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Economia comportamental e bem-estar do consumidor no metaverso

Deve-se pensar em melhores desenhos regulatórios e políticas públicas condizentes com desafios da economia 4.0

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Crédito: Unsplash

Há 37 anos, mais precisamente em 3 de julho de 1985, Robert Zemeckis trazia ao ar a ficção científica “De volta para o futuro”, com carros voadores e óculos de realidade virtual, certamente sem imaginar a revolução que estaria por vir, chamada de economia 4.0. Nesse breve artigo, nós trazemos um spoiler sobre pesquisa que realizamos para uma coletânea sobre o tema, que em breve será lançada.

Se há pouco tempo questionávamos a realidade do e-commerce e os desafios do direito, dos contratos e das relações de consumo, no ambiente digital, agora deparamo-nos com o metaverso. Ninguém poderia imaginar – nem mesmo Martin Seamus McFly, mais conhecido como Marty McFly, o protagonista de “De volta para o futuro” – que avançaríamos significativamente face a uma “realidade” replicada digitalmente em um espaço coletivo compartilhado.

Não deixa de ser poético – e geek – pensar na denominação metaverso, que hoje traz o mundo digital para uma “quase” realidade virtual. Meta significa “para além de”. O metaverso trata de um ecossistema virtual permanente com arquitetura decentralizada, que incrementa, para além de qualquer outra tecnologia anterior, as interações humanas, tais quais percepções sobre emoções, expressões e outros elementos usualmente atribuídos à realidade física[1].

Falar do metaverso, portanto, significa necessariamente atrair um debate mais amplo sobre ecossistemas digitais[2], transversalidade e temáticas relativas à economia digital. Contudo, tal qual Martin McFly, ao adentrarmos o metaverso, não podemos deixar que experimentos tecnológicos – especialmente aqueles que envolvam exploração dos vieses comportamentais dos consumidores – se voltem contra seus próprios consumidores.

'They are looking for attention'

Os debates nos centros mais especializados sobre o tema tocam em um ponto central: o capital monetizou o olhar, se apropriando de tudo que é visível[3]. Contudo, a atenção não é mais “atraída” como nos anos 80, como em comerciais ao qual Martin McFly se depararia, movidos às músicas da banda Live, com modelos estonteantes, sorrisos brilhantes, paraquedistas, mergulhadores, cavaleiros e cenas lúdicas. Não se lançam mais os grandes clipes – como os inovadores e tecnológicos clipes de Michael Jackson – no programa Fantástico, não existem mais muitas das revistas de moda que eram o canal de comunicação entre as passarelas de Nova York e Paris com a América Latina. Hoje, o que está mundialmente na moda pode ser acompanhado automaticamente pela figura dos “influencers”: blogueiras, grandes esportistas e artistas. Em pouco tempo, as redes sociais mudaram radicalmente o mercado publicitário.

Os desafios para os fornecedores são enormes. Não é trivial conseguir a “atenção” no mundo do “Dilema das Redes”. Há muitas frentes e é necessário trabalhar não apenas nas caraterísticas do produto, mas em todo ecossistema que chama a atenção do consumidor. Neste sentido, toda arquitetura do ecossistema e, portanto, todo processo de escolha do consumidor e da manutenção da sua atenção é um componente importante para a decisão de consumo. A maior sofisticação do ecossistema digital, passando pela precificação algorítmica, pode ser pensada como um processo inovativo que visa retirar um ganho maior de cada transação pelo fornecedor. Não se trata de uma ampla novidade, já que a busca pelo lucro é inerente a atividade econômica, mas a escala dos instrumentos utilizada é nova.

O desafio para os reguladores e autoridades que tratam de abusividades que podem afetar o bem-estar do consumidor decorre do uso dos códigos e da menor porosidade do ambiente virtual às restrições impostas pelas normas legais. Como explica a pesquisa de Pietra Quinelato[4], o uso e o acesso aos dados permitem a personalização de diversos aspectos do produto ou serviço e, vale reforçar: isso não está limitado à personalização de preços.

