
O Decreto nº 10.411/2020 foi editado para regulamentar a análise de impacto regulatório (AIR) prevista no art. 6º da Lei das agências reguladoras e no art. 5º da Lei da liberdade econômica. O ato normativo dispõe sobre muito, mas vincula muito pouco. A tarefa de melhorar a eficiência regulatória no país fica por conta dos reguladores.
Chama a atenção, logo à partida, a generosidade e o cuidado com a definição das hipóteses em que a AIR é inexigível: (1) decretos e atos normativos a serem submetidos ao Congresso Nacional (MPs e PLs); (2) atos organizacionais de efeitos internos, de efeitos concretos, que disponham sobre execução orçamentária e financeira, sobre política cambial e monetária e segurança nacional ou que visem a consolidar outras normas (inaplicabilidade em abstrato); (3) atos urgentes, de baixo impacto, destinados a concretizar comandos superiores vinculados, a preservar a higidez de mercados específicos, a manter a convergência a padrões internacionais, a reduzir custos regulatórios (possibilidade de dispensa fundamentada).
O Decreto apresenta um glossário com as definições utilizadas ao longo do texto. Todavia, os vocábulos e expressões configuram invariavelmente conceitos jurídicos indeterminados, com baixa eficácia vinculante. Não se trata de atecnia, mas da escolha por um modelo aberto.
A definição do que sejam atos de “baixo impacto” ou “urgentes”, da extensão dos “custos regulatórios”, e o conteúdo dos atos que integrarão ou não a agenda de atualização do estoque regulatório são questões sujeitas a ampla margem de apreciação pelos diferentes órgãos e entidades administrativos.
A própria escolha da metodologia da AIR e detalhamento do seu itinerário de quesitos para enfrentar o problema regulatório específico só serão definidos em concreto, por decisão fundamentada.
A AIR poderá ser objeto de discussão pública, mas o Decreto só prevê a possibilidade de participação social ao final do procedimento, após elaborado o “relatório”. Há casos, no entanto, em que a coleta de informações e sugestões seria útil antes da apreciação dos custos e benefícios da medida, o que deverá ser feito com fundamento na Lei 9.784/99.
AIRs têm por função subsidiar a tomada da decisão pela autoridade competente, sem vinculá-la, sendo-lhe facultado pedir alguma complementação, ou adotar medida em contrário, inclusive a opção de não agir ou solução não normativa.
Por fim, o Decreto prevê que sua inobservância não acarreta a invalidade da norma editada. Ou seja, além de tornar a obrigatoriedade da AIR excepcional, permite-se que mesmo aí a exigência legal seja solenemente desconsiderada sem qualquer consequência jurídica, o que configura evidente afronta ao comando legislativo.
Mais um erro de um Decreto que parece ter sido editado para livrar a Administração do “problema” da AIR, como se sua finalidade fosse limitada à contenção do aumento da carga regulatória. Um erro que atrasará ainda mais a melhoria da regulação no Brasil.
O episódio 48 do podcast Sem Precedentes faz uma análise sobre a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2020 e mostra o que esperar em 2021. Ouça: