Em março de 2017, a comunidade jurídica (especificamente, tributária) recebeu uma resposta da Suprema Corte brasileira – o Supremo Tribunal Federal (STF) – acerca da (in)constitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS. Essa discussão jurídica ocorreu no julgamento do Recurso Extraordinário n° 574.706/RS (Tema 69). A resposta foi favorável aos contribuintes, o que motivou uma avalanche de processos judiciais no Brasil inteiro.
Quatro anos após o Supremo Tribunal Federal ter julgado o mérito do tema (restando pendente o julgamento dos Embargos de Declaração da Procuradoria da Fazenda), a comunidade jurídica-tributária foi surpreendida, dessa vez, porém, por um ato administrativo proferido pela presidência da referida Corte: o Ofício-Circular nº 2/Pres. STF, o qual – em essência – determina o sobrestamento dos recursos extraordinários e agravos sobre inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS até julgamento dos Embargos de Declaração no Recurso Extraordinário nº 574.706/RS (Tema 69).

Ou seja, o Presidente da Suprema Corte oficiou a todos os Tribunais Regionais Federais do país para que suspendam os processos que versem sobre o tão polêmico tema que, diga-se de passagem, já foi decidido pela própria Corte há quatro anos.
É evidente que o referido ofício materializa a preocupação da Suprema Corte acerca da importância da matéria e seu impacto nos cofres públicos, sobretudo considerando o atual cenário de primazia e abundância (extraordinária) de gastos (despesas) da União (por exemplo, aquisição de insumos para vacina contra o covid-19 para imunização da população brasileira).
Não se desconhece a importância da tese da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS, inclusive sob o aspecto jurídico, isto é, a existência de questões que podem ser devidamente esclarecidas no julgamento dos Embargos de Declaração.
No entanto, o Ofício expedido pela Presidência do Supremo Tribunal Federal não poderia ignorar os preceitos basilares do Estado Democrático de Direito, o que inclui a observando ao Código de Processo Civil, instrumento legal que preconiza as normas jurídicas de cunho processual/procedimental a serem observadas nos processos conduzidos pelo Poder Judiciário brasileiro.
Vale destacar, que é imprescindível a aplicação do Código de Processo Civil a todos no país, inclusive à Suprema Corte, a qual tem por obrigação resguardar a constitucionalidade das normas vigentes.
Ocorre que, no caso em tela, não se verificou, algumas normas insculpidas no referido diploma legal.
Primeiramente, não se observou o art. 1.040 do Código de Processo Civil que exige a aplicação do entendimento firmado assim que publicado o acórdão paradigma, independentemente do trânsito em julgado.
Sob outro ângulo, denota-se desrespeito ao art. 927, inciso III, do Código de Processo Civil. Isso porque o acórdão proferido pelo STF (já completo) deve ser cumprido pelos demais órgãos do Poder Judiciário. Afinal, os Embargos foram opostos com intuito principal de promover uma modulação dos efeitos.
Não bastasse a ofensa aos artigos acima mencionados, restou ofendido ainda o inciso III do artigo 1.030 também do Código de Processo Civil.
O referido artigo prevê a possibilidade de sobrestamento das demandas que versem sobre controvérsias de caráter repetitivo ainda não decididas pelos Tribunais Superiores.
No Recurso Extraordinário n° 574.706/RS, a questão já foi decidida há quatro anos, sendo fixada a tese de repercussão geral, restando apenas a decisão sobre os Embargos de Declaração que “em tese”, não tem o condão de modificar a tese já firmada pelo Supremo Tribunal Federal.
E se fosse algo a ser decidido, não nos parece cabível a avocação de competência pelo Ilmo. Presidente da Suprema Corte, uma vez que cabe ao Relator por meio de ato judicial a determinação de sobrestamento das demandas em sede de repercussão geral ainda não decididas, como disposto no inciso III do art. 1.030 do Código de Processo Civil.
Além disso, caso o tema não se enquadre como "matéria ainda não decidida", o art. 1035, § 5º, do Código de Processo Civil prevê que apenas o relator de processo afetado à sistemática de repercussão geral possui competência para determinar a suspensão dos demais feitos que envolvam igual temática.
Intrigante, ao nosso ver, o Oficio expedido pela Presidência da Suprema Corte. Não nos parece que a busca pretendida seja promover a segurança jurídica, mas evitar o trânsito em julgado de ações propostas por diversos contribuintes, os quais valeram-se do Recurso Extraordinário nº 574.706/RS, julgado em 2017 pela Suprema Corte.
Em meio a esse ato administrativo um tanto quanto questionável, sobreveio a inclusão dos embargos de declaração em pauta de julgamento do dia 29/04/2021.
Quais as próximas surpresas que ocorrerão em nome da “segurança jurídica”? Só nos resta esperar que o julgamento não se esqueça da Lei Federal nº 12.325, de 15 de setembro de 2010 - que prevê a celebração anual, todo dia 25 de maio, da conscientização cívica sobre a importância de se respeitar o contribuinte.
Acompanharemos o julgamento e voltaremos com nossas considerações acerca da decisão dos Nobres Ministros no julgamento dos Embargos de Declaração da Procuradoria da Fazenda Nacional no Recurso Extraordinário nº 574.706/RS.
