
Para a coordenação das atividades de cada Casa Legislativa do Congresso Nacional, é necessária a existência de órgão de direção para a execução de competências administrativas, políticas, judicantes e legislativas. Esse órgão é denominado de Mesa Diretora.Como os cargos da Mesa Diretora, sobretudo o de Presidente da Casa Legislativa respectiva, detém relevância no cenário político, não raras vezes ressurge o debate para a permissibilidade de reeleição a tais cargos.
Não se pode descurar que, hoje, a questão se encontra regulada no art. 57, §4º, da CRFB/1988, de acordo com o qual os parlamentares eleitos para comporem a Mesa Diretora exercerão mandato de 2 (dois) anos, sendo vedada a recondução imediatamente subsequente para o mesmo cargo. Ou seja, os eleitos podem compor imediatamente subsequente a Mesa Diretora, desde que o seja para cargo distinto para os quais foram eleitos anteriormente.
A partir dessa disposição constitucional, poder-se-ia sem maior aprofundamento concluir que foi vedada qualquer possibilidade de reeleição de parlamentar para o mesmo cargo que anteriormente se sagrou vencedor no processo eleitoral interno.
Acontece que o caso não é tão simples quanto parece. Explica-se. A Emenda Constitucional nº 16, de 1997, promoveu alteração no art. 14, §5º, da CRFB/1988, a fim de permitir a reeleição para os cargos de Chefe do Poder Executivo.
Em razão disso, surgiu há tempos corrente de pensamento no sentido de que, como os ocupantes da Mesa Diretora exercem atividade eminentemente administrativa, a eles devem ser aplicadas modificações posteriores sobre cargos político-administrativos, como é o caso da reeleição do Poder Executivo. Nesse sentido, foi exarado o parecer Parecer nº 555, de 1998, da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, do Senado Federal.
O objetivo desta breve análise será estabelecer qual a melhor exegese a ser extraída do art. 57, §4º, da CRFB/1988, assim como se esse dispositivo realmente pode ser objeto de mutação constitucional.
Inicialmente, destaca-se que a reeleição não pode ser tratada como matéria exclusivamente interna corporis, uma vez que a opção do Constituinte Originário foi de regular o tema, razão pela qual atos normativos infraconstitucionais – inclusive, os Regimentos Internos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal – devem estrita obediência à regra constitucional.
Sobre o dispositivo em si, é de bom tom afirmar que, embora a Emenda Constitucional nº 50, de 2006, tenha o alterado, ela não promoveu qualquer modificação a não ser a de cunho redacional para incluir o algarismo arábico 2. Por esse motivo, pode-se dizer que a interpretação empreendida pelo Constituinte tem valiosa contribuição à solução do tema.
Quando do debate da CRFB/1988 na Comissão de Sistematização, o Constituinte Jarbas Passarinho apresentou emenda para regular o tema da eleição e da temporariedade da ocupação de cargo da Mesa Diretora pelos parlamentares. De acordo com ele: “[…] A Constituição atual fala num mandato de dois anos. Esta silencia, que pode dar a impressão, portanto, de que o mandato pode ser de quatro anos. Então, a proposta é de que se acrescente aqui: “…eleição das respectivas Mesas, por dois anos, vedada a recondução… […]”.
Os demais constituintes concordaram com a proposição, o que resultou na sua aprovação. A limitação aprovada foi bem elucidada pelas observações feitas pelo Constituinte Nelson Jobim, na seguinte passagem: “[…] O dispositivo foi redigido prevendo-se um mandato de dois anos. O que se quer evitar? Que a Mesa eleita no primeiro ano da legislatura seja reeleita para o terceiro e o quarto ano da legislatura. […]”.
Tem-se, então, que, ao menos até a promulgação da Emenda Constitucional nº 16, de 1997, a correta interpretação é de que seria inviável a reeleição, dentro da mesma legislatura, de parlamentar para o mesmo cargo para o qual foi eleito anteriormente.
Entretanto, será que, a partir da Emenda Constitucional nº 16, de 1997, adveio razão jurídica a possibilitar o uso da mutação constitucional e, com isso, tornar viável a reeleição para a Mesa Diretora, à semelhança do que acontece para os cargos de Chefe do Poder Executivo, como fixou o Parecer nº 555, de 1998, da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, do Senado Federal?
A resposta deve ser negativa. Conclusão diversa seria contrária à vontade majoritária do Parlamento – ao menos, da Câmara dos Deputados. Sobre isso, cabe fazer a seguinte digressão sobre PEC que visava alterar o art. 57, §4º, da CRFB/1988.
Em 2003, foi apresentada a PEC nº 111, pelo deputado Benedito de Lira, cujo objetivo era extirpar a limitação de reeleição para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente[1]. Quando submetida à análise da Comissão Especial, apresentou-se projeto substitutivo, cujo teor era mais restritivo do que a proposição originária[2].
Independentemente da abrangência da permissibilidade de reeleição imediatamente subsequente para o mesmo cargo da Mesa Diretora da respectiva Casa Legislativa, tem-se que o Plenário da Câmara dos Deputados rejeitou majoritariamente o projeto substitutivo da PEC nº 101, de 2003. Até o presente momento, o projeto originário da PEC nº 111, de 2003, se encontra pendente de análise.
Com isso, vê-se que uma das Casas do Congresso Nacional já se posicionou, em ocasião posterior à promulgação da Emenda Constitucional nº 16, de 1997, contrariamente ao intento de reeleição imediatamente subsequente de parlamentar para o mesmo cargo da Mesa Diretora.
Esse fato parece suficiente para rechaçar a tese da mutação constitucional pela superveniência de razão jurídica, qual seja, a de promulgação da Emenda Constitucional nº 16, de 1997. A mutação constitucional é instrumento de hermenêutica constitucional para modificação informal do sentido de norma jurídica.
A alteração informal da compreensão normativa não pode vingar quando já houve manifestação formal do Poder Legislativo em sentido diametralmente oposto, como foi o caso da rejeição do projeto substitutivo da PEC nº 111, de 2003, que permitia a reeleição para os cