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PL visa ampliar oferta de tratamentos para diabetes tipo 1

Se aprovada, legislação garantirá a incorporação de novas tecnologias no rol da ANS, como as bombas de infusão de insulina

Arte: Gabriella Sales/ JOTA

Um projeto de lei em debate no Congresso pode enfrentar uma das principais reivindicações de pacientes e familiares que convivem com o diabetes tipo 1: a de ampliar o acesso a dispositivos mais modernos para o tratamento da condição, incluindo as bombas de infusão de insulina e o sistema de monitorização contínua de glicose. 

Em tramitação no Senado, o Projeto de Lei (PL) 4.809/2023 estabelece que os planos de saúde devem fornecer insumos e tecnologias já aprovadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para o tratamento de indivíduos com diabetes tipo 1. 

Hoje, as operadoras da saúde suplementar incluem os exames de diagnóstico e de controle dessa doença, mas não têm a cobertura de tratamentos, como as bombas de insulina – esses dispositivos permitem a liberação automática e contínua do hormônio insulina, tornando o controle da enfermidade mais efetivo.

Sem acesso a esse tipo de tecnologia, o paciente com diabetes tipo 1 passa em média 18 dias por ano gerenciando a doença, segundo dados do painel Diabetes Type 1 Index (T1DIndex), estudo internacional feito em parceria com a Sociedade Brasileira de Diabetes

O diabetes tipo 1 no Brasil

O Brasil possui 588 mil pessoas com diabetes tipo 1, ocupando o terceiro lugar no ranking de países com mais casos absolutos da doença – que soma 8,75 milhões de casos globalmente. Esses dados são de um recente relatório da Federação Internacional de Diabetes, que coloca a prevalência no país atrás apenas dos Estados Unidos e da Índia. Até 2040, a estimativa é que cerca de 1,8 milhão de brasileiros tenham esse diagnóstico.

 “O diabetes tipo 1 é uma doença autoimune, na qual o próprio organismo agride as células produtoras de insulina presentes no pâncreas. Dessa forma, o órgão deixa de produzir esse hormônio. Portanto, desde o diagnóstico, a pessoa precisará repor insulina pelo resto da vida”, explica a endocrinologista Monica Gabbay, professora afiliada da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). 

Infografia: Gabriella Sales/ JOTA

A insulina promove a entrada da glicose nas células e auxilia no controle do nível glicêmico no organismo. O tratamento dessa condição se baseia na reposição de insulina: “O grande trunfo é repor essa insulina da maneira mais fisiológica possível, de forma parecida com o indivíduo que não tem a doença”, explica Gabbay.

A terapia de reposição desse hormônio ocorre essencialmente pela administração de múltiplas doses de insulina, feita por meio de canetas aplicadoras ou pelas bombas de infusão, um dispositivo eletrônico conectado ao corpo que libera a insulina de forma contínua.

“As bombas são um sistema que facilita o tratamento do paciente. Elas minimizam muito o risco de hipoglicemia, são uma indicação absoluta para crianças pequenas, pessoas com diabetes com risco aumentado de hipoglicemia e muito úteis para gestantes também”, pontua Gabbay. 

Obstáculos para o tratamento 

No Sistema Único de Saúde (SUS), quase a totalidade dos pacientes tem acesso ao tratamento com múltiplas doses de insulina – normalmente, a forma humana é utilizada e, com menos frequência, os análogos de insulina.

“Esse tratamento precisa de um ajuste muito preciso de dose, porque existe um maior risco de hipoglicemia, que é a queda do açúcar no sangue. Essa diminuição pode causar transtornos agudos para os pacientes, como mal-estar, tremores, desmaios e até convulsões”, explica a endocrinologista.

Já na saúde suplementar, os planos de saúde não oferecem tratamento com a administração de insulina, portanto esses pacientes precisam recorrer ao SUS. Já as bombas de insulina ainda não estão disponíveis no sistema público – geralmente, quando há prescrição médica para essas alternativas, os pacientes procuram a Justiça para obter o custeio. Mas nem todos conseguem o desfecho esperado e o tempo de espera pela decisão pode comprometer a saúde do paciente. 

Infografia: Gabriella Sales/ JOTA

O advogado Candido Rocha teve essa experiência para conseguir o equipamento para tratar a sua filha Melissa, diagnosticada com diabetes tipo 1 logo aos 4 anos. “Ela iniciou com a bomba de insulina, porque não conseguia mais ter um bom controle com o uso da caneta. Ela tinha muita hipoglicemia, mesmo com o uso do sensor de insulina para auxiliar nesse controle”, conta. 

Antes, ela necessitava de sete aplicações ao dia por dia, com a administração de diferentes tipos de insulina, cada uma com um tipo de absorção, para que o tratamento permitisse deixar o nível glicêmico equilibrado. Para uma criança, isso exigia atenção e cuidados constantes. 

