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A Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) declarou o Estado de El Salvador responsável pelos desaparecimentos forçados de uma ativista, do pai dela e de uma funcionária da família. Em sentença divulgada recentemente, o Tribunal considerou que os fatos, ocorridos há 42 anos, atendiam ao padrão de desaparecimentos forçados perpetrado durante o conflito armado interno salvadorenho.
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Patricia Emilie Cuéllar Sandoval, seu pai, Mauricio Cuéllar Cuéllar, e Julia Orbelina Pérez, funcionária da família, têm paradeiro desconhecido desde 1982. Tampouco há informações sobre as identidades dos autores do crime. Na época, El Salvador vivia uma guerra civil que tirou a vida de 75 mil pessoas e levou mais de um milhão ao exílio. Estima-se que ao menos dez mil salvadorenhos tenham sofrido desaparecimentos forçados nas décadas de 1980 e 1990.
Na sentença divulgada pela Corte no chamado caso Cuéllar Sandoval e Outros Vs. El Salvador, o Tribunal concluiu ainda que o desaparecimento de Patricia Emilie Cuéllar Sandoval constituiu uma violação do direito a defender os direitos humanos, tema que vem ganhando mais relevância nas recentes sentenças da Corte.
Patricia era colaboradora atuante em movimentos cristãos desde 1975 e trabalhava no escritório da associação Socorro Jurídico Cristão, fundado por padres jesuítas do Arcebispado de El Salvador. Como secretária, era encarregada de receber denúncias de violações de direitos humanos em meio ao conflito armado no país. Entidades de direitos humanos como estas, organizações políticas, sindicatos e setores organizados da sociedade salvadorenha estavam entre os principais alvos da repressão durante o conflito no Estado salvadorenho.
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No caso de Patricia, entre agosto e setembro de 1978, aproximadamente 50 agentes da Polícia Nacional vestidos à paisana e fortemente armados teriam invadido sua casa e fotografado a ativista.
Em julho de 1980, agentes de segurança e das Forças Armadas também teriam invadido seu local de trabalho. Em um relatório sobre a operação, a Polícia Nacional descreveu os membros da organização cristã como “subversivos”. Na ocasião, Patricia decidiu deixar o cargo.
Em 27 de julho de 1982, ela denunciou ao escritório do Socorro Jurídico Cristão que tinha sido perseguida por agentes de segurança à paisana enquanto dirigia seu veículo. No dia seguinte, saiu para levar os filhos à creche e não apareceu mais para buscá-los. Seu paradeiro segue desconhecido até hoje.
Na sentença notificada agora, a Corte IDH declarou ainda a responsabilidade de El Salvador por violações causadas aos familiares das vítimas. E afirmou que os parentes de Patricia Emilie Cuéllar Sandoval, Mauricio Cuéllar Cuéllar e Julia Orbelina Pérez poderiam ser reconhecidos como “vítimas indiretas”.
No dia do desaparecimento de Patricia, um dia depois da denúncia feita junto ao Socorro Jurídico Cristão, homens armados e em uniformes militares teriam entrado em seu apartamento e levado eletrodomésticos, documentos pessoais e um veículo.
Na mesma noite, o pai dela, Mauricio Cuéllar Cuéllar, e Julia Orbelina Pérez, que trabalhava como funcionária doméstica, teriam sido retirados violentamente da residência dele. Tampouco há notícias sobre o paradeiro de ambos.
Reconhecimento parcial
O Estado salvadorenho realizou um reconhecimento parcial de responsabilidade internacional pelos desaparecimentos forçados. Reconheceu, também, que houve uma “inatividade” nos processos de investigação sobre os fatos do caso “durante anos”.
“As autoridades não efetuaram a busca exaustiva e imediata das vítimas, nem esgotaram todas as linhas de investigação. A isso se soma o fato de que não cumpriram seu dever de cuidado, reforçado pela falta de um enfoque de gênero e análise do impacto diferenciado nas vítimas mulheres desaparecidas em um contexto de conflito armado”, afirmou a comissária Julissa Mantilla Falcón, relatora para El Salvador da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, na audiência pública realizada sobre o caso em novembro do ano passado.
