norma definidora de uma conduta criminosa – fixando os patamares mínimos e máximos das reprimendas -, bem como ao elencar, na parte geral do Código Penal (art. 59), oito critérios a serem sopesados pelo magistrado ao transitar entre os lindes anteriormente mencionados. Dentre esses critérios expressamente catalogados no art. 59 do CP figuram as consequências do crime.

O aumento de pena levado a cabo de forma harmônica à intensidade do dano causado ou da vantagem auferida pelo sujeito delitivo é algo já vigente em outros países reconhecidamente democráticos, a exemplo dos Estados Unidos.

Com efeito, o 2015 USSC Guidelines Manual (Manual de Orientações da Comissão de Penas dos Estados Unidos, vigente a partir de novembro de 2015), que orienta os juízes e tribunais estadunidenses na dosimetria das penas criminais naquele país, determina que, se a vantagem auferida ou o dano ao erário supera $6,500 (seis mil e quinhentos dólares), a pena base passa a sofrer acréscimo proporcional, de acordo com a seguinte tabela:

Loss (Apply the Greatest) Increase in Level
(A) $ 6,500 or less no increase
(B) More than $ 6,500 add 2
(C) More than $ 15,000 add 4
(D) More than $ 40,000 add 6
(E) More than $ 95,000 add 8
(F) More than $ 150,000 add 10
(G) More than $ 250,000 add 12
(H) More than $ 550,000 add 14
(I) More than $ 1,500,000 add 16
(J) More than $ 3,500,000 add 18
(L) More than $ 9,500,000 add 20
(M) More than $ 25,000,000 add 22
(N) More than $ 65,000,000 add 24
(O) More than $ 150,000,000 add 26
(P) More than $ 250,000,000 add 28
(Q) More than $ 550,000,000 add 30

A tabela acima demonstra que é imposta uma exasperação da pena base que pode variar entre 6 meses (acima de 6 mil e 500 dólares de vantagem auferida) até o máximo de 10 anos (acima de 400 milhões de dólares de vantagem auferida) de aprisionamento, para o réu primário.

Entrementes, a grande inovação da proposta em comento reside na transferência, para um momento anterior à atividade judicante, do juízo de proporcionalidade na inflição de sanção penal, guiado pelas consequências do crime.

Em outras palavras: está-se a sugerir que o Poder Legislativo assuma o protagonismo na cruzada contra a corrupção, reprimindo de forma mais severa as condutas criminosas que afetam bens jurídicos difusos e coletivos, sem subtrair do Poder Judiciário a discricionariedade de avaliar as particularidades do caso concreto para estabelecer uma pena compatível com a gravidade dos delitos praticados.

É de bom alvitre salientar não ser inédita a importação de um instituto jurídico consagrado no direito norte-americano para o Direito brasileiro. Basta lembrar das chamadas “exclusionary rules”, reiteradamente invocadas quando da abordagem da temática de provas ilícitas tanto pela doutrina como pelos tribunais pátrios.

As exclusionary rules são criações jurisprudenciais baseadas em precedentes que têm por desiderato proteger direitos constitucionais de investigados e réus, a exemplo do direito à não autoincriminação. Cuida-se de regras inspiradas por ideais intrinsecamente democráticos e, por isso, festejadas sobretudo por advogados.

O enxerto do art. 327-A no Código Penal nos moldes ora expostos estaria imbuído do mesmo espírito democrático e guiado pelo mesmo senso de justiça e promoção do bem comum que permeia a Constituição Federal.

Frise-se, ainda, que tramita no Senado Federal o PLS n. 236 de 2012, que pretende incluir a corrupção no rol de crimes hediondos independentemente do montante envolvido na prática ilícita. O PL 5900/2013, pronto para ser submetido ao crivo do plenário da Câmara Federal, possui o mesmo teor.

Percebe-se, pois, que o projeto encabeçado pelo MPF possui contornos mais brandos, já que leva em consideração circunstâncias ínsitas ao caso concreto como fronteiras para o diagnóstico da hediondez da conduta.

2. Consequências práticas de tornar a corrupção um crime hediondo

Qualquer discussão acerca da inclusão de um delito no rol de crimes hediondos suscita acalorados debates. São retumbantes os brados de juristas que, arvorando-se na condição de “garantistas” e críticos do Direito Penal, sustentam a inocuidade da medida, tachando-a de midiática.

