Cristiane I. Matsumoto
Sócia do Pinheiro Neto Advogados
Por meio da Solução de Consulta (SC) Cosit nº 15/2021, a Receita Federal do Brasil (RFB) autorizou a compensação entre créditos de saldo negativo de IRPJ e CSLL apurados anteriormente à entrada da empresa no e-Social, com débitos de Contribuições Previdenciárias e destinadas as Terceiras Entidades ou Fundos (Sistema S), previstos nos artigos 2º e 3º da Lei nº 11.457/2007, apurados posteriormente a vigência do e-Social.
No caso analisado, a RFB entendeu que embora o contribuinte tenha ingressado no e-Social apenas em julho de 2018, o fato gerador do IRPJ e CSLL do ano-calendário de 2018 se concretizaria apenas em dezembro de 2018, nos termos do Parecer Normativo Cosit/RFB nº 2/2018. Assim, como as apurações das estimativas das competências de janeiro a junho daquele ano (período anterior ao e-Social) se tornaram efetivas apenas em dezembro de 2018 (período posterior ao e-Social), deveria ser autorizada a compensação cruzada prevista no artigo 26-A da Lei nº 11.457/2007, incluído pela Lei nº 13.670/2018.
O entendimento proferido no âmbito da SC Cosit nº 15/2021 lastreia-se no mencionado Parecer Normativo Cosit/RFB nº 2/2018, que dispõe que a estimativa configura mera antecipação do tributo, inexistindo liquidez e certeza do crédito até a apuração do saldo do tributo ao final do ano, momento da sua confissão em Declaração de Compensação (Dcomp) para fins da compensação prevista no artigo 170 do Código Tributário Nacional (CTN).
Em síntese, a RFB sacramenta o entendimento de que para a compensação tributária é imprescindível a presença de liquidez e certeza do crédito tributário. Situação essa equivalente, portanto, aos casos de discussão judicial envolvendo créditos tributários.
Isso porque, nas situações onde o crédito tributário permanece sub judice, durante todo o curso do processo há mera expectativa de direito pelo contribuinte. Somente após decisão final transitada em julgado é que referido crédito se concretiza, configurando-se, assim, sua liquidez e certeza para a posterior compensação.
Justamente por essa razão é que a regra prevista no artigo 170-A do CTN dispõe que é vedada a compensação de tributo objeto de medida judicial antes do trânsito em julgado da respectiva decisão judicial.
A esse respeito, não é demais lembrar que a justificativa apresentada no âmbito do PLP nº 77/1999, convertido na Lei Complementar nº 104/2001, para incluir o artigo 170-A no CTN, foi no sentido de se vetar a compensação de tributo objeto de medida judicial, de sorte que tal procedimento somente deve ser admitido quando o direito se tornar líquido e certo.
Nesse sentido, a legislação define que somente após transitada em julgada a decisão que reconhece o crédito tributário é que exsurge o direito de o contribuinte habilitá-lo perante à RFB nos termos do artigo 100 da Instrução Normativa RFB nº 1.717/2017. Ato contínuo, fica autorizado o contribuinte a apresentar a declaração de compensação observando-se a legislação vigente na data do encontro de contas entre débitos e créditos, como já definido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em sede de recurso repetitivo nos autos do Recurso Especial nº 1.164.452/MG.
Dessa forma, no mesmo sentido do raciocínio da RFB na SC Cosit nº 15/2021 e do STJ, se a decisão judicial que versa sobre crédito tributário transitar em julgado após o contribuinte ter ingressado no e-Social, ou seja, já na vigência da Lei nº 13.670/2018, é evidente que deve ser autorizada a compensação cruzada, pois em ambos os casos a mera expectativa não gera efeitos jurídicos tributários.
Por outro lado, embora a RFB entenda que a compensação deva preceder de certeza e liquidez do crédito tributário, convém destacar a recente publicada SC Cosit RFB nº 50/2021, a qual dispõe que seriam irrelevantes a data do trânsito em julgado da ação judicial e a data da habilitação do crédito para fins de compensação cruzada, devendo o contribuinte observar somente a data da apuração do crédito.
Em que pese essa tenha sido a conclusão da RFB na SC Cosit nº 50/2021, não se pode ignorar o fato de que nas discussões judiciais o objeto da demanda é justamente questionar em juízo a validade, a certeza e a liquidez dos créditos tributários decorrentes daquelas apurações que, para se concretizarem, dependem de um provimento jurisdicional transitado em julgado - ainda que tais apurações tenham ocorrido antes da entrada no e-Social.
Nesse contexto, não merece prosperar o argumento da RFB de que a apuração da obrigação tributária não se confundiria com a restrição do artigo 170-A do CTN, pois ambas estão visceralmente ligadas no contexto de uma discussão judicial. De fato, esses conceitos não se confundiriam somente nos casos onde a lide não foi judicializada.
Assim, se de um lado a RFB entende que a compensação tributária depende do momento da confirmação da certeza e liquidez do crédito tributário, como previsto na SC Cosit nº 15/2021, de outro, o mesmo órgão julga ser irrelevante o momento dessa confirmação, que se dá com o trânsito em julgado da decisão judicial, como visto na SC Cosit nº 50/2021.
Portanto, ainda que existam contradições pontuais entre as normas proferidas pela RFB, não há dúvidas de que deve prevalecer o entendimento de que nos casos onde há discussão judicial, o direito à compensação tributária nasce após o trânsito em julgado da decisão que dá certeza e liquidez ao crédito tributário, devendo lhe ser aplicada a legislação vigente na data do encontro de contas.