Daniel Piga Vagetti
Advogado e contador atuante no consultivo tributário. Especialista em Direito Tributário pelo IBET e mestre em Direito Tributário pela FGV-SP
O Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), após o julgamento em repercussão geral do RE 593.849, realizado em 2016, com o objetivo de simplificar as questões relacionadas ao complemento ou a restituição do ICMS retido por substituição tributária, instituiu o Convênio de ICMS nº 67/19, o qual autorizou a criação do Regime Optativo de Tributação da Substituição Tributária (ROT).
Em linhas gerais, referido regime dispensa o pagamento de eventual complemento de ICMS retido por substituição tributária para os casos em que o preço praticado na operação junto ao consumidor final for superior à base de cálculo utilizada para o cálculo do tributo.
Em contrapartida, o Convênio estabelece que o sujeito passivo que aderir ao ROT, não poderá exigir a restituição de valores nos casos em que a operação praticada com o consumidor final seja em montante inferior a base de cálculo utilizada para o cálculo da substituição tributária.
Dentre as diversas modalidades da substituição tributária aplicadas ao ICMS, a que nos interessa na presente análise é aquela denominada “para frente”. Nesta hipótese, ocorre a antecipação do recolhimento do ICMS para antes mesmo da ocorrência do fato gerador, ou seja, se parte do pressuposto de que o fato imponível de ICMS ocorrerá no futuro, justificando, desta forma, a cobrança antecipada do tributo.
Sobre tal modalidade, houve muita discussão acerca da sua validade, pois, conforme comentando, em tal metodologia, o sujeito ativo da relação jurídica trabalha com presunções para justificar à ocorrência do fato gerador.
Não obstante as discussões, a Emenda Constitucional nº 03/93, incluiu o par. 7º no art. 150 da Constituição Federal e dispôs que “a lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido”.
Apesar da inserção do par. 7º no art. 150 da CF88, que “pacificou” tal modalidade de substituição tributária, concordamos com o posicionamento do professor Roque Antonio Carrazza[1], ao dispor que a referida alteração na CF88 “padece de incontornável inconstitucionalidade (por vulneração de “cláusula pétrea”), porquanto passa por cima do princípio da segurança jurídica da tributação.”.
A par das discussões sobre a (in)constitucionalidade, cabe mencionar que a CF88 assegurou a restituição da quantia paga para quando não se realizasse o fato gerador presumido, ou seja, a venda ao consumidor final.
Nesse sentido, muitos questionamentos surgiram acerca da possibilidade de tal restituição. Se a mesma era devida apenas quando o fato gerador não ocorresse em sua integralidade ou se também era aplicável quando este, ainda que ocorrendo, não tivesse a dimensão prevista que suportou o recolhimento antecipado.
Para responder a tal pergunta, se faz necessário entender o sentido do dispositivo Constitucional. Para tanto, nos emprestamos das lições do professor Marco Aurélio Greco[2], ao dispor que o sentido de tal dispositivo legal é justamente “proteger o contribuinte contra exigências maiores do que as que resultam da aplicação do modelo clássico do fato gerador (...)”, concluindo que “a devolução é de rigor sempre que o fato não se realizar ou, realizando-se, não se der na dimensão originalmente prevista”.
Tal conclusão não merece qualquer retoque pois, admitir o contrário, seria dar azo à cobrança indevida por parte dos estados (entes competentes para a instituição do ICMS) e, certamente, essa não é a pretensão da Constituição Federal.
Ocorre que em um esforço de raciocínio, diversos estados, ao disporem em suas legislações locais sobre o ICMS ST e a possibilidade de restituição quando o contribuinte realizar a operação final em valor inferior ao estimado para a realização da retenção, passou a obrigar este mesmo contribuinte a realizar o complemento da diferença nos casos em que a operação for realizada por um preço maior.
Ora, nem a Constituição Federal e nem a Lei Complementar nº 87/96 (“Lei Kandir”) tratam sobre a necessidade de complemento a ser realizado pelo contribuinte.
Ademais, não bastasse a inclusão de uma incidência tributária pautada em fatos futuros e incertos, os Fiscos Estaduais colocam sobre o contribuinte a necessidade, ao nosso sentir evidentemente inconstitucional, de complementar valores. Esse raciocínio pode parecer adequado ao senso comum, porém, não pode ser considerado jurídico por manifestamente contrariar os dispositivos e garantias Constitucionais.
Pois bem, após estabelecermos tais premissas, surge o questionamento acerca da (in)constitucionalidade do Convênio de ICMS nº 67/19 que autoriza a instituição do ROT, que já apresenta a adesão por diversos estados, o qual, dentre eles, destacamos a recente adesão de São Paulo.
O Fisco Paulista, por meio do Decreto Estadual SP nº 65.593/21, acrescentou o parágrafo único no art. 265 do RICMS/SP, dispondo que os contribuintes do segmento varejista poderão solicitar o regime optativo de tributação da substituição tributária (ROT-ST), com dispensa de pagamento do valor correspondente à complementação do imposto retido antecipadamente, compensando-se com a restituição do imposto assegurada ao contribuinte.
O detalhamento acerca da instrumentalização da opção pelo ROT-ST consta na Portaria CAT nº 25/21, publicada no dia 1º de maio. De maneira semelhante é a redação dos dispositivos legais dos demais estados que regulamentaram o ROT, por exemplo, a Lei Estadual do Paraná nº 20.250/20.
Desta forma, ante o exposto, a despeito da sua comum e rotineira utilização, entendemos que a substituição tributária “para frente” é prática que não encontra guarida nos preceitos Constitucionais.
De igual forma, também entendemos inconstitucional a exigência de eventual complemento em tais operações, pois, tanto a CF88 quanto a Lei Kandir, asseguram a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido, porém, não há nenhuma disciplina acerca do complemento.
Sendo assim, o Convênio de ICMS nº 67/19 e todas as legislações estaduais que deste derivam, estão, em nossa leitura, indo de encontro aos preceitos e garantias constitucionais.
Por fim, é importante que os Contribuintes se atentem à dois principais pontos em relação ao ROT-ST: (i) impacto financeiro na atividade, ou seja, se o volume de pedido de restituição e a operacionalização da prática supera eventuais (e inconstitucionais) exigências de complementos quanto ao recolhimento do ICMS ST; e (ii) por se tratar de um regime optativo, avaliar a possibilidade quando da sua adesão em discutir, administrativa ou judicialmente, eventuais questões relacionadas ao recolhimento do ICMS ST.
[1] CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 17ª Edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2015. Pag. 130.
[2] GRECO, Marco Aurélio. Comentário ao parágrafo 7º do artigo 150. In: CANOTILHO. J. J. Gomes; MENDES, Gilmar F; SARLET, Ingo W.; STRECK, Lenio L. (Coords.). Comentários a Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013. Pag. 1.672.