Mas afinal, o que significa, na prática, tornar a corrupção um crime hediondo?

Reflexo nas causas extintivas de punibilidade. Segundo o art. 2o, inciso I da Lei n. 8.072/90, os crimes hediondos são insuscetíveis de anistia, graça e indulto. Tal dispositivo reflete comando já inserto no art. 5o, inciso XLIII da Constituição Federal.

A anistia alberga a ideia de perdão geral e, nas palavras de Maximiliano, “é um ato do poder soberano, que cobre com o véu do olvido certas infrações criminais, e, em consequência, impede ou extingue os [simple_tooltip content=’Apud  MONTEIRO, Antônio Lopes. Crimes Hediondos: texto, comentários e aspectos polêmicos. 9a ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 170.’]processos respectivos e torna de nenhum efeito penal as condenações[/simple_tooltip]”. Instituto geralmente voltado para crimes políticos, situa-se na competência legislativa do Congresso Nacional, nos termos do art. 48, inciso VIII da CF.

A anistia visa a fatos e não a pessoas, produz efeitos ex tunc e pode ser geral ou restrita. Seu principal consectário é apagar o crime e extinguir todos os efeitos penais ainda que a condenação já tenha transitado em julgado.

Por seu turno, a graça e o indulto também se incluem entre os atos de indulgência do Estado e constituem uma faculdade do Presidente da República (art. 84, inciso XII da CF). Por meio deles, o Chefe do Poder Executivo – ou as pessoas por ele delegadas na forma do art. 84, parágrafo único da CF – perdoa condenados individual (graça) ou coletivamente (indulto). Ao contrário da anistia, tanto a graça como o indulto produzem reflexos apenas no cumprimento da pena, mantendo hígidos os demais efeitos da sentença condenatória.

Haja vista o teor do texto constitucional, o regramento constante do art. 2o, inciso I da Lei n. 8.072/90 não alberga maiores polêmicas.

Inafiançabilidade. Também cumprindo o mandamento constitucional agasalhado no art. 5o, inciso XLIII da CF, o art. 2o, inciso II da Lei n. 8.072/90 estabelece que os crimes hediondos são insuscetíveis de fiança. Semelhante regramento foi consagrado no art. 323, inciso II do Código de Processo Penal pela Lei n. 12.403/2011.

Tal dispositivo legal, entretanto, traz repercussão diminuta, pois o vulto das penas abstratamente cominadas aos crimes reputados hediondos, por si sós, já são suficientes para alijar a possibilidade de concessão de fiança.

Regime inicial de cumprimento de pena. A Lei n. 11.464/2007 reformulou a redação do §1o do art. 2o da Lei n. 8.072/90 e passou a prever que o cumprimento da pena de um crime hediondo deve se iniciar no regime fechado, sepultando peremptoriamente os debates acerca da constitucionalidade da antiga redação legal que determinava o cumprimento integral da sanção no aludido regime.

Consagrou-se legislativamente, pois, a [simple_tooltip content=’Proferida no julgamento do HC 82959/SP, concluído em 23.02.2006.’]paradigmática decisão do Supremo Tribunal Federal[/simple_tooltip] que declarara a inconstitucionalidade da vedação ao sistema progressivo em relação aos crimes hediondos.

Vale notar que, hoje, a pena mínima cominada aos crimes de peculato, inserção de dados falsos em sistemas de informações, concussão, corrupção ativa e corrupção passiva é de apenas dois anos de reclusão.

Esse patamar diminuto, aliado à forte tendência vigorante no dia-a-dia forense de concretização da dosimetria da pena no mínimo legal ou próximo a isso, faz com que o cumprimento da reprimenda se inicie no regime aberto (art. 33, §2o, alínea “c”do CP), isso quando não são substituídas por penas restritivas de direitos.

Semelhante conjuntura torna a persecução penal dos crimes de corrupção uma anedota sem qualquer contorno de graça ou divertimento.

