Drawback

Drawback na jurisprudência do Carf

Uma questão ainda controvertida no CARF é a forma de contagem do prazo decadencial no caso de descumprimento do regime aduaneiro do drawback

17/11/2016|05:52
Atualizado em 22/11/2016 às 10:14

INTRODUÇÃO

O regime especial aduaneiro de “drawback” instituído pelo Decreto-lei nº 37/1966 é importante[1] instrumento de incentivo à exportação no Brasil. Trata-se de um compromisso de exportação assumido junto ao Departamento de Operações e Comércio Exterior - DECEX que assegura a desoneração dos tributos incidentes na importação de insumos, desde que empregados na industrialização de produtos a serem exportados nos termos de ato concessório emitido pelo DECEX.

A legislação aduaneira prevê três modalidades gerais de aplicação do regime especial, em razão da forma de desoneração dos tributos incidentes na importação, que pode se dar via suspensão, isenção ou restituição. Dentre essas modalidades a mais usual é o drawback suspensão, que prevê a suspensão dos tributos incidentes na importação de insumos, contanto que aplicados em produtos a serem exportados. Comprovada a exportação no prazo de um ano, (prorrogável por mais um ano), extinguem-se definitivamente as obrigações tributárias referentes aos insumos importados. Ultrapassado o prazo previsto no ato concessório, a condição suspensiva é cessada e os tributos deverão ser recolhidos com o acréscimo de multa e juros.     

A jurisprudência do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) sobre questões controversas referentes à fiscalização e ao cumprimento das condições do regime de drawback foi examinada em um item específico do livro Repertório Analítico de Jurisprudência do CARF[2].

Após quase um ano de funcionamento sob um novo formato e uma nova composição, buscamos examinar se o “novo” CARF promoveu alteração da jurisprudência sobre a fiscalização e o adimplemento do regime de drawback. Pesquisando a partir de 2016 a palavra chave “DRAWBACK” no banco de acórdãos do CARF[3] encontramos os seguintes acórdãos formalizados entre dezembro de 2015 e novembro de 2016:

3302-003.378 3302-003.379 3402-003.201 9303-003.850 3401-003.197
3402-03.113 3402-003.090 9303-004.153 3302-003.178 3302-003.180
3302-003.179 9303-003.465 9303-003.523 9303-003.327 9303-003.865
3201-002.181 3201-002.208 9303-003.281 3301-002-836 3302-003.084
3201-002.032 3401-003.071 3401-003.018 3402-000.750 3402-002.882
3201-001.816

Ao todo são 26 decisões, número muito menor do que os acórdãos analisados anteriormente[4]. Destacando as decisões que tratam de matérias mais relevantes, já é possível observar que não houve inovação na jurisprudência nas questões sobre a contagem do prazo de decadencial e sobre o chamado “princípio da vinculação física”, como se demonstrará a seguir.

 

VINCULAÇÃO FÍSICA X FUNGIBILIDADE

 

A controvérsia sobre a necessidade de comprovação da utilização/aplicação dos insumos importados nos produtos exportados tem como pano de fundo a interpretação outorgada ao art. 78 do Decreto Lei nº 37/66, para definir se a legislação exige um vínculo material (identidade) entre o insumo importado e os produtos exportados, ou se é possível comprovar o adimplemento do regime demonstrando que foram empregados insumos equivalentes em quantidade e qualidade, especialmente nos casos em que os insumos são produtos fungíveis.

Sob a nova composição foram examinados 5 acórdãos[5] que abordam a necessidade de vinculação física dos insumos importados. Em todos os casos, os autos de infração foram mantidos sob o argumento de que o contribuinte não fez prova de que os insumos importados são exatamente os mesmos aplicados nos produtos exportados.

Nesse ponto, o CARF manteve a jurisprudência anterior que indicava como indispensável a prova da vinculação física dos insumos importados, sendo inadmissível o cumprimento do regime com a utilização/aplicação de produtos fungíveis. Como exemplo vejamos o trecho da ementa do Acórdão nº 9303-003.465[6] da Câmara Superior de Recursos Fiscais:

PRINCÍPIO DA VINCULAÇÃO FÍSICA.

No regime de Drawback-Suspensão, é condição para a regularidade do regime que os insumos importados com benefício fiscal sejam efetivamente empregados na industrialização dos produtos a serem exportados.

Sobre esse tema, há ainda a discussão sobre a possibilidade de aplicação retroativa da regra de fungibilidade para as mercadorias utilizadas como insumo, trazida pela Lei nº 12.3510/2010 e regulamentada pela Portaria Conjunta RFB/SECEX nº 1.618/2014. Há quem entenda que a alteração legislativa deixa de definir o uso de insumo nacional similar como infração à legislação, o que implicaria na sua aplicação retroativa nos termos do art. 106, II, b do CTN[7]. Nesse sentido a opinião de Charles Mayer de Castro Souza[8]:

Todavia, com a permissão introduzida pelos artigos 17 da Lei 11.774, de 2008, a observância do princípio em exame deixou de ser exigida, já que ao beneficiário do regime suspensivo permitiu-se importar insumos do exterior, vendê-los no mercado interno e, posteriormente, adquirir outros, também no mercado interno, nacionais ou importadas, da mesma espécie, qualidade e quantidade (é como dispõe a redação atual do art. 17 da Lei 11.774, de 2008, conferida pela Lei 12.350, de 2010), para, em seguida, empregá-los no processo de industrialização daqueles produtos a exportar, nos termos e condições estabelecidas no Ato Concessório que concedeu o benefício. Noutras palavras, positivou-se o que só em teoria se vislumbrava — o conhecido “princípio da fungibilidade”, adotado, para o caso, em algumas decisões do Carf.

