Jorge Sotto Mayor
Advogado. Sócio do Barral Parente Pinheiro Advogados, atuando nas áreas de Direito Público, Infraestrutura e Regulação.
Tenho uma “mãe de criação” – porque, nessa vida, tenho a sorte de ter duas ou mais ao mesmo tempo. Logo, tive também um “avô de criação”: o pai dela, seu Valdemar, ou tio Demá, para os mais chegados, como eu.
Seu Valdemar faleceu com 90 e tantos anos, há algum tempo. Certa vez, quando comemorava seus 80 anos, a família organizou uma festa de aniversário na quadra da escola estadual do bairro. Em troca pela cessão do espaço, a família combinou com o diretor da escola reformar as pias dos banheiros, que já não andavam lá essas coisas.
Mal sabia o diretor que ele já estava alguns anos à frente no Direito Administrativo. Ele já praticava as agora famosas “consensualidade” e “parceria” com a iniciativa privada, fazendo a melhor gestão possível do bem público a seu cargo. O acordo, até onde sei, não-escrito, viabilizou uma cessão de uso em condições especiais, autorizando transitoriamente o uso do bem a um particular, desde que o autorizado realizasse benfeitorias permanentes no bem utilizado.
Na informalidade do acordo firmado, a beleza do Direito Administrativo: a Administração tem uma caixa de ferramentas variada à sua disposição. Na esfera da gestão dos bens públicos, não é diferente. Existe um leque extenso de instrumentos que permitem um sem-número formatos e usos possíveis para esses bens pela Administração e, por que não, pela iniciativa privada. O desafio é como fazer.
No âmbito federal, o espaço para criatividade e exploração dos bens público parece ainda maior. A União possui prédios, terrenos, bens e outros tantos itens de patrimônio que são, hoje, subaproveitados. Das diversas oportunidades em que cruzei profissionalmente com o tema da gestão dos bens públicos federais, algumas medidas apareceram como necessárias para facilitar o melhor aproveitamento do patrimônio público:
Esse último item, merece atenção especial. O regime jurídico dos bens federais ainda tenta aplicar uma distinção absoluta entre interesse público/interesse privado ou finalidade pública/finalidade lucrativa.
Porém, hoje, a Administração adota uma série de instrumentos de alinhamento dos seus interesses com o interesse privado - concessões, parcerias estratégicas, fomento, dentre outras -, que fazem com que olhar para a qualificação do bem ou do uso como público ou privado seja mais fonte de confusão do que respostas sobre o regime jurídico aplicável.
O arcabouço jurídico dos bens públicos precisa refletir a mudança na ação administrativa, que atualmente busca se concretizar também por instrumentos outrora privados. Se não o fizer, ela correr o risco de se tornar um tema indesejado do mundo administrativo.
No caso do aniversário do seu Valdemar, parece-me que público e privado se alinharam e entregaram resultados mutuamente satisfatórios. Se ainda houver dúvidas disso, lembro da quantidade de pessoas presentes à festa. Tio Demá era tão querido na comunidade que talvez o próprio evento é que fosse de interesse público.