Bolsonarismo

A continuação do golpe

Personagens de 2022 se repetem em 2025, agora com uma internacionalização da crise institucional brasileira

Fabio MuraKawa
24/07/2025|07:00
eduardo bolsonaro
O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) / Crédito: Vinicius Loures/Câmara dos Deputados

No último dia 16, Eduardo Bolsonaro postou um vídeo ao lado de Paulo Figueiredo em frente à Casa Branca no qual, entre outras coisas, conclamam o Congresso a “dar o primeiro passo” — ou seja, anistiar Jair Bolsonaro — a fim de evitar a entrada em vigor da tarifa de 50% imposta por Donald Trump aos produtos brasileiros, anunciada dias antes. 

A imagem do filho do ex-presidente e do neto do último general do regime de 1964 a ocupar o Planalto, em frente à sede do governo americano, supostamente ao sair de uma reunião com integrantes do Departamento de Estado, simboliza a internacionalização da crise institucional brasileira e o flerte da nossa democracia com a ditadura.

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Antes alvo de chacota e ceticismo na Praça dos Três Poderes, a tentativa de Eduardo de influenciar a política externa americana contra o Supremo Tribunal Federal (STF) e o governo Lula apresentou resultados.

Em carta divulgada em suas redes sociais, Trump atribuiu o tarifaço contra o Brasil à “caça às bruxas” promovida pelo Judiciário brasileiro contra o pai do deputado. Mas também mencionou “ordens secretas e ilegais” contra as plataformas de mídia social americanas e anunciou a abertura de uma investigação contra práticas comerciais do Brasil que, descobriu-se depois, terá o Pix e o comércio da 25 de Março entre os alvos.

É do estilo de Trump jogar com o caos para negociar e obter vantagens comerciais e políticas. Além disso, muitos em Brasília reconhecem que ter um aliado como Bolsonaro à frente de um país como o Brasil pode ser estratégico e anteveem uma interferência do americano na eleição de 2026.

Outros atribuem parte de sua irritação ao alinhamento do Planalto lulista com China e Rússia e à insistência de Lula em abdicar do dólar nas transações comerciais entre os países do Brics. O republicano, assim como seu aliado brasileiro, é partidário e se beneficia do vale-tudo nas redes sociais, que não por acaso estão na mira do Supremo e do Planalto. E o Pix, por fim, contraria interesses de empresas americanas como Visa e Mastercard.

Métodos e personagens de 2022 se repetem em 2025

Duas semanas depois da publicação da carta, porém, especialistas, acadêmicos e integrantes do governo ainda não conseguiram decifrar o que deseja Trump. Nem sabem ao certo até que ponto ele está disposto a chegar nessa cruzada atual contra o Brasil de Lula e Moraes. Interpretar os objetivos do bolsonarismo, por outro lado, não é tarefa tão difícil.

As ações de Eduardo nos EUA e a atuação da tropa de choque bolsonarista no Congresso seguem a mesma lógica da tentativa de golpe de 2022, que embasa a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o chefe do clã e mais de uma dezena de pessoas. Dois dos métodos são fundamentalmente os mesmos: enfraquecer o Supremo e descredibilizar o governo legitimamente eleito para dizer que o Brasil não vive uma democracia.

O objetivo da trama, três anos atrás, era manter Bolsonaro no Planalto, com o apoio de setores das Forças Armadas e da extrema direita, que incluía religiosos como Silas Malafaia e setores de caminhoneiros.

Hoje, com o ex-presidente no banco dos réus pela tentativa de golpe, a meta é viabilizar seu retorno ou de alguém da família ao poder, apostando na força da pressão da Casa Branca de Trump. Fala-se em nova paralisação de caminhoneiros em apoio ao ex-presidente, e personagens como Malafaia seguem com protagonismo. Seria, portanto, a “continuação do golpe”.

Centrão em busca de alternativa

Ícones do centrão, o então ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP), e o então presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), foram fundamentais em 2022 para que o golpe não se consumasse. Aliados de Bolsonaro durante todo o seu mandato, eles colocaram uma risca vermelha no chão e se opuseram à possibilidade de ruptura institucional aventada pelo capitão reformado. Agora, parcela significativa desse mesmo centrão – Ciro Nogueira incluso – sonha com a candidatura do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), para apear Lula do poder pela via das urnas

Para muitos setores da sociedade, como a Faria Lima e parte do empresariado, a eleição de Tarcísio ao Planalto poderia servir para tirar o Brasil da exaustiva polarização em que se meteu desde que Bolsonaro começou a ser levado a sério como presidenciável, lá por meados de 2018. Ainda que seja plausível não crer em motivação tão nobre por parte da classe política.

Ironicamente, são os dois polos justamente os mais beneficiados politicamente com a atual “caça às bruxas” de Trump contra o Brasil. De um lado, é a ala mais radical do bolsonarismo quem se fortalece inicialmente no campo da oposição com as medidas de Trump. De outro, Lula viu sua popularidade subir com os ataques americanos e ainda tomou para si as bandeiras do nacionalismo e da defesa do Pix, antes nas mãos da direita. 

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Tarcísio, por sua vez, está perdido entre apresentar-se como opção moderada e abraçar as teses extremistas do clã Bolsonaro, de cujos votos ele precisa para se tornar um candidato competitivo ao Planalto. A esperança de quem torce pelo governador de São Paulo é que o ex-presidente, uma vez na prisão, se veja sem saída sobre não apoiá-lo em troca da promessa de um indulto. Mas ninguém é capaz de cravar que é isso que Bolsonaro vai fazer.

“Invasão simbólica” dos Três Poderes

A narrativa bolsonarista de que o Brasil vive uma ditadura, tanto antes como agora, tem sido alimentada pelas decisões pra lá de controversas de Alexandre de Moraes. Essa “sensação de injustiça” semeada pela extrema direita brasileira está no cerne da depredação dos prédios dos Três Poderes, no 8 de janeiro de 2023.

Fontes em Brasília vislumbram agora a possibilidade de uma “invasão simbólica” das instituições, com Trump partindo para o ataque contra o Planalto, tentando interferir no processo contra Bolsonaro e impondo sanções aos ministros do Supremo, enquanto aliados tentam coagir a cúpula do Congresso a livrar a cara do ex-presidente.

O golpe, que fracassou em 2022/23, poderá se consumar caso Executivo, Legislativo e Judiciário se dobrem às exigências da Casa Branca. Ou se as sanções americanas escalarem a ponto de afetar seriamente a economia, colocando o Brasil de joelhos. 

Ambos os cenários são tidos como improváveis, dada a relativamente pequena exposição atual do país aos EUA. Mas não se pode desprezar a capacidade de Trump usar o poderio econômico, diplomático e militar de Washington para causar instabilidade por aqui ou em qualquer lugar do mundo.logo-jota