Regras mais rígidas para a progressão de regime e para o livramento condicional. Cuida-se de disciplina estatuída no art. 2o, §2o e no art. 5o da Lei n. 8.072/90. Normalmente, o apenado faz jus à progressão para um regime menos rigoroso quando tiver cumprido ao menos 1/6 da pena no regime anterior (art. 112 da Lei de Execução Penal). Para os crimes hediondos, essa fração sobe para 2/5 no caso de sentenciados primários e 3/5 do total da pena aplicada no tocante a reincidentes. Já o livramento condicional, que usualmente é concedido após o cumprimento de 1/3 da pena para apenados primários e de 1/2 para reincidentes, na hipótese de crimes hediondos passa a exigir o transcurso de 2/3 da reprimenda infligida.

Impende destacar que, ao permitir a progressão de pena para crimes hediondos, a Lei n. 11.464/2007 estabeleceu patamares diversos para sentenciados primários (2/5) e para os reincidentes (3/5). Ao contrário do regramento vigente em relação ao livramento condicional, o legislador não ressalvou a necessidade de que a reincidência fosse específica. Por conseguinte, um condenado por crime hediondo que possua em sua ficha criminal uma condenação pretérita por qualquer espécie de delito está sujeito à fração mais rigorosa, consoante [simple_tooltip content=’Vide HC 202425/RJ (julgado em 25.08.2015), HC 231856/SP (julgado em 09.06.2015) e HC 301481/SP (julgado em 02.06.2015).’]jurisprudência sedimentada do Superior Tribunal de Justiça[/simple_tooltip].

De outra banda, o livramento condicional, como cediço, consiste na antecipação da liberdade do condenado e está sujeito ao preenchimento de requisitos objetivos e subjetivos. Dessume-se do art. 83 do Código Penal que o primeiro requisito objetivo é que a reprimenda infligida deve ser uma pena privativa de liberdade igual ou superior a dois anos. O segundo requisito objetivo é o efetivo cumprimento de parcela da sanção, cujo quantum varia de acordo com condições pessoais do agente.

No caso de crimes hediondos, a Lei n. 8.072/90 estipula que, para a concessão do livramento condicional, faz-se mister o cumprimento de mais de 2/3 da pena se o condenado não for reincidente específico em infrações penais dessa natureza.

O conceito de reincidência específica suscita debates doutrinários acerca da especificação de seus contornos, como sumariza Antônio Lopes Monteiro:

Alberto Silva Franco discorda de nossa conceituação: “A locução `em crimes dessa natureza, por apresentar um feitio literal, de caráter puramente gramatical, não se acomoda à noção comum, correntia, de reincidência específica”.

Contudo parece voz isolada dentre os que se manifestaram a respeito do assunto. Com efeito, se o legislador da Lei dos Crimes Hediondos quisesse restaurar a reincidência específica tão criticada e a final abolida pela reforma de 1977, teria utilizado a mesma locução “crimes da mesma natureza”. Se a alterou para “dessa natureza”é porque, como bem expôs o Prof. Damásio, “quis dar outro significado a esta reincidência. É preciso que essa circunstância seja interpretada à luz da própria Lei n. 8.072, uma vez que não há como socorrer-se de outra disposição. O texto diz que o condenado não deve ser reincidente específico ’em crimes dessa natureza’, referindo-se aos anteriormente mencionados: ‘crime hediondo, prática da tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e terrorismo’. De modo que reincidente específico, para efeito da lei, é o sujeito que comete crime hediondo, terrorismo, de drogas ou tortura depois de transitar em julgado sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por um desses mesmos crimes. E dentro do elenco pode haver diversificação: [simple_tooltip content=’In: Crimes Hediondos: texto, comentários e aspectos polêmicos. 9a ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 187-188.’]o primeiro delito pode referir-se a drogas; o segundo pode ser hediondo; o anterior pode ser tortura; o segundo, terrorismo[/simple_tooltip].

Em que pese a respeitabilidade das opiniões em contrário, a própria dicção da Lei n. 8.072/90 evidencia que a reincidência específica ora sob comento se configura com a reiteração da prática de delitos hediondos ou equiparados, independentemente do tipo penal a que se amolde a conduta do agente.

O panorama acima engranzado revela que incluir a corrupção no cardápio de crimes hediondos produz efeitos práticos que vão além da mera rotulação, motivo pelo qual a proposta de alteração legislativa em pauta não pode ser menosprezada.

