Observatório do TIT

TIT cancela AIIM que exigia ICMS por creditamento indevido

Câmara Superior do Tribunal de Impostos e Taxas superou irregularidade formal

câmara superior tit
Crédito: Pixabay

Neste artigo será analisada a decisão proferida pela Câmara Superior nos autos do processo administrativo originado a partir da lavratura do AIIM 4.140.357-5.

A Câmara Superior, por maioria de votos, negou provimento ao Recurso Especial interposto pela Fazenda Pública e, por consequência, manteve a decisão recorrida que cancelou a acusação fiscal de creditamento indevido (item1 do AIIM).

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Em síntese, neste caso, o estabelecimento matriz emitiu uma nota fiscal de saída, com o destaque de ICMS, para o estabelecimento filial, com um erro de digitação. Como não foi possível realizar o cancelamento da referida nota fiscal, o estabelecimento filial emitiu uma nota fiscal de saída, com destaque de ICMS, a fim de que o estabelecimento matriz registrasse crédito de ICMS e, consequentemente, anulasse o impacto tributário da nota fiscal de saída emitida com erro de digitação.

Nesse contexto, o AIIM foi formalizado com a apresentação de duas acusações fiscais: (i) creditamento indevido de ICMS, por ter o estabelecimento filial emitido nota fiscal em hipótese não permitida pela legislação (item 1 do AIIM); e (ii) emissão de nota fiscal para o estabelecimento filial sem a correspondente saída de mercadorias (item 2 do AIIM), gerando a respectiva imposição de multa.

A decisão recorrida, proferida pela Sétima Câmara Julgadora do TIT, se posicionou pelo cancelamento da acusação fiscal de creditamento indevido, porque teria sido uma única operação isolada, sem influência no recolhimento do ICMS, e autorizada pelo artigo 63, inciso I, alínea ‘b’, do RICMS/00[1]. É o que se verifica do seguinte trecho do voto proferido pelo juiz relator Inacio Kazuo Yokoyama:

“Conforme bem explanado pelo AFR autuante, fls.104 a 105, descabe a alegação da impossibilidade de cancelamento da nota fiscal 46.248, uma vez que, a Portaria CAT 162/08 disciplina tal procedimento.

Assim, o procedimento adotado pela recorrente e sua filial são irregulares.

Não obstante, no caso particular dos presentes autos, trata-se de apenas uma única ocorrência, em que as notas fiscais 001(filial) e 46.248 (autuada) foram emitidas, visando o cancelamento da primeira operação, no mesmo período de apuração, novembro de 2017, com os mesmos valores, mercadorias e destinatário/remetente, matriz e filial, ou seja, sem influência financeira no recolhimento do imposto de ambas e, como exposto, não decorreram de fato gerador (materialmente ocorrido em ambas situações).

Note-se que, mesmo quando há efetiva saída de mercadorias, há permissivo do art. 63 do RICMS/00 para crédito do imposto com vistas a anular os seus efeitos em razão da não entrega de mercadorias ao destinatário, art. 4º, inciso IV do RICMS/00".

Inconformada, a Fazenda Pública interpôs Recurso Especial sustentando que o contribuinte deixou de observar o procedimento próprio para o cancelamento de nota fiscal emitida com erro e que não poderia criar uma metodologia própria de escrituração de documentos visando o cancelamento ou anulação de efeitos de documentos fiscais emitidos.

Decisão da Câmara Superior do TIT

A Câmara Superior, ao analisar o Recurso Especial interposto pela Fazenda Pública, entendeu que os paradigmas apresentados evidenciavam, de fato, uma divergência de entendimento em relação à decisão recorrida e, por unanimidade, conheceu do recurso.

Contudo, no que tange ao mérito, em disputa acirrada (9 votos para os contribuintes e 7 votos para a Fazenda Pública), a Câmara Superior decidiu manter a decisão recorrida que cancelou o lançamento fiscal, adotando os mesmos fundamentos, ou seja, que se trata de uma única nota fiscal emitida incorretamente e com o objetivo único e exclusivo de anular o efeito de nota fiscal de saída incorretamente emitida, sem causar impacto na apuração do ICMS, bem como, porque o procedimento é autorizado pelo artigo 63 do RICMS/00.

Reproduzimos parte do voto vencedor proferido pelo juiz Edison Aurélio Corazza, para ilustrar o entendimento vencedor:

“No caso concreto, a situação também se apresenta de igual forma. Estamos falando de uma única saída da autuada para sua filial, cuja nota fiscal se apresentou com um erro de digitação, corrigido, erroneamente através de uma nota da filial para a autuada, para anular seu efeito.

E no mesmo sentido do caso julgado na Câmara Superior, a decisão recorrida consigna que, mesmo quando há efetiva saída de mercadorias, há permissivo do art. 63 do RICMS/00 para crédito do imposto com vistas a anular os seus efeitos em razão da não entrega de mercadorias ao destinatário, art. 4º, inciso IV do RICMS/00.

Neste sentido, como base no aqui já decidido, prestígio a decisão recorrida, mantendo-a e cancelando o item 1 do lançamento fiscal".

