Direitos Humanos

Agente público responde 2/3 dos processos por tortura

Na maior parte das vezes, crime é tentativa de obter confissão

29/01/2015|10:35
Atualizado em 29/01/2015 às 09:49
Crédito Esmar Filho

A análise de 455 casos de tortura julgados pelos tribunais de justiça de todo o país entre 2005 e 2010 mostra que os agentes públicos, como policiais, são os maiores responsáveis pela prática deste crime – 67% das ocorrências. Na maior parte das vezes, como uma forma de obter a confissão de um crime.

Os acórdãos analisados nesta pesquisa feita em conjunto por cinco organizações mostram que 42% das 800 vítimas de tortura nestes casos eram homens em geral, sendo metade suspeita da prática de algum crime. Na classificação da pesquisa, há uma divisão dos homens entre suspeitos e outros casos.

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Levados à delegacia para prestar depoimento, suspeitos da prática de algum crime seriam submetidos a tortura com a intenção de obter a confissão. Os exemplos mais numerosos deste procedimentos ocorreram em estados da região Nordeste.

Mas a tortura se dá em outro ambiente e pelas mãos de agentes privados. E as principais vítimas nestes casos são as crianças. Em 37% dos processos analisados, o torturador não atuava como agente do Estado. Era, por exemplo, pai, mãe, madrasta da vítima.

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Foram 157 crianças torturadas – 19,6% do total de casos analisados – e, em quase 90% das vezes, o crime ocorreu dentro de casa. Nesses momentos, o torturador usa a violência com o propósito de castigar, como revela a pesquisa.

O levantamento e análise dos casos foi feita pela Conectas Direitos Humanos, pelo Núcleo de Pesquisas do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), pela Pastoral Carcerária, pela Ação dos Cristãos para a Abolição da Tortura (Acat) e pelo Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP).

Quase 90% dos casos de tortura de crianças ocorrem dentro de casa

Ação

A pesquisa analisou os casos que chegaram aos tribunais de justiça. Não foram, portanto, estudados todos os casos julgados em primeira instância e que, por não serem alvo de recurso, transitaram em julgado após a primeira decisão.

No grupo desses processos que chegaram à segunda instância, houve condenação dos acusados em 78% dos casos. Em 17% deles houve absolvição e em 5% houve a desclassificação do crime.

Houve mais condenações de agentes privados que de agentes públicos. Para explicar essa diferença, os pesquisadores suscitaram algumas hipóteses: os julgadores são mais rigorosos no exame das provas quando agentes públicos são os acusados; as provas são mais facilmente obtidas quando os agentes privados são suspeitos; há fatores extrajudiciais que intereferem nas decisões, como o perfil das vítimas (nos casos de acusação contra agentes públicos, parcela relevante das vítimas é de suspeitos de crimes, enquanto crianças são o principal alvo de agentes privados).

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Quando os processos foram analisados pela segunda instância, as decisões foram mantidas em 64% dos casos – em 53% pela manutenção da condenação e em 11% por confirmar a absolvição.

A manutenção da condenação ocorreu com maior frequência naqueles casos em que o torturador é um agente privado. Quando o acusado é um policial ou um carcereiro, por exemplo, houve 19% de casos em que os tribunais de Justiça reverteram a decisão de primeira instância e absolveram os suspeitos do crime.

Problema

A pesquisa evidenciou uma realidade já denunciada à Justiça: a tortura dentro do sistema carcerário. Na região Norte, 14% dos casos de tortura ocorreram na cadeia. Na região Sudeste, foram 11%.

Os números, porém, são considerados baixos. E a razão é justamente o local onde os casos ocorrem: entre os muros de um presídio.

“Os números acima nos permitem chamar a atenção para uma realidade já destacada em relatórios nacionais e internacionais sobre a situação das pessoas privadas de liberdade. Nesses contextos, a tortura apresenta uma invisibilidade social, pois se tratam de espaços que “são mais difíceis de acessar, porque os presos estão sob a custódia dos próprios torturadores”, concluem os pesquisadores.

Na região Sudeste, os pesquisadores identificaram casos envolvendo mulheres presas. O desfecho de todos foi a absolvição dos acusados em razão de alegada insuficiência de provas.

Ao final da pesquisa, uma série de propostas é feita ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), às defensorias públicas, ao Congresso Nacional, aos legislativos estaduais e aos governos federal e estaduais.

Uma das propostas é aprovar a lei que cria no Brasil o instituto da audiência de custódia, obrigando o Estado a apresentar o preso em flagrante ao juiz no prazo de 24 horas.
Alguns dados da pesquisa

455 acórdãos analisados

800 vítimas

21% são homens

21% homens considerados suspeitos de algum crime

20% crianças

13% adolescents

9% homens presos

8% mulheres

1% mulheres presas

3% outros perfis

4% não foi possível identificar o perfil da vítima.

24 pessoas morreram em razão das torturas.

752 acusados

Leia a íntegra da pesquisa.logo-jota