3. O porquê das críticas e os motivos para superação

As principais críticas vertidas ao projeto de integrar ao elenco de crimes hediondos os delitos de corrupção ativa e passiva, concussão, peculato, inserção de dados falsos em sistemas de informações e excesso de exação qualificada pela apropriação podem ser resumidas em três argumentos: (a) desequilíbrio na ordem axiológica dos bens jurídicos a serem tutelados pela Lei n. 8.072/90; (b) ofensa ao princípio da proporcionalidade; e (c) ausência de efetividade de uma medida legislativa desse jaez na cruzada contra a corrupção.

De início, cumpre salientar que o projeto em apreço não é novidadeiro, tampouco “pegou carona” na cobertura midiática dos desdobramentos da Operação Lava Jato. É bem verdade que houve aprimoramento, porém, ainda nos idos de 2011, o então senador Pedro Taques apresentou projeto de lei com o desiderato de [simple_tooltip content=’Trata-se do PLS 204/2011.’]incluir os delitos de concussão, corrupção ativa e passiva no cardápio de crimes hediondos, aumentando-lhes, ainda, as penas mínimas[/simple_tooltip].

Feito o registro, é preciso ter em mente que as críticas acima sumariadas nascem do estabelecimento de premissas equivocadas. Explica-se.

Qualquer iniciativa de elastecimento do rol de crimes hediondos suscita o debate acerca da utilização do Direito Penal como mecanismo de exclusiva proteção de bens jurídicos, geralmente rechaçando a pecha da hediondez a infrações penais que agridam algo diferente da vida ou da integridade física, direitos mais genuínos de um ser humano. Ao refletir sobre o tema, Alberto Silva Franco invoca lições de Antonio García-Pablos de Molina:

A acolhida do princípio da exclusiva proteção de bens jurídicos “significa, desde logo, que as incriminações não podem pretender a proteção de meros valores éticos e morais, nem a sanção de condutas socialmente inócuas. A intervenção punitiva do Estado somente se legitima quando salvaguarda interesses ou condições que reúnam duas características: em primeiro lugar, a da generalidade (deve tratar-se de bens ou condições que interessem à maioria da sociedade e não a uma parte ou setor desta); em segundo lugar, a da transcendência (a intervenção penal somente se justifica para tutelar bens essenciais para o homem e a sociedade, vitais). [simple_tooltip content=’FRANCO, Alberto Silva. Crimes Hediondos. 6a ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 65.’]O contrário é um uso sectário ou frívolo do Direito Penal: sua perversão[/simple_tooltip]”.

Ora, a corrupção – e, doravante, utilizar-se-á o termo corrupção para se referir simultaneamente a todos os delitos cuja inclusão no rol de crimes hediondos se pretende – é uma infração penal que transcende interesses individuais e estatais. É um equívoco classificar a corrupção como um delito patrimonial que atinge exclusivamente as riquezas do Estado e visa tutelar apenas a moralidade administrativa.

Como visto anteriormente, a corrupção é um fenômeno decorrente da promiscuidade entre o público e o privado. A subtração de recursos financeiros estatais com o intuito de abastecer cofres particulares acaba por subtrair da sociedade brasileira o aporte econômico necessário à estruturação de políticas públicas de educação, saúde, saneamento básico, transporte público e alimentação, para nos limitarmos a poucos exemplos.

É dizer: a corrupção atinge não apenas a moralidade administrativa e o erário, mas produz uma vitimização difusa, supraindividual, pois vulnera fatalmente direitos humanos e fundamentais. Por consectário, práticas corruptas acarretam mortes, doenças, desinformação, miséria, caos. Cuida-se de bens jurídicos de densidade constitucional, cuja tutela e promoção foram delegadas ao Estado pelo poder constituinte democrático. O fato de a corrupção possuir vítimas anônimas não torna seus efeitos nefastos menos repulsivos.

Logo, não há qualquer desequilíbrio axiológico na rotulação da corrupção como crime hediondo, posto que toda a principiologia garantista que inspira o Direito Penal resta salvaguardada.

A segunda crítica que se ventila contra a multicitada proposta de alteração legislativa diz respeito a uma suposta afronta ao princípio da proporcionalidade, uma vez que a gravidade do fato (prática de corrupção) não estaria atrelada à gravidade da pena (tratamento mais rigoroso da repercussão penal da conduta do agente corruptor).