(...)

Ora, empregar os insumos importados no produto a ser exportado que resulta do processo de industrialização é conduta comissiva encartada, ainda que implicitamente, no artigo 78, II, do Decreto-lei 37, de 1966, obrigação que, por norma jurídica posterior de mesma hierarquia, deixou de ser exigida para os insumos fungíveis, fato que reclama a sua aplicação retroativa por força do artigo 106, II, “b”, do CTN.

Trata-se de uma matéria que ainda precisa ser mais bem debatida pelas turmas julgadoras do CARF. Nas decisões pesquisadas, a aplicação da chamada retroatividade benigna prevista no art. 106 do CTN é defendida somente em declarações de votos vencidos[9] e não foi enfrentada pela Câmara Superior de Recursos Fiscais.

 

DECADÊNCIA

 

Outra questão ainda controvertida no CARF é a forma de contagem do prazo decadencial no caso de descumprimento do regime aduaneiro do drawback. A pesquisa anterior, exposta no Repertório Analítico de Jurisprudência do CARF[10], apontou que a jurisprudência majoritária entende que o prazo decadencial de 5 anos deve ser contado “a partir do primeiro dia do exercício seguinte ao trigésimo dia após o término do regime concessivo” [11].

A jurisprudência não foi alterada pelo “novo” CARF. Em 8 Acórdãos[12] pesquisados, nota-se que todos seguiram a jurisprudência anterior para aplicar o prazo previsto no art. 173, I do CTN conjugado com a condição suspensiva própria do regime do drawback.

Todavia, ainda é possível a mudança de entendimento nessa matéria. Em recente publicação do Tribunal Administrativo, o “Relatório das Decisões Proferidas de Janeiro a Agosto de 2016[13]” afirma que a jurisprudência sobre a contagem do prazo decadencial está mantida por foça do questionável voto de qualidade como exposto no item 4.20:

4.20. Drawback - termo inicial para a contagem do prazo decadencial

A 3ª Turma da CSRF manteve, na matéria, o entendimento da turma ordinária. A jurisprudência do CARF, antes de sua restruturação, já havia pacificado o entendimento da matéria: no regime do Drawback Suspensão o início do prazo para o lançamento é o primeiro dia do exercício seguinte ao trigésimo dia após o término do regime concessivo, constante no respectivo ato concessório.

Portanto, o entendimento sobre a regra de contagem do prazo decadencial está seguindo a jurisprudência já firmada há alguns anos, mas hoje alicerçado em voto de qualidade, sugerindo a possibilidade de alteração, seja pela mudança da composição dos julgadores da Câmara Superior de Recursos Fiscais, ou mesmo pelo questionamento sobre a validade da manutenção de exigências fiscais em julgamentos desempatados por voto de qualidade.
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[1] Segundo informação publicada em 2014 no site da Receita Federal do Brasil a importância do benefício é tanta que, na média dos últimos 4 (quatro) anos, correspondeu a 29% de todo benefício fiscal concedido pelo governo federal.

(http://idg.receita.fazenda.gov.br/orientacao/aduaneira/regimes-e-controles-especiais/regimes-aduaneiros-especiais/drawback)
[2] MINATEL, Gustavo Froner. In: SANTI, Eurico Marcos Diniz de; VASCONCELOS, Breno Ferreira Martins; SILVA, Daniel Souza Santiago da; DIAS, Karen Jureidini; HOFFMANN, Susy Gomes (Coords.). Repertório Analítico de Jurisprudência do CARF. 1 ed. São Paulo: Max Limonad, 2016. pág. 775-777.
[3] https://carf.fazenda.gov.br/sincon/public/pages/ConsultarJurisprudencia/consultarJurisprudenciaCarf.jsf
[4] O estudo anterior abrangeu os acórdãos exarados no período de 2006 a 2015.
[5] Acórdãos 3302-003.379, 3402-003.201, 9303-003.465, 3302-003.084, 3401-003.018.
[6] Julgado pela 3ª Turma da 3ª Seção de Julgamento em 24 de fevereiro de 2016
[7] Art. 106. A lei aplica-se a ato ou fato pretérito:

II- tratando-se de ato não definitivamente julgado:

  1. b) quando deixe de tratá-lo como contrário a qualquer exigência de ação ou omissão, desde que não tenha sido fraudulento e não tenha implicado em falta de pagamento de tributo;

[8]  SOUZA, Charles Mayer Castro. “Princípio da vinculação física pode deixar de ser aplicado em drawback”. Disponível em http://www.conjur.com.br/2015-jul-29/charles-souza-vinculacao-deixar-aplicada-drawback />. Acesso em: 06 de novembro de 2016.
[9] Acórdão 3402-003.201
[10] PEREIRA, Winderley Moraes. In: SANTI, Eurico Marcos Diniz de; VASCONCELOS, Breno Ferreira Martins; SILVA, Daniel Souza Santiago da; DIAS, Karen Jureidini; HOFFMANN, Susy Gomes (Coords). Repertório Analítico de Jurisprudência do CARF. 1 ed. São Paulo: Max Limonad, 2016. pág. 785-790.
[11] Acórdão 9303-003.141
[12] 3201-002.181, 3401-003.197, 3402-090, 3402-003.113, 3402-003.201, 90303-003.327, 9303-003.465, 9303-003.850
[13] Disponível em https://idg.carf.fazenda.gov.br/noticias/2016/relatorio-julgamentos-do-carf-jan_ags_2016-1.pdflogo-jota