A definição de uma regulação estatal do metaverso envolve, necessariamente, economia comportamental, direito do consumidor, o Marco Civil da Internet, LGPD, em grande medida parâmetros da análise econômica do direito constitucional, além de desafios para o próprio direito concorrencial, em razão do potencial poder econômico das grandes big techs.

Portanto, qualquer escolha regulatória perpassa uma análise transversal, que deve incluir conceitos de economia comportamental para compreender a dinâmica do mercado e desenhar políticas adequadas, seja do ponto de vista do direito e da defesa do consumidor, como na proteção de dados e na defesa da concorrência.

Neste sentido, será necessário, especialmente do ponto de vista de políticas públicas – como já pontuou a OCDE[5] – o desenho de nudges e o combate a sludges[6], como forma de lidar a busca pela atenção do consumidor. Será necessário pensar em escolhas de arquitetura e design e trabalhar com vieses ou heurísticas como o – status quo bias, o qual indica a dificuldade dos de decidir de forma alternativa a opção padrão (Kahneman et al., 1991). Tomando emprestada uma frase de Dan Ariely, consumidores são “previsivelmente irracionais”.

Outros vieses que devem ser analisados na regulação da arquitetura do metaverso é a aversão à perda (loss aversion), conexa ao status quo bias (em resumo, quando um agente sente mais a perda de um bem ou ativo quando comprado à obtenção de uma vantagem de valor idêntico). Ainda, vale destacar mais três vieses: i) optimistic bias ii) anchoring bias; iii) availability bias.

O viés do otimismo (optimistic bias) tende a identificar as aptidões aos riscos a que os indivíduos estão sujeitos que levam à tomada de decisão (o que inclui, por exemplo, o simples bom humor). O viés de ancoragem (anchoring bias) também é relevante para os julgamentos com base em informações ou valores sem questionamento. Além disso, não podemos negar a importância da disponibilidade (availability bias) que também ajuda a explicar como os agentes se comportam a partir de eventos recentes e por meio da análise da probabilidade real da sua ocorrência.

Todos esses elementos devem ser considerados, pois são esses vieses e heurísticas, dentro do ecossistema digital, que direcionam as escolhas dos consumidores e tais elementos – um nudge ou sludge – ainda são desconhecidos por muitos dos agentes públicos e reguladores que desenham políticas públicas e/ou analisam desenho de estratégias das empresas vencedoras. De fato, a manipulação de vieses dos consumidores no ambiente digital pode mesmo ser vista como como uma nova espécie de falha de mercado, ao alavancarem o lucro por meio de um padrão não ótimo e ineficiente, além de fecharem o mercado a modelos de negócio que não se adequem a tais “artimanhas”[7].

Em especial, devemos pensar nas políticas públicas de defesa do consumidor, de proteção de dados e de proteção e defesa da concorrência que precisam acompanhar essas estratégias relacionadas aos vieses comportamentais do consumidor, em especial em ecossistemas digitais e em mercados como os que envolvem o metaverso.

O metaverso está inserido na economia digital e as políticas públicas de direito do consumidor, do direito antitruste e da proteção de dados são fundamentais para definir o “remédio” adequado para eventual “doença” identificada.

Se os temas não forem abordados com transversalidade regulatória, há um risco de limitar tanto o processo inovativo e os benefícios ao bem-estar do consumidor na economia digital (e do próprio metaverso), sem sequer afetar a construção de ecossistemas fundados na extração de ganhos adicionais do consumidor por meio de condutas abusivas e oportunistas operacionalizadas por meio de nudges e sludges.

