Adriane Reis de Araujo
Procuradora Regional do Trabalho. Coordenadora nacional Coordigualdade-MPT
A crise sanitária provocada pelo coronavírus agravou a desigualdade entre homens e mulheres no Brasil. As mulheres foram as que mais sofreram com a perda de emprego formal e apresentaram maior risco de insegurança alimentar decorrente do grande percentual de informalidade de inúmeras atividades que elas exercem. A fragilidade econômica, somada às necessárias medidas de redução da mobilidade de pessoas, dificultou ainda mais o rompimento do ciclo de violência doméstica.
Nota técnica do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, comparando dados de março de 2019/2020 em seis estados da federação, constatou a incongruência entre os dados oficiais relativos ao número de denúncias e de medidas protetivas solicitadas e deferidas pelo Judiciário (redução) e os dados obtidos por meio da análise de manifestações e reações em redes sociais, como o Twitter sobre situações de violência doméstica durante a pandemia (aumento).
A mesma nota indica que o maior número de casos de feminicídio, segundo as estatísticas oficiais, confirmam a hipótese de que a violência aumentou, bem como que, nos casos de confinamento junto com o agressor, a vítima teve mais dificuldade de pedir ajuda, o que explica a redução nos números de boletins de ocorrência, por exemplo.
A Agenda 2030 da ONU estimula medidas para eliminar todas as formas de violência contra as mulheres e meninas nas esferas pública e privada, já que essa é uma das metas do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 5 – Igualdade de Gênero.
Essa meta deve observar também diversas ações para prevenção e repressão da violência doméstica no mundo do trabalho, como previsto na Convenção 190 da OIT. Infelizmente, o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, em 2020, gastou apenas 36 dos 124 milhões que estavam autorizados para o combate à violência contra a mulher. Esse é o menor investimento na área desde 2015, segundo levantamento feito pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos.
Atentos a esse cenário, o Ministério Público do Trabalho e o Grupo Mulheres do Brasil firmaram, no final de junho deste ano, um Acordo de Cooperação Técnica para viabilizar o Programa Pelo Fim da Violência Contra a Mulher. Esse Programa visa criar uma rede de apoiadores composta por pessoas físicas, empresas e instituições, a fim de desenvolver a conscientização e superação da violência de gênero e violência doméstica, por meio de ações direcionadas às mulheres e seus filhos. Para nós, o trabalho ocupa uma posição chave nessa reconquista, razão pela qual fomentamos a empregabilidade e apoio a essas mulheres. Estas são políticas responsáveis e necessárias de fomento à paz social e dignidade humana.
Hoje, 7 de agosto, completam-se 15 anos da Lei Maria da Penha, legislação vanguardista fruto de condenação do Estado Brasileiro pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em 2001.
A condenação foi desdobramento da demora da justiça brasileira na solução do caso de Maria da Penha Maia Fernandes, vítima de duas tentativas de feminicídio por parte do então marido, cujas sequelas a deixaram paraplégica.
O texto da lei foi baseado em propostas de entidades de Direitos da Mulher, aperfeiçoado por grupo de trabalho interministerial criado pela Presidência da República, e moldado ao final pelo Congresso.
Para celebrar os 15 anos da Lei Maria da Penha, queremos evitar a repetição da história daquela que lhe inspirou. Para isso, é preciso fomentar ações para que as mulheres em situação de violência possam romper esse ciclo, reconquistando, por meio de oportunidades de trabalho e formação, sua cidadania e pleno gozo de seus direitos sociais e humanos.
Quiçá o Programa pelo Fim da Violência contra a Mulher possa inclusive estimular políticas públicas específicas para mulheres no momento da tão esperada retomada das atividades econômicas decorrentes da superação da crise sanitária pandêmica.