“Patricia estava muito comprometida com a comunidade cristã, que foi um objetivo fundamental do Exército, das forças de segurança e dos esquadrões da morte de extrema-direita que atuaram juntos entre 1980 e 1982. O desaparecimento de Patricia foi planejado, organizado e resultado de um trabalho de inteligência. Afirmo isso porque houve vários acontecimentos antes de sua fatal e desastrosa captura”, afirmou na mesma audiência à Corte o ex-marido de Patricia, Francisco Alfredo Álvarez Solís.
Familiares chegaram a apresentar pedidos de habeas corpus em favor das vítimas, que acabaram arquivados na ocasião dos desaparecimentos, com resultado negativo. Também foram iniciadas investigações criminais por sequestro e desaparecimento que até hoje estão em fase inicial de investigação.
Na sentença, a Corte ressaltou a importância do trabalho dos defensores de direitos humanos como elemento fundamental para o fortalecimento da democracia e do Estado de Direito. No caso de Patricia Cuéllar Sandoval, considerou que ela sofreu ameaças devido às suas atividades no escritório de Socorro Jurídico Cristão, identificando fortes evidências de que seu desaparecimento estava relacionado com sua atuação como defensora de direitos humanos.
Por isso, concluiu que o Estado salvadorenho é responsável pela violação do direito a defender direitos humanos de Patricia Emilie Cuéllar Sandoval. Além disso, a Corte considerou que, passados mais de 41 anos desde o desaparecimento das vítimas, o caso permanece impune, sem conhecimento do paradeiro das vítimas ou dos prováveis autores dos crimes. Isso constituiu, na visão do Tribunal, uma violação dos direitos às garantias judiciais e à proteção judicial.
Também foi declarada a violação do direito a conhecer a verdade, em detrimento dos familiares das vítimas. Para o Tribunal, os fatos do caso também provocaram graves violações à integridade pessoal dos familiares das vítimas.
A Corte constatou que os filhos de Patricia eram menores de idade na ocasião do desaparecimento de sua mãe, o que teve um impacto diferenciado em suas vidas.
“Nossa filha caçula tinha apenas oito meses. O do meio tinha um ano e oito meses e, a mais velha, três anos. Eles só entenderam o que aconteceu muito tempo depois. Mas o efeito em seu desenvolvimento foi terrível. Sofreram o vazio de uma mãe que não existiu fisicamente. Sua felicidade foi destruída, como é o caso de milhares de famílias [no país]. Por isso a verdade e a justiça são tão importantes”, afirmou Francisco Alfredo Álvarez Solís, em audiência na Corte em novembro do ano passado.
O Tribunal concluiu que o Estado salvadorenho violou o direito à integridade pessoal, em prejuízo dos familiares das vítimas, bem como os direitos à proteção da família e da infância.
Fortalecimento na busca por vítimas
A Corte ordenou diversas medidas de reparação, entre elas a obrigação de o Estado salvadorenho investigar o ocorrido, identificar os possíveis responsáveis pelos desaparecimentos e impor as punições correspondentes. Determinou, ainda, que a investigação inclua a linha de investigação relacionada à participação de agentes estatais nos desaparecimentos e perseguição ao escritório do Socorro Jurídico Cristão durante o conflito armado salvadorenho. E que o Estado adote uma perspectiva de gênero na investigação dos desaparecimentos forçados de Patricia Emilie Cuéllar Sandoval e Julia Orbelina Pérez.
A Corte determinou ainda que o Estado salvadorenho ofereça de maneira gratuita, e pelo tempo que for necessário, tratamento psicológico e/ou psiquiátrico aos familiares das vítimas, além de uma reparação financeira. Como medidas de não repetição, El Salvador deve estabelecer uma medida de reparação integral das vítimas do conflito armado, fortalecer o sistema de busca de vítimas, criar programas de capacitação e sensibilização das forças de segurança e incorporar ao sistema de ensino um programa de educação permanente sobre as graves violações de direitos humanos ocorridos durante o conflito salvadorenho, entre outras medidas.
Votaram no caso os juízes Nancy Hernández López, presidente (Costa Rica); Rodrigo Mudrovitsch, vice-presidente (Brasil); Humberto A. Sierra Porto (Colômbia); Eduardo Ferrer Mac-Gregor Poisot (México); Ricardo C. Pérez Manrique (Uruguai); Verónica Gómez (Argentina) e Patricia Pérez Goldberg (Chile).