Alexandre Teixeira Jorge
Sócio do escritório Bichara Advogados, especialista em Direito Tributário, Aduaneiro e Comércio Internacional
A publicação dos trechos da Lei 14.301/22 inicialmente vetados pelo presidente da República trouxe, dentre outros pontos, a reinstituição do Regime Tributário para Incentivo à Modernização e à Ampliação da Estrutura Portuária (Reporto) para o período de 1º de janeiro de 2022 a 31 de dezembro de 2023.
O Reporto permite aos portos, concessionárias de transporte ferroviário, empresas de dragagem, recintos alfandegados de zona secundária e o Órgão de Gestão de Mão de Obra do Trabalho Portuário, na qualidade de centro de treinamento, efetuar aquisições no mercado interno e importações de bens destinados ao seu ativo imobilizado, para a execução de seus serviços, com suspensão do Imposto de Importação (desde que inexista similar nacional), IPI, PIS e Cofins. Após o prazo de 5 anos, a suspensão converte-se em isenção, no caso dos impostos, e em alíquota zero para as contribuições.
A derrubada do veto pelo Congresso Nacional foi comemorada e, também, recebida com alívio pelos setores envolvidos, diante do risco de “apagão” de investimentos no modal portuário. Contudo, o capítulo final dessa novela ganhou cenas pós-créditos por parte da Receita Federal, que resolveu ignorar a atual vigência do Reporto, impedindo que os contribuintes se beneficiem dessa desoneração.
No entendimento do órgão, o art. 23 da Lei 14.301/22, que reinstituiu o Reporto, não seria plenamente eficaz, demandando a edição de uma norma orçamentária prevendo medidas compensatórias à renúncia fiscal decorrente do referido regime. Com isso, a Receita Federal tem indeferido os novos pedidos de habilitação no Reporto, assim como negado a convalidação dos Atos Declaratórios Executivos já existentes, expedidos com base na norma anterior.
Entretanto, o art. 26 estabelece que a Lei 14.301/22 entra em vigor na data de sua publicação – no caso do art. 23, isso ocorreu em 25.03.2022, após a promulgação das partes que haviam sido vetadas – não condicionando a sua produção de efeitos à edição de nenhum outro ato normativo.
Além disso, o art. 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro prevê que a lei em vigor terá efeito imediato e geral, sendo de observância obrigatória por todos os seus destinatários, inclusive a Receita Federal, a quem cabe a análise dos requisitos para fruição do Reporto, e não o exercício de um controle de constitucionalidade por via oblíqua. Tal tarefa que compete ao Poder Judiciário mediante o devido processo legal.
A atuação da Administração Pública é guiada pelo princípio da legalidade, sendo que, no caso concreto, não há qualquer amparo legal (tampouco judicial) que autorize a Receita Federal a deixar de cumprir o art. 23, da Lei 14.301/22.
O art. 23 da Lei 14.301/22 é eficaz e dotado de aplicabilidade imediata. Sua redação é clara no sentido de reinstituir o Reporto até o final de 2023, ficando mantidas as demais disposições do regime. Não há como a Receita Federal presumir que o art. 23, da Lei nº 14.301/22, demanda uma integração normativa quando o próprio legislador não faz remissão expressa a uma legislação superveniente no sentido de restringir a eficácia da lei nova.
Ainda, é falacioso o argumento de que não houve análise de impacto orçamentário decorrente do Reporto. Na época, a Emenda de Plenário nº 22/20 inseriu a prorrogação do Reporto até 2025 no texto do Projeto de Lei nº 4.199/20, consignando que isso não ocasionaria quaisquer impactos fiscais, uma vez que o Reporto já integrava as previsões orçamentárias daquele ano e estava vigente, à época, até 31 de dezembro de 2020.
Portanto, a exigência do art. 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) – de que a proposição legislativa que crie ou altere renúncia de receita esteja acompanhada de estimativa do seu impacto orçamentário – foi atendida, não cabendo à Receita Federal pretender efetuar uma análise subjetiva da avaliação feita naquela época, até porque, se assim for, todos os benefícios fiscais podem ser unilateralmente postos em xeque.
O próprio Supremo Tribunal Federal já se manifestou no sentido de que o art. 113 do ADCT é um requisito de validade formal das leis, de sorte que só a ausência de apresentação da estimativa de impacto orçamentário no curso do processo legislativo é que pode afetar a produção de efeitos da lei, após a devida decisão judicial em controle de constitucionalidade, o que não se confunde com a apresentação de uma estimativa em desacordo com a visão da Receita Federal.
Felizmente, o Poder Judiciário tem se mostrado atento a essa investida ilegal da Receita Federal, reconhecendo a validade e eficácia do Reporto até o final de 2023 e assegurando aos contribuintes o direito de utilizarem o benefício em suas operações, ou então suspendendo os efeitos dos despachos decisórios para determinar que o órgão profira nova decisão administrativa acerca do pedido de habilitação no regime, abstendo-se, nesta nova oportunidade, de indeferir o pleito sob o fundamento de que o art. 23 da Lei 14.301/2022 é ineficaz.