Na virada de 2021 para 2022 o Bradesco protagonizou um caso exemplar de greenwashing (campanha de marketing ou discurso ambientalmente correto sem lastro em ações concretas). Tudo começou com uma iniciativa bem intencionada do banco: um aplicativo que permite ao cliente calcular, reduzir e até compensar sua pegada de carbono.
O vídeo de lançamento foi ao ar em novembro no Fantástico (Bradesco – Carbono Neutro) dizendo que “para o Bradesco, sustentabilidade se constrói todos os dias” e que “se todo mundo enxergar o presente, a gente muda o futuro”. Retórica ou visão de mundo? A resposta do banco veio em meio à crise que se instalou quando um outro vídeo – também parte da estratégia de marketing do aplicativo – foi ao ar logo depois.
Nele, três irmãs que recomendam pequenas ações para uma vida mais sustentável sugerem três ações para reduzir a pegada de carbono dos clientes do banco: aderir à segunda-feira sem carne, incorporar a compostagem e utilizar o aplicativo do Bradesco. E aí não deu outra. O setor pecuarista não gostou nada da ideia de um dos maiores bancos do país recomendar cardápio vegetariano uma vez por semana.
O problema é que o Bradesco entrou num debate para o qual aparentemente não estava preparado, pois implicitamente tomou partido daqueles que acreditam que a pecuária tem impacto significativo nas mudanças climáticas, seja devido ao desmatamento para dar lugar às pastagens, seja pelo “arroto do boi” que contribui para a emissão de metano, um gás de efeito estufa 34 vezes mais potente do que o CO2 (num período de cem anos). Além do mais, o movimento global “segunda sem carne” tem conotação identitária.
Pecuaristas, entidades do setor e sindicatos rurais imediatamente criticaram o banco, ameaçando fechar suas contas e postando cartas abertas nas redes sociais. Com o intuito de estancar a crise, o banco retirou o vídeo das três ativistas do ar e no dia seguinte (24/12) publicou carta aberta assinada pelo diretor-presidente e mais três vice-presidentes na qual se esforça para aplacar os ânimos.
Utilizando uma linguagem rebuscada, a liderança do banco manifesta sua fidelidade ao setor pecuarista (“crença indelével neste setor”), pede desculpas (“reiteramos nossa lamenta pelo ocorrido”) e volta atrás (“O Bradesco acredita e promove direta e indiretamente a pecuária brasileira e por conseguinte o consumo de carne bovina”).
Em tempos em que a agenda ESG (conjunto de critérios relacionados a questões ambientais, sociais e de governança) vem ganhando espaço no mundo corporativo, a reação do banco surpreendeu. Só que quando a poeira assentou, o banco não havia agradado a ninguém, nem aos pecuaristas. Nas redes sociais começaram a circular chamadas para churrascos de protesto em frente às agências do Bradesco. Nascia ali o movimento “segunda com carne”. Postagens com as hashtags #AdeusBradesco e #QuemLacraNãoLucra dão o tom desta história em que até o pedido de desculpas do banco foi ironizado (veja meme abaixo).
Havia uma saída melhor, uma que não tivesse jogado no lixo, sem a mínima cerimônia, uma iniciativa de mérito. Do jeito que ficou, o Bradesco acusou a si mesmo de greenwashing e colocou em risco a confiança nele depositada pelo consumidor. O presidente do banco poderia ter tido mais coragem e guiado seu banco na direção do tal futuro que a campanha menciona sem abandonar as “cash cows” – termo apropriadíssimo em inglês que denota produtos ou serviços que trazem fonte de renda assegurada.
Os dados dão razão às três irmãs. De acordo com estudo realizado pela União Europeia e pela FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura), carne de boi é o alimento que relativamente mais emite gases de efeito estufa. Outro estudo da FAO estima que o gado é responsável por 65% das emissões do setor de criação animal, emitindo cerca de 4,6 gigatoneladas de CO2-eq., um valor praticamente 7 vezes maior daquele emitido pela criação de porcos. Isto é, de um ponto de vista de impacto individual, faz sentido a recomendação das três irmãs de deixar de comer carne bovina um dia por semana.
Outra empresa brasileira, a Natura&Co, foi além, defendendo a eliminação do consumo de carnes num post no Twitter em que se lê, em inglês: “Você sabia que ao adotar estilo de vida vegano você pode cortar sua pegada de carbono em até 50%?”.
Não é à toa que Natura e Heineken (que em 2021 postou “Neste Dia Mundial Sem Carne, que tal comer e beber mais verde?”) foram agrupadas junto ao Bradesco com as hashtags: #AdeusBradesco, #ChurrascoSemHeineken e #SemanaSemNatura.
Mas nas redes o Bradesco foi perdoado pelo greenwashing. Desta o banco escapou. Só houve esforço para defender o “segunda sem carne” com a campanha “segunda sem carne mesmo“. Pois é, temos um dos maiores casos de greenwashing do Brasil, mas que no mundo digital foi um dos casos de cancelamento corporativo mais bem sucedidos do país.