O pós-bolsonarismo já começou. Sua inauguração ocorreu na quinta-feira, 6 de julho de 2023, às 21h49, quando 382 deputados – ou 75,9% dos 503 parlamentares presentes – votaram a favor da reforma tributária na Câmara dos Deputados.
Bolsonaro se meteu tardiamente em um assunto que não entende e contratou uma derrota para si. Divulgou que a cesta básica ia subir 60% quando o texto propunha reduzir a zero a alíquota dos produtos. Chamou de “comunismo a conta-gotas” uma proposta que beneficia fortemente o agronegócio, que pagará apenas 40% do tributo geral.
A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) se considerou vitoriosa na negociação do texto. PL, PP e Republicanos, que formaram a chapa que apoiou Bolsonaro à reeleição, deram 96 votos em favor da reforma tributária. O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, percebeu que ficaria isolado em relação à maioria dos estados e, pragmaticamente, aderiu para obter melhores condições aos paulistas no Conselho Federativo – e conseguiu. Tudo isso menos de uma semana depois de o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tornar Bolsonaro inelegível por usar a máquina pública para mentir sobre o processo eleitoral. Comunista não acredita em Deus e não celebra missa de sétimo dia.
Outro aliado do ex-presidente, Arthur Lira (PP) saiu consagrado da votação. Pode se falar muitas coisas do presidente da Câmara – algumas delas inclusive não tão elogiosas. Mas uma é inegável: é o maior operador de votos da história do parlamento brasileiro.
Enquanto Lira botava de pé uma mobilização para angariar apoios, aparar arestas e contemplar setores no texto final da reforma, bolsonaristas radicais faziam balbúrdia no salão verde da Câmara com um pedido de impeachment do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) por suas falas durante o evento do Foro de São Paulo – uma alegação tão profundamente estúpida que ninguém deu a menor atenção.
Não há dúvidas de que o bolsonarismo ainda é forte eleitoralmente, o que leva o PL a acreditar que pode eleger mais de mil prefeitos em 2024 tendo o ex-presidente como cabo eleitoral itinerante – hoje o partido está à frente de 339 cidades. Mas nem todo mundo vai esperar. Como revelou Bárbara Baião, lideranças do centrão, notadamente de PP e Republicanos, já pleiteiam ao governo, em troca de sua simpatia e votos, o comando dos ministérios do Desenvolvimento Social e do Esporte, com as indicações, respectivamente, dos deputados André Fufuca e Silvio Costa Filho.
O governo Lula já entendeu que, para além das acepções rasas de que o governo é de esquerda e o Congresso, de direita, na prática há um parlamento disposto a dar tração a uma pauta econômica reformista mediante contrapartidas. Sem paixões: é negócio.
Com seus percalços, o governo fecha um semestre com indicadores econômicos positivos, dólar em queda, juros podendo seguir o mesmo caminho no médio prazo e tendo emplacado a aprovação de uma nova regra fiscal (falta uma última análise dos deputados) e uma proposta de reforma tributária que, em sua chegada ao Senado, tende a isolar da discussão bolsonaristas radicais como Magno Malta (PL-ES) ou Damares Alves (Republicanos-DF) e obter apoios entre direitistas moderados. É uma agenda que tem beneficiado fortemente a percepção do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, como homem forte do governo.
Bobagens diversionistas como dizer que tem uma “bala de prata” para 2026 podem animar as especulações do noticiário por alguns dias. Mas para se apresentar uma liderança política que indique caminhos para 2026, Bolsonaro terá de fazer mais: conciliar sua agenda congestionada de processos judiciais – segundo o PL, quase 600, sendo 15 ações no TSE, além da que o tornou inelegível – com a formação de uma forte base municipal em 2024 e uma proposta efetiva para o futuro, que vá além da destruição institucional e da negação política. Tudo isso enquanto velhos aliados embarcam sem embaraço no transatlântico do presidencialismo de coalizão. Não é fácil para quem nunca encarnou tal papel e trabalhava em média 5 horas por dia enquanto presidente.
É isso ou viver de torcida para que Lula tropece. Se chegar a 2026 com a economia crescendo, o Congresso com uma oposição restrita ao PL e siglas menores e Lula candidato à reeleição, dificilmente figuras como o governador paulista, que já mostrou que não pega barca furada para agradar o ex-chefe, se arriscarão a deixar uma reeleição provável no estado por uma aventura no plano nacional. Periga Bolsonaro se consolidar no futuro como aquilo que é no momento: um pretenso autocrata malsucedido.