Coluna da ABDE

Os 480 anos de Copérnico, astrônomo e pai da teoria quantitativa da moeda

Lição é que emissão de moeda sem lastro na economia real não torna as pessoas mais ricas

teoria quantitativa da moeda, mercado financeiro
Crédito: Unsplash

Dia 24 de maio foi aniversário de morte de Nicolau Copérnico. Mais conhecido por sua revolução na astronomia, o clérigo não ficou muito atrás em suas contribuições para a economia, onde é reconhecido como o pai da teoria quantitativa da moeda[1]

Havia, na segunda metade do século 15, quatro casas da moeda em operação na Prússia, sendo que aquela pertencente à Ordem Teutônica frequentemente era usada para questões fiscais, tendo inclusive financiado os meios para a guerra que a Ordem declarou contra o rei Sigismundo I da Polônia. Como naquela época as moedas eram produzidas com metais preciosos, especificamente a prata, o procedimento inflacionário consistia em cunhar moedas com quantidades inferiores de prata e colocá-las em circulação. 

Convidado pelo rei Sigismundo I da Polônia para ajudar em uma reforma monetária, Copérnico antecipou, em seu memorando, o que depois viria a ser conhecido como Lei de Gresham, que expressa a capacidade de uma "má moeda" substituir uma "boa moeda". Os comerciantes, se defrontando com moedas cujo valor de face não comprava a mesma quantidade de prata que haveria em sua composição, derretiam a moeda e vendiam a sua prata, usualmente para poderem importar novos produtos[2]. Copérnico argumentou que: 

“O dinheiro pode perder seu valor também por abundância excessiva, se tanta prata é cunhada a ponto de aumentar o desejo das pessoas por barras de prata. Pois desta forma a estimativa da cunhagem desaparece quando ela já não pode comprar tanta prata quanto o dinheiro contém em si, e então encontro maior vantagem em destruir a moeda, derretendo a prata. A solução é não cunhar mais moedas até que se recupere seu valor nominal”.[3]

Percebendo os injustos efeitos distributivos da inflação, Copérnico passou a se colocar fortemente contra a depreciação monetária de sua época, tendo influenciado o rei a adotar políticas no sentido de tornar mais sólida a moeda[4]. A desvalorização monetária, dizia o astrônomo e economista, consistia em uma das causas mais perigosas para a decadência dos Estados, especialmente por levarem à ruína de forma lenta e invisível.

Hoje não há mais um lastro físico para as moedas nacionais, mas permanece presente a distinção necessária entre a “economia real”, baseada na produtividade real dos fatores de produção, e a “economia nominal”, ou seja, a soma do “valor de face” de todo dinheiro emitido, seja em sua forma eletrônica, seja em sua forma física.

A taxa de juro elevada que enfrentamos parte de lógica semelhante à apontada por Copérnico quando o nosso país era ainda neonato. Mediante modernas operações de mercado aberto, da elevação da taxa de redesconto ou mesmo da elevação da reserva obrigatória dos bancos, o que se faz é efetivamente “retirar” da economia um dinheiro que não reflete, em poder de compra, o seu valor nominal.

Como moedas emitidas sem seu lastro em prata, o juro básico foi reduzido pelas economias mundiais durante a pandemia de Covid-19, neste caso respondendo ao aumento do risco e a demanda dos agentes por liquidez. Conforme a pandemia perdeu força e as economias começaram a se recuperar, a inflação acelerou e se fez necessária a subida dos juros, em linha com as capacidades reais da economia. Nesse movimento, inclusive, o Banco Central do Brasil mostra altivez, posto que iniciou (e terminou) seu ciclo de alta antes de outros países, como podemos ver abaixo:

Para manter a inflação sob controle, porém, é necessário não apenas “enxugar liquidez” da economia, mas também aquietar as expectativas dos agentes econômicos, tanto quanto a capacidade do Estado de solver suas dívidas, a estabilidade da política monetária ou a sua blindagem de interferências políticas. 

A garantia de solvência é de ordem fiscal, e compete ao Congresso Nacional deliberar através das esperadas reformas fiscais e administrativas. A garantia de tecnicidade na operação da política monetária, por sua vez, embora não esteja completa, está melhor do que antes, desde que foi dada autonomia operacional ao BC brasileiro.

Nunca é demais lembrar que a inflação corrói a renda da população, os benefícios da previdência, as receitas dos entes federados e o pagamento da dívida pública. Para o saudoso economista brasileiro Roberto Campos (o avô do atual presidente do BC), mais do que uma doença econômica, a inflação merece inclusive a alcunha de “inconstitucional”, já que a Carta de 1988 põe a salvo o poder aquisitivo da moeda[5]

A lição de Copérnico e dos monetaristas é que a emissão de moeda sem lastro na economia real não torna as pessoas mais ricas e que o remédio amargo, porém necessário, para o aumento dos preços passa por uma política monetária contracionista. Esse insight, reservadas as diferenças de época, foi um dos pilares da teoria quantitativa da moeda e uma influência teórica importante para o desenvolvimento da economia monetária, auxiliando a entender a natureza da inflação e como combatê-la.


[1] Para uma revisão crítica, ver VOLCKART, Oliver. Early beginnings of the quantity theory of money and their context in Polish and Prussian monetary policies, c. 1520–1550. The Economic History Review, v. 50, n. 3, p. 430-449, 1997.

[2] https://mises.org/library/copernicus-and-quantity-theory-money

[3] https://www.tribunapr.com.br/arquivo/tecnologia/copernico-o-economista/

[4] A History of Economic Thought: The LSE Lectures on JSTOR. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/j.ctt7rm04; Acesso em: 23 fev. 2023.

[5] DE OLIVEIRA CAMPOS, Roberto. Guia para os perplexos. Nórdica, 1988.logo-jota