A Justiça brasileira ainda tarda a refletir a diversidade da população, mas alguns avanços são celebrados como demonstrações de que mudanças são possíveis – ainda que elas precisem ser mais rápidas. Na semana passada, tivemos um desses progressos: o Tribunal do Rio Grande do Sul (TJRS) nomeou sua primeira presidente negra, a desembargadora Iris Helena Medeiros Nogueira. O tribunal tem apenas 1,9% de magistrados negros, o que o coloca na penúltima posição em pior representatividade racial.
Assim, além da liderança do tribunal, reconhecimento de uma eleição entre magistrados, ela soma outros títulos: o de primeira mulher e também o de primeira pessoa negra na posição. “Fui a primeira muitas vezes, então sei que teremos várias outras. Não sinto nenhum peso por isso, mas aumenta a responsabilidade. No final, eu preciso dar certo para que outras cheguem”, diz a desembargadora, que iniciou na magistratura em 1985.
A primeira juíza na Justiça gaúcha, Maria Berenice Dias, havia chegado menos de dez anos antes. Naquele momento também não havia nenhuma desembargadora no TJRS – Dias ocuparia a posição a partir de 1996. “Quando comecei, não pensava em chegar tão longe, apesar de não sentir uma limitação externa. Naquele momento, mulheres da minha geração começavam a chegar aos tribunais, e isso só cresceu”, contou a nova presidente do TJRS.
Além de Nogueira, nenhum outro tribunal estadual é liderado por uma mulher negra. Segundo a presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, Renata Gil, não há registro de qualquer outra tenha ocupado a presidência da Justiça em outro estado.
Tanto as mulheres quanto as pessoas negras são sub representadas no Judiciário, e a disparidade aumenta nas posições mais elevadas. Porém, as mulheres obtiveram mais espaço, ocupando cerca de 40% da magistratura nos tribunais estaduais em 2018, quando foi feito um diagnóstico da participação feminina pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Já uma pesquisa mais recente do CNJ, publicada em 2021, mostrou que negras e negros são 12% do total na Justiça estadual – a média é semelhante à observada no Judiciário como um todo, em que há inexpressivo número de 7 magistrados indígenas no país.
“A reação positiva com a minha nomeação me surpreendeu, em que eu recebi inúmeros contatos aplaudindo minha eleição”, disse a presidente. “Meu apoio aos movimentos de mulheres e negros é incondicional, porque sei que o Brasil é um país discriminatório e racista”, completa.
A prioridade do mandato dela será a valorização dos profissionais do Judiciário após os abalos sofridos pela pandemia, além da transição para tornar a atuação mais digitalizada – com a totalidade dos processos disponíveis online e a consolidação da possibilidade de home office, por exemplo.