Ao refletir sobre o princípio da proporcionalidade na predeterminação legal da pena, Luigi Ferrajoli, arauto do garantismo penal, obtempera:

(…) a vantagem do delito não deve superar a desvantagem da pena: se não fosse assim, efetivamente, a pena seria muito mais um tributo, e não cumpriria nenhuma função dissuasória. Desde este ponto de vista, pode-se dizer que o elemento da medida está compreendido na definição da pena, dado que abaixo de um limite mínimo a [simple_tooltip content=’In: Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. pp. 367-368.’]pena transforma-se em tributo[/simple_tooltip].

Ora, basta uma leitura superficial da proposta legislativa formulada pelo MPF para concluir que não houve qualquer desvio da trilha da proporcionalidade. É que o Parquet Federal propõe que apenas a corrupção que envolva altos valores – gerando vantagem ou prejuízo igual ou superior a cem salários mínimos vigentes à época dos fatos – seja considerada crime hediondo. Em 2016, seria preciso comprovar a malversação de R$ 88.000,00 (oitenta e oito mil reais) de caráter público para ensejar os influxos da Lei n. 8.072/90.

Reitere-se, na linha do que já foi exposto, que quanto maior o valor econômico envolvido, maior o dano social causado. A título ilustrativo, deve-se pensar que cem salários mínimos equivale à quantia que a maior parte dos cidadãos brasileiros dispõe para sobreviver ao longo de 8 anos e 4 meses, atendendo ao longo de todo esse período, de acordo com o art. 7o, inciso IV da Constituição Federal, todas as suas necessidades e de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social.

Com a devida venia das opiniões em contrário, o que se afigura desproporcional é entender que uma conduta com semelhante repercussão social é branda e merecedora de todos os benefícios legais despenalizadores.

Ademais, ao subtrair do Estado os recursos econômicos necessários ao exercício de seu dever constitucional de garantir direitos coletivos e sociais, a corrupção finda por repercutir na delinquência comum, pois a pobreza e a miséria vão levar os cidadãos menos favorecidos a prática de ilícitos com o fito de garantir sua sobrevivência.

Entrementes, não há como negar que as consequências jurídicas advindas da inclusão da corrupção no rol de crimes hediondos apresenta perfeita adequação com a gravidade dos atos capitaneados pelos sujeitos delitivos.

Por fim, a última e reiterada crítica consiste na afirmação de que a medida ora proposta consiste num mero etiquetamento inapto a gerar efeitos práticos e a prevenir a prática de atos corruptos e representa uma mera resposta ao clamor social.

Com efeito, se tomada isoladamente, a providência de transformar a corrupção em crime hediondo não tem o condão, por si só, de revolucionar o cenário político brasileiro. Infelizmente, a corrupção no nosso país é um câncer em estado de metástase e, como tal, não pode ter um tratamento localizado, pontual. A complexidade do problema é bem apreendida por Sérgio Salomão Shecaira:

Não são poucas as dificuldades em se apurar a corrupção. Podem-se citar, ao menos, quatro delas: i) os crimes são cometidos em segredo; ii) não há uma vítima determinada; iii) falta a consciência social do custo social de sua prática; iv) existe uma relação entre corrupção que transcende as fronteiras nacionais. Esse diagnóstico nos obriga, quando pensamos em corrupção, a não pensarmos em saídas exclusivamente penais ou que sejam restritivas a medidas persecutórias no âmbito do [simple_tooltip content=’In: Corrupção: uma análise criminológica. In: GRECO, Luís; MARTINS, Antônio. Direito Penal como crítica da pena: Estudos em homenagem a Juarez Tavares por seu 70o Aniversário em 2 de setembro de 2012. São Paulo: Marcial Pons, 2012. p. 613-614.’]sistema punitivo[/simple_tooltip].

Posteriormente, ao elencar as medidas que, a seu juízo, devem ser adotadas no enfrentamento da corrupção o sobredito penalista menciona, expressamente, a existência de sanções efetivas contra condenados por [simple_tooltip content=’Ibidem, p. 614.’]corrupção e delitos relacionados[/simple_tooltip].

