Uma divergência de votos em um pedido de curatela a um adolescente de 18 anos com autismo terminou com bate-boca e pedido de desculpa em sessão da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), na terça-feira (25/10). Ao devolver a vista, o ministro Villas Bôas Cueva abriu a divergência e votou para conceder a curatela total do garoto. Logo depois, a ministra Nancy Andrighi reafirmou o seu voto contrário — para que a curatela seja limitada a atos de natureza patrimonial — e Villas Bôas Cueva voltou a argumentar em prol da curatela total, ao que foi questionado pela colega: “Vossa Excelência não acredita em milagres?”.
O bate-boca, então, prosseguiu. “Não acredito em milagres, mas nós não estamos aqui para considerar milagres, ministra. Nós estamos para aplicar adequadamente a lei e garantir a proteção jurídica e a dignidade desse indivíduo”, respondeu o ministro. “A dignidade dele vai ser violentada, do meu modo de ver”, emendou a ministra.
Os dois ministros discutiam um pedido de curatela feito pelos pais com base no laudo pericial, que considerou baixas as capacidades cognitivas do filho. A curatela visa proteger os direitos e interesses de uma pessoa que já atingiu a maioridade, mas que não tem capacidade jurídica para manifestar sua vontade. Neste caso, os pais seriam os responsáveis por cuidar dos interesses do rapaz e administrar seus bens.
Ainda na discussão com a ministra-relatora, o ministro Villas Boas Cueva destacou que os próprios genitores estão preocupados com o adolescente autista “que não sabe ler e escrever, que tem capacidades cognitivas seriamente reduzidas, muito pequenas, que requerem vigilância”.
“Por que agora eu, aqui no Tribunal Superior, distante dos fatos, contrariando a prova materializada nos autos, vou inverter a conclusão”, disse o ministro. “Em nome de uma bandeira ideológica”, seguiu.
A ministra-relatora, então, retrucou: “Não é inverter, data máxima vênia, não é inverter. Não, presidente, data máxima vênia, não tem nenhuma ideologia aqui. Vossa Excelência sabe que eu trabalho há mais de 15 anos nesse tribunal. Vossa Excelência sabe que eu não tenho ideologia, eu tenho amor ao próximo, é só isso. (…) Procuro não retirar totalmente o direito de uma pessoa que tem condições. Vossa Excelência já imaginou se esse menino começa a progredir. Declarar curatela integral será alijá-lo da vida”
Nesse momento, o ministro Moura Ribeiro interrompeu a ministra dizendo que iria pedir vista. “Ministro Moura, eu posso terminar minha frase? Vossa Excelência está cortando. Me calei, me calei. Mais lamento”, finalizou a ministra. Em seguida, Moura Ribeiro pediu desculpa.
Entenda a divergência entre os votos dos ministros
Antes da discussão, ao ler seu voto, o ministro Villas Boas Cueva ressaltou que o caso era difícil, mas afirmou ser favorável a curatela devido às condições do jovem. “A corte local, ao examinar os fatos e provas dos autos, sobre as condições do curatelado para o exercício de vida civil, destacou que ele tem 18 anos de idade, mas que dá respostas bem elementares para algumas questões que são postas.”
O ministro também citou um parecer da Procuradoria Geral de Justiça em que a perícia conclui que o rapaz não possui o adequado discernimento para a prática de atos da vida civil. “E a perícia recomenda a representação em todos os atos da vida civil”, concluiu.
A ministra Nancy Andrighi, com base nos mesmos documentos, no entanto, afirma que a deficiência do adolescente é considerada moderada e que ele é capaz de manifestar suas vontades, “ainda que com determinadas limitações ou restrições”. “O recorrente, por exemplo, foi capaz de responder em entrevista realizada pelo juiz de primeiro grau sobre o seu endereço, sua percepção a respeito da personalidade dos pais e do fórum em que estava e de suas preferências alimentares e televisivas”, exemplificou.
“Percebe-se, de outro lado, que a fundamentação expendida nos votos vencedores está principalmente preocupada com a prática de atos que possam prejudicar o recorrente ou terceiros em aspectos patrimoniais, ou negociais, mas que evidentemente poderão ser salvaguardadas de modo adequado com uma curatela limitada a esses aspectos, a fim de que não se invalide por completo a possibilidade de prática de atos da vida civil pelo recorrente”, completou a ministra.
O julgamento da REsp 2.013.021/MG foi suspenso após o pedido de vista do ministro Moura Ribeiro.