Desincentivar a digitalização ou a construção de ecossistemas não é o caminho. A melhor alternativa é corrigir, caso a caso, o que for necessário para maximizar a competitividade dos mercados digitais e proteger o bem-estar do consumidor. Pensar no bem-estar do consumidor no metaverso é pensar em melhores desenhos regulatórios e em políticas públicas condizentes com os desafios da economia 4.0 para não inviabilizar todas as experiências positivas na economia digital.


CIURAK, Dan. On the Metaverse, Web3 and Prospering in the Digital Transformation, 2021.

DOMINGUES, Juliana; GABAN, Eduardo. Direito Antitruste e Poder Econômico: o movimento populista e “neo-brandeisiano”. In: Revista Justiça Do Direito, 2019.

DOMINGUES, J., KLEIN, V., & GABAN, E. (2021). Quem tem medo de Lina Khan?. Revista Justiça Do Direito, 35(3), p. 309-331. 2022. Disponível em:  http://seer.upf.br/index.php/rjd/article/view/13236 Acesso em: 22 maio 2022.

HARTMAN, R.; WOO, C. Consumer Rationality and the Status Quo. Quarterly Journal of Economics, v. 106, p. 141-162, 1991.

JACOBIDES, Michael; CENNAMO, C.; GAWER, A. Distinguishing between Platforms and Ecosystems: Complementarities, Value Creation and Coordination Mechanisms, 2020.

KAHNEMAN, Daniel; SLOVIC, Paul; TVERSKY, Amos. Judgment under Uncertainty: Heuristics and Biases. New York: Cambridge University Press, 1982.

KOROBKIN, Russell B.; ULEN, Thomas S. Law and behavioral science: Removing the rationality assumption from law and economics. California Law Review, 88 (4), pp. 1051-1144, 2000.

THALER, Richard H. Nudge, not sludge. Science. Vol. 361. NO. 6401. 2018. DOI: 10.1126/science.aau9241.

SUSTEIN, Cass (ed). Behavioral Law and Economics. Cambridge: Cambridge University Press, 2008.

THALER, Richard; SUSTEIN, Cass. Nudge: improving decisions about health, wealth, and happiness. New Haven: Yale University Press, 2008.

THALER, Richard. Misbehaving: the making of behavioral economics. New York: W.W. Norton, 2015

WU, Tim. After Consumer Welfare, Now What? The Protection of Competition Standard in Practice, 2018.

[1] MOMTAZ, Paul. Some Very Simple Economics of Web3 and the Metaverse, 2022, p. 4-5.

[2] Cf. JACOBIDES, Michael; CENNAMO, C.; GAWER, A. Distinguishing between Platforms and Ecosystems: Complementarities, Value Creation and Coordination Mechanisms, 2020.

[3] Vide BUCCI, Eugênio. A Superindústria do imaginário: Como o capital transformou o olhar em trabalho e se apropriou de tudo que é visível. Belo Horizonte: Autêntica, 2021.

[4] QIUNELATO, Pietra Daneluzzi. Preços personalizados à luz da lei geral de proteção de dados. São Paulo: Foco, 2022. <https://www.oecd.org/gov/regulatory-policy/tools-and-ethics-for-applied-behavioural-insights-the-basic-toolkit-9ea76a8f-en.htm> Acesso em: 15 de junho de 2022.

[6] Na definição de Thaler e Sunstein (2008), nudge é um aspecto do design de escolha que provoca alteração no comportamento do indivíduo atendendo a uma previsibilidade, sem grandes alterações de incentivo econômico ou proibições. O objetivo da arquitetura consciente é influenciar a tomada de decisão e fazer com que pessoas tomem melhores escolhas por elas mesmas.

Sludge, por outro lado, segundo a definição de Richard Thaler (2018) é quando se aplica uma medida de nudge “para o mal”, nas palavras do autor: “This “sludge” just mucks things up and makes wise decision-making and prosocial activity more difficult.”

[7] CALO, Ryan. Digital Market Manipulation. In: The George Washington Law Review, vol. 82, 2014.logo-jota

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