Malgrado o etiquetamento da hediondez não seja panaceia que resolverá todos os problemas da criminalidade, isso não significa que se deva pactuar com o tratamento brando de um delito que possui consequências tão funestas. A proposta legislativa em comento configura uma peça de uma engrenagem maior, que visa remodelar o sistema penal com vistas a garantir a segurança e a convivência pacífica entre os indivíduos, sujeitos de direitos fundamentais assegurados pelo documento normativo de maior dignidade do ordenamento jurídico. Não é à toa, pois, que o MPF propõe um pacote de medidas, e não providências isoladas de caráter meramente simbólico.

Como já abordado, a transmudação de um delito em hediondo traz, sim, consequências práticas de relevo (caso não causasse efeitos, não provocaria tanta censura), tornando mais rígida a etapa de execução da pena imposta na sentença condenatória.

Não é demais lembrar que o perfil dos criminosos que capitaneiam a prática de atos corruptos é de um sujeito mais sofisticado e instruído. Trata-se de um delinquente do colarinho branco, que, antes de levar a cabo uma conduta ilícita, faz uma análise de custo-benefício entre os lucros esperados e as possíveis implicações penais. Essa ponderação tem caráter essencialmente racional, motivo pelo qual se faz mister que o criminoso tenha a certeza de que sofrerá consequências e de que estas serão gravosas.

Em resumo, longe de desempenhar um papel exclusivamente simbólico, a inclusão da corrupção no catálogo de crimes hediondos preencherá uma lacuna de impunidade que torna atrativa a reiteração de atos dessa estirpe.

É essa a realidade que carece urgentemente de mudança.

Capítulo 6

Conclusão

A corrupção é uma doença que adquiriu uma dimensão endêmica. Seus sintomas se fazem sentir não apenas no âmbito da moralidade administrativa, mas se manifestam com muito mais vigor em setores sociais que ficam desguarnecidos sem os recursos financeiros que deveriam ser destinados a seu fomento. Tal moléstia deve ser enfrentada de forma enérgica, criando um exército de anticorpos para evitar novas investidas. Por anticorpos, devem-se entender fatores de desestímulo aos agentes corruptos, a fim de que as consequências de posturas ilícitas desse tipo não compensem os lucros delas advindos.

Esse contexto de enfrentamento demanda a concretização de reformas no sistema penal, de modo a tornar mais eficiente o processo e mais rigorosas as sanções. Logo, é natural associar à corrupção a pecha da hediondez e pensar na sua integração ao elenco de crimes hediondos constante da Lei n. 8.072/90. Cioso do seu papel nessa luta, o Ministério Público Federal sugere um pacote de medidas legislativas com o intuito de tornar a corrupção um crime de alto risco. Um dos anteprojetos de lei propõe a inclusão da corrupção no rol de crimes hediondos, mas apenas quando envolve valores elevados. De inspiração norte-americana, esse temperamento está em completa harmonia com o princípio da proporcionalidade.

Mais do que um simbolismo estéril, essa providência traz consectários práticos, a exemplo da inviabilização de anistia, graça ou indulto; insuscetibilidade de fiança; cumprimento de pena em regime inicial fechado e imposição de regras mais rígidas para progressão de regime e para o livramento condicional.

As investidas para incluir a corrupção no rol de crimes hediondos é antiga, já existindo projetos de lei nesse sentido em trâmite no Congresso Nacional. Considerando que a corrupção produz uma vitimização difusa e supraindividual, por investir contra direitos humanos fundamentais, é inegável que os mencionados projetos não produzem qualquer desequilíbrio axiológico na proteção de bens jurídicos, tampouco infirmam a principiologia que informa o Direito Penal.

Outrossim, o tratamento mais rigoroso do sujeito delitivo decorrente da inserção da corrupção no rol da Lei n. 8.072/90 guarda a proporcionalidade entre o delito e a pena, sobretudo porque a proposta do Ministério Público Federal é carimbar como hediondo apenas as infrações penais que envolverem a malversação de mais de cem salários mínimos vigentes à época dos fatos.

Em suma, o vínculo entre corrupção e hediondez é estreito. Reconhecer esse liame não significa acreditar que a classificação da corrupção como crime hediondo irá, sozinha, resolver todas as mazelas sociais. Tal medida, entretanto, representa um importante ingrediente numa sopa nutritiva que deverá alimentar um Brasil que, doente, está a agonizar.

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