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STF

Toffoli, Paulo Bernardo e a opinião pública

Os argumentos técnicos e a estratégia de comunicação

Diego Werneck Arguelhes
30/06/2016|10:31
Atualizado em 22/11/2016 às 17:07
Brasília - O ex-ministro do Planejamento Paulo Bernardo, preso preventivamente durante a Operação Custo Brasil, é transferido pela Polícia Federal para São Paulo (José Cruz/Agência Brasil)

Nesta quarta, o ministro Dias Toffoli revogou a prisão cautelar de Paulo Bernardo. A prisão cautelar havia sido decretada por “não ter sido localizada expressiva quantia em dinheiro desviada dos cofres públicos”, representando “risco evidente às próprias contas do País, que enfrenta grave crise financeira”. Horas depois, Toffoli estendeu a decisão ao empresário Dércio Guedes de Souza, até então preso em situação semelhante.

A decisão de Toffoli admite duas leituras.

A primeira é técnica, para uma audiência restrita. Toffoli observa que o juiz de 1ª instância não indicou fatos que “demonstrem, concretamente, em que consiste o perigo para o regular desenvolvimento da investigação ou da instrução e a sua vinculação a um comportamento do imputado, uma vez que não pode se basear em mera conjectura ou suspeita.” Advogados reconhecerão aqui um tipo familiar de diálogo entre instâncias judiciais: o juiz do caso enxerga perigo em manter o investigado solto, mas o juiz de cima não está convencido da necessidade dessa medida excepcional.

A leitura técnica, porém, é insuficiente. Não explica a inclusão deste parágrafo na decisão:

Aliás, nem mesmo no curso da AP nº 470, vulgarmente conhecida como o caso “mensalão”, conduzida com exação pelo então Ministro Joaquim Barbosa, houve a decretação de prisões provisórias, e todos os réus ao final condenados estão cumprindo ou já cumpriram as penas fixadas.”

Aqui, a preocupação vai além do direito. O que está em jogo é uma estratégia de comunicação. Com essa fundamentação, Toffoli está falando para além dos autos. Está se dirigindo diretamente à opinião pública, usando um episódio importante na memória nacional recente – o caso “Mensalão” – para indicar duas coisas.

Primeiro, que a liberdade dos acusados hoje não levará necessariamente a decisões absolutórias amanhã. A mensagem de Toffoli é clara: não pensem que a revogação de uma prisão cautelar agora é sinal de impunidade futura.

Segundo, talvez mais implicitamente, Toffoli pode estar dialogando com possíveis leituras politizadas de sua decisão. A trajetória profissional do ministro se construiu em larga medida junto ao Partido dos Trabalhadores; e o impetrante do habeas corpus, Paulo Bernardo, é ligado ao partido. Aqui, a lembrança do Mensalão – e o próprio elogio à atuação do relator do caso, ministro Joaquim Barbosa -- pode aparecer como antídoto contra essas suspeitas. Naquele caso, Toffoli chegou a votar pela condenação de alguns dos integrantes do “núcleo político” do Mensalão -- incluindo o ex-deputado e presidente do PT, José Genoíno.

Tanto na mensagem expressa, quanto na potencial mensagem implícita, o “Mensalão” não é citado como precedente em sentido estrito. Não é invocado para justificar este ou aquele resultado, mas sim para apaziguar temores. Surge como um exemplo público, uma memória compartilhada, de que o comportamento do Ministro hoje não pode ser explicado apenas em função de sua atividade partidária no passado – nem pode o futuro do processo ser determinado pela uma revogação de prisão cautelar no presente. Uma possível tentativa de minimizar preocupações e críticas que certamente surgirão com sua decisão, dos membros do Ministério Público à sociedade brasileira em geral.

Nessa parte, a decisão de Toffoli é expressão de mais estratégia de comunicação do que de técnica jurídica. Nada garante que essa estratégia será de fato eficaz em modular a percepção pública dessa decisão em tempos de polarização. Mas, bem sucedida ou não, ela pode expressar uma tendência.

O Supremo insiste, em suas decisões, que “clamor popular” não é justificativa para manutenção de prisão preventiva. Nem por isso, porém, seus ministros são indiferentes a como suas decisões serão percebidas pela população. A decisão de Toffoli é apenas mais um indicador do quanto o olhar mais crítico do público já pode ter transformado as audiências que os ministros têm em mente quando constróem seus votos – especialmente nos casos em que já sabem, de antemão, que a reação à decisão geral será negativa.logo-jota