Conforme se depreende dos acórdãos proferidos pela Câmara Superior e pela 7ª Câmara Julgadora, dois fatos foram determinantes para a conclusão favorável ao contribuinte, quais sejam: (i) trata-se de uma única operação realizada de forma equivocada; e (ii) não houve falta de recolhimento de ICMS e prejuízo ao fisco.

Fato é, que há acórdão pretérito da Câmara Superior[2], de relatoria do juiz Paulo Gonçalves da Costa Junior, no qual foi analisada situação análoga e a exigência fiscal foi cancelada. Confira-se o seguinte trecho do acórdão:

O procedimento adequado, à evidência, não foi observado pela autuada, que não emitiu a nota fiscal de entrada e praticou indevido “cancelamento” da nota fiscal de saída.

Houve, portanto, infração à legislação tributária.

Pondero, todavia, que o caso concreto encerra relevante particularidade. Na espécie, o próprio agente fiscal autuante assevera que não houve falta de recolhimento do ICMS, aspecto que motivou as decisões proferidas nas instâncias ordinárias. Ademais, cuidou-se de infração isolada, ao que parece motiva por desconhecimento da legislação, sem que houvesse intenção dolosa do sujeito passivo ou prejuízo financeiro ao erário.

Assim, se de um lado as particularidades do caso indicam que seria excessivo exigir da autuada imposto relativo à saída em questão, de outro não parece adequado que seja desconsiderada a prática de conduta objetivamente infracional.

Ante o quadro apresentado, a solução mais adequada me parece o provimento parcial do recurso especial da Fazenda, de modo a (a) manter a determinação do decisório recorrido que excluiu a exigência do ICMS, o que se justifica unicamente em função das peculiaridades do caso e (b) reformar a aludida decisão para restabelecer a exigência concernente à multa aplicada, dado que efetivamente ocorreu a infração à legislação tributária, passível de penalização conforme posto no AIIM exordial, anotando-se que a preservação da multa atende também ao caráter pedagógico que deve orientar a atuação da Administração Pública".

Em que pese a Câmara Superior tenha se posicionado favoravelmente aos contribuintes nos precedentes acima, superando a irregularidade formal do procedimento adotado em razão da emissão incorreta de nota fiscal, é importante destacar que a matéria é controversa.

Isso porque, o acórdão ora sob análise, proferido no AIIM nº 4.140.357-5, teve sete votos favoráveis à Fazenda Pública, bem como, porque há acórdãos[3] de Câmaras baixas que enfrentaram a mesma questão e se posicionaram favoravelmente ao fisco, mantendo a exigência fiscal, de acordo com as peculiaridades de cada caso analisado.

Conclusão

Como exposto acima, a Câmara Superior do TIT, em decisão proferida por maioria de votos, no AIIM 4.140.357-5, acatou o procedimento realizado pelo contribuinte que emitiu nota fiscal apenas para anular os efeitos do débito de ICMS gerado em razão de emissão equivocada de nota fiscal de saída.

Embora a irregularidade formal do procedimento acima tenha sido relativizada pela Câmara Superior, com o cancelamento da exigência fiscal, não é possível afirmar que se trata de um posicionamento consolidado do Tribunal, tendo em vista que: (i) foram proferidos sete votos favoráveis ao fisco neste caso; (ii) há peculiaridades fáticas que podem ter sido determinantes para a decisão; e (iii) há decisões de Câmaras baixas favoráveis ao fisco em casos análogos.

Autor:

Eduardo Suessmann – Pesquisador do Projeto Repertório Analítico de Jurisprudência do TIT – NEF FGV-SP. Mestrado em Direito Tributário – FGV/SP. LLM em Direito Societário pelo Insper. Pós-graduação em Direito Tributário pela PUC-SP. Membro da Comissão de Direito Tributário da OAB São Paulo/SP. Advogado

Coordenação:

Eurico Marcos Diniz de Santi
Eduardo Perez Salusse
Kalinka Bravo
Lina Santin


[1]Artigo 63 - Poderá, ainda, o contribuinte creditar-se independentemente de autorização (Lei 6.374/89, arts. 38, § 4º, 39 e 44, e Convênio ICMS-4/97, cláusula primeira):

I - do valor do imposto debitado por ocasião da saída da mercadoria, no período em que tiver ocorrido a sua entrada no estabelecimento, e observadas as disposições dos artigos 452 a 454, nas seguintes hipóteses:

  1. a) devolução de mercadoria, inclusive em virtude de garantia ou troca, efetuada por produtor ou por qualquer pessoa natural ou jurídica não considerada contribuinte ou não obrigada à emissão de documentos fiscais;

  2. b) retorno de mercadoria por qualquer motivo não entregue ao destinatário;

[2] AIIM nº 4.022090-4, jugado em 30 de maio de 2019.

[3] AIIM nº 4.044.593-8, 10ª Câmara Julgadora, julgado em 23/02/2016 e AIIM nº 4.066.562-8, 2ª Câmara Julgadora, julgado em 23/03/2017.logo-jota

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