Ele observou como principal vantagem da bomba a reposição contínua da insulina, que também possibilita uma melhor qualidade de vida tanto para a filha quanto para a família. “O diabetes tipo 1 é uma doença que não afeta apenas o paciente, como os pais e a família que acompanha e cuida dessa pessoa”, diz Rocha. 

Quando o equipamento foi prescrito para sua filha, ele entrou em contato com o plano de saúde que atende a família, mas enfrentou dificuldades para conseguir o tratamento recomendado: “Ninguém entra no plano de saúde pensando em adoecer, mas precisamos dele quando a doença chega. E, quando ela chegou, o plano negou a bomba de insulina para Melissa”.

“Quem tem condições de manter seu tratamento fazendo uso das tecnologias, como sensores e bombas de insulina, consegue ter uma qualidade de vida melhor. Agora, quem não tem e recebe só o básico pelo governo, não consegue esse bom controle glicêmico, enfrentando mais risco de complicações e internações”

Jaqueline Correia, presidente do Instituto Diabetes Brasil

Esse acontecimento fez com que o advogado não só reivindicasse judicialmente o dispositivo para o tratamento da filha, mas também levasse a pauta adiante. Junto com o Instituto Diabetes Brasil, Rocha endossou outros familiares que também pleiteiam a inclusão de novas tecnologias, como a da bomba de insulina, no rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde (ANS). 

“Quem tem condições de manter seu tratamento fazendo uso das tecnologias, como sensores e bombas de insulina, consegue ter uma qualidade de vida melhor. Agora, quem não tem e recebe só o básico pelo governo, não consegue esse bom controle glicêmico, enfrentando mais risco de complicações e internações. A nossa legislação hoje promove o mínimo do básico”, avalia Jaqueline Correia, presidente do Instituto Diabetes Brasil. 

Infografia: Gabriella Sales/ JOTA

Alterações propostas no Congresso

O PL 4.809/2023 é um dos diversos projetos que buscam como melhorar o cenário do tratamento para os portadores de diabetes tipo 1. O objetivo é modificar a Lei 9.656/ 1998, que regulamenta norma sobre planos de saúde privados. 

A proposta visa incluir no rol de coberturas obrigatórias dos planos de saúde os medicamentos e as tecnologias já aprovados pela Anvisa para tratamento ambulatorial e no ambiente domiciliar, como o sistema de monitorização contínua de glicose e a bomba de insulina. Já a insulina continuaria acessível no SUS. 

O texto inicial foi apresentado pelo senador Alessandro Vieira (MDB-SE), em outubro do ano passado. No momento, o projeto tramita na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado e passará à Comissão de Assuntos Sociais (CAS) para ser apreciada. O senador Otto Alencar (PSD-BA), relator do PL, já apresentou um parecer favorável.

Caso o texto seja aprovado tanto no Senado quanto pela Câmara dos Deputados, a legislação entraria em vigor 180 dias após ser publicada. Assim, o fornecimento dos dispositivos pelos planos de saúde deve ser efetuado até 20 dias depois do pedido administrativo acompanhado da prescrição médica.

Outro projeto de lei em discussão no Congresso propõe a classificação do diabetes tipo 1 como deficiência para os efeitos legais – com isso, elas passariam a ter proteção do Estatuto da Pessoa com Deficiência, além de serem cobertas por políticas públicas específicas para essa população. O PL 2.687/2022 já foi aprovado na Câmara dos Deputados e aguarda apreciação pelo Senado.

Sustentabilidade do sistema de saúde 

A perspectiva é de melhoria de assistência aos pacientes portadores da doença, mas também tem potencial de gerar repercussões aos gastos no SUS, como analisa a endocrinologista Monica Gabbay: “Sabemos que o tratamento intensivo do diabetes tipo 1 é um objetivo que, com certeza, diminui as complicações, que são muito caras para o SUS”.

De acordo com o T1DIndex, há uma perda por redução na expectativa de cerca de 25 anos para o indivíduo com diabetes tipo 1. O acesso a tecnologias e dispositivos médicos poderiam aumentar a expectativa de pessoas com diabetes tipo 1 em até sete anos.

O relatório ainda aponta que, em 2040, um adicional de 55 mil pessoas poderia deixar de morrer no Brasil se todos os pacientes tivessem hoje acesso a bombas de insulina e monitorização contínua de glicose.

“É muito caro internar um paciente para fazer uma amputação ou fazer diálise, por exemplo, consequências causadas pelo controle glicêmico inadequado a longo prazo. Quando pensamos em prevenção dessas consequências, a tecnologia por meio de sensores e bomba de infusão de insulina vem cada vez mais possibilitar a redução destes riscos”, complementa a endocrinologista.  

Infografia: Gabriella Sales/ JOTA