Desde maio, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec) analisa a possibilidade de incorporação na rede pública de saúde de um novo tratamento para a fibrose cística, uma doença genética grave que ataca principalmente os sistemas respiratório e digestivo.
Atualmente o SUS dispõe de centros de referência para o tratamento da fibrose cística, exames diagnósticos e protocolos de cuidados e atenção, mas foi somente no ano passado que passou a disponibilizar o primeiro medicamento para atuar no gene CFTR. Mutações neste gene causam o principal sintoma da doença: o acúmulo de muco muito denso nas vias aéreas e no trato digestivo.
Em março deste ano a Conitec reconheceu as evidências científicas da nova terapia tripla para a doença, porém, em recomendação preliminar, a comissão foi desfavorável para a incorporação no SUS.
Após o período de contribuições em consulta pública, encerrado nesta terça-feira (13/6), a Conitec tomará a decisão final sobre a recomendação que deve encaminhar ao Ministério da Saúde.
Para discutir o que esperar desse processo, a situação das políticas públicas de tratamento contra a fibrose cística e o impacto social causado pela doença em pacientes do SUS, Casa JOTA realizou, nesta quarta-feira (14/6), um painel com patrocínio da Vertex.
Luciana Monte, coordenadora do Centro de Referência de Fibrose Cística do Hospital da Criança de Brasília José Alencar, explica que existem diferentes graus da manifestação da doença, por conta de seu caráter sistêmico.
Na maioria dos casos, ela se desenvolve logo nos primeiros meses de vida, mas pode também apresentar sintomas leves que ocasionam um diagnóstico tardio.
“Com o teste do pezinho é possível detectar cada vez mais precocemente doenças crônicas graves, como nesse caso. Isso é crucial para que a pessoa, uma vez com o diagnóstico, consiga rapidamente acessar um centro de referência e ter acesso a um tratamento, de forma a ter maior impacto na melhoria da sua qualidade de vida”, afirmou Monte.
O diagnóstico, porém, é só a primeira fase de um longo processo. Leonardo Napeloso, paciente de fibrose cística, falou sobre a relação com a enfermidade desde os primeiros meses de vida, com idas frequentes ao hospital e diversas internações, até a chegada do diagnóstico.
“Na época, o teste do pezinho não era obrigatório e meu diagnóstico veio a partir do teste do suor, já com um ano de idade”, comentou ele, que hoje tem 36 anos e tem acesso à terapia tripla.
Na visão dele, o maior desafio ao conviver com a doença é a incerteza sobre a expectativa de vida. “Quando eu tinha 9 anos, lembro de ler em um mural de um hospital que pacientes com fibrose cística podiam viver até os 30 anos de idade. Isso foi um choque pra mim, mas foi uma sementinha que despertou essa vontade de ter o controle do meu tratamento”, disse.
O consultor técnico do Departamento de Atenção Especializada e Temática (DAET) da Secretaria de Atenção Especializada em Saúde (SAES), do Ministério da Saúde, Natan Monsores, comenta sobre como o medicamento é apenas uma parte do tratamento.
Por ser a fibrose cística uma doença que afeta diversos órgãos, seus pacientes precisam de apoio multiprofissional para garantir alguma qualidade de vida. Monsores defendeu ainda a necessidade de diálogo entre as indústria farmacêutica e o setor público, de modo que o orçamentário seja capaz de comportar os tratamentos.
“O Ministério da Saúde tem o papel de ser um indutor da organização das formas de cuidado das pessoas com doença rara. No seu planejamento de orçamento, a pasta vai compor um grande cálculo para formar um ‘teto’ de gastos. Por vezes vemos um tratamento que funciona, mas a precificação, principalmente em medicamentos raros, é inalcançável, então precisamos de um equilíbrio para negociar esses preços”, defendeu.
O deputado federal Diego Garcia (Republicanos-PR) pontuou que é preciso atuar na previsão, no diagnóstico, no apoio de centros de referência e, finalmente, no acesso a medicamentos para pacientes com doenças raras. Isso só seria possível ao discutir os desafios e as soluções orçamentárias.
“Quando eu cheguei ao Congresso, em 2015, eram raros os parlamentares que falavam de doenças raras. Hoje, nesta tarde, acabou de ser instaurada a subcomissão de doenças raras na Câmara. Essa é a terceira vez nas duas últimas legislaturas que isso vai acontecer. Então esperamos poder dar continuidade a esse debate”, disse ele.
Para a médica e pesquisadora Luciana Monte, um dos principais desafios do combate a doenças raras é a heterogeneidade do acesso à saúde. Por mais que existam diagnósticos e tratamentos, eles não chegam a todas as regiões do país nem a todo o sistema de saúde.
“A jornada do paciente brasileiro com fibrose cística é muito difícil. Eles levam tempo até o diagnóstico e, mesmo quando conseguem a terapia, o tratamento foca só nas consequências e nos sintomas da fibrose cística. Agora, a terapia tripla é o tratamento da causa base da doença, capaz de corrigir o defeito básico e, com isso, as consequências são muito minimizadas”, disse.
Sobre o tratamento, a doutora ainda complementa: “Nunca tinha visto um tratamento com o resultado que a terapia tripla traz. As pessoas ficam com menos problemas relacionados à doença e, na prática, o que eu tenho visto com meus pacientes é disruptivo”.
Para Leonardo, o tratamento com a terapia tripla foi algo muito esperado. Contou que, desde criança, ouvia sobre pesquisas em desenvolvimento neste sentido e agora ele consegue sentir na pele a mudança. “Nenhum tratamento até hoje se compara com a eficiência da terapia tripla. Todos os outros tratamentos nos ajudam a sobreviver à doença, a terapia tripla nos ajuda a viver com a doença”.
Entendo que não é uma despesa a mais, é um investimento. Nos tornamos pessoas úteis para sociedade, podemos sair de casa, ganhar o próprio sustento, deixar de receber auxílio do governo, não precisamos mais interromper estudos e trabalho. É transformador.”
Do ponto de vista do Ministério da Saúde, Natan Monsores reforça que são diversas questões e órgãos envolvidos para a aprovação e aplicação do tratamento no SUS. Reconhece as 6 mil pessoas no Brasil vivendo com fibrose cística e garante um trabalho árduo e contínuo no sentido de construir possibilidades para as necessidades das doenças raras.
“Queremos que as pessoas ganhem qualidade de vida. Eu deixo aqui nosso compromisso enquanto coordenação geral de doenças raras, no sentido de manter esse debate aberto, fazer as escutas necessárias e garantir o melhor cuidado possível para as pessoas que vivem com fibrose cística”.
O deputado federal Diego Garcia acredita que uma alternativa para dividir a carga de responsabilidade do sistema público, seriam as parcerias entre instituições públicas e privadas. Ele defendeu como fundamental a criação de mecanismos que possam estimular essas parcerias e fala sobre como elas podem também atuar no estímulo a pesquisas científicas no país.
“Conversei com vários setores diferentes, inclusive da indústria, para estimular a pesquisa científica no Brasil. Nós temos médicos e centros de referência, temos um grande número de pacientes com doenças diferentes. Por que isso não acontece no Brasil? A indústria que desenvolve medicamentos lá fora pode desenvolver aqui”.
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