Vera Monteiro
Professora da FGV Direito SP, presidente do conselho consultivo do Movimento Pessoas à Frente e conselheira do República.org
Em 9 de setembro de 2022 acontecerá o Encontro Luso-Brasileiro de Professores de Direito Administrativo na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Organizado por Egon Bockmann Moreira e Pedro Costa Gonçalves, serão três painéis: segurança jurídica em tempos de incerteza; administração pública por contrato no nosso tempo e discricionariedade administrativa (fronteiras entre controle e deferência). São temas clássicos, mas com borogodó. O que eles têm de atrativo não está nos manuais. Está no nosso tempo e na dinâmica dos poderes.
Estarei no painel que tem o contrato como tema central, dialogando com José Vicente Santos de Mendonça e Flávio Amaral Garcia, no lado brasileiro. O time português é formado por Maria João Estorninho, Suzana Tavares da Silva e Licínio Lopes Martins.
Em 1822, há exatos 200 anos, Visconde de Uruguai (1807-1866) concluía seu curso no colégio e se preparava para se matricular na Universidade de Coimbra e de lá sair bacharel. Ele nasceu em Paris, era filho de pai brasileiro, cursou até o quarto ano de Direito em Coimbra e concluiu o curso na Faculdade de Direito de São Paulo. É dele o primeiro livro importante de direito administrativo no Brasil ("Ensaio sobre o Direito Administrativo", 1862).
Além da coincidência do local onde os administrativistas luso-brasileiros se encontrarão, o que nos une ao Visconde do Uruguai é também a oportunidade de pensar um novo projeto para o direito administrativo brasileiro.
O "Ensaio" argumentava que em um país sem tradição como o nosso seria melhor regular tudo, para prevenir abusos. Inspirou-se na França para fazer ecoar entre nós outras tantas ideias, como a de que o direito administrativo é um direito especial. A dicotomia público-privado está em toda a obra do Visconde de Uruguai. Mais tarde, isso influiria na crença de que contratos públicos são uma categoria toda própria, diferentemente de países que não distinguem entre contratos públicos de privados.
Mas não nos tornamos um estado francês. Aqui vingou um fetiche cego pela ideia de que tudo em matéria de contrato público precisa estar autorizado em lei no seu sentido formal. Houve multiplicação de regras e apego à ideia teórica de que contrato público se opõe ao privado. Contrato de obra, de prestação de serviços e de fornecimento, contrato de eficiência, contratação integrada e semi-integrada, concessão de uso de bens, de serviços públicos, de obras, de serviços econômicos e sociais, encomenda tecnológica, contrato público de solução inovadora e por aí vai. Também há o contrato de autonomia entre entes públicos. E os termos do terceiro setor, que não se dizem contratos, mas muitas vezes se assemelham a eles.
A fragmentação e a inflação legislativa desordenada em matéria de contratos públicos que sobreveio no Brasil é um grave problema. Ela gera disfuncionalidade do controle e problema de operação do sistema. É um modelo que serve mais a interesses, e, talvez, a uma ideologia, do que à formação de um repertório sobre contratos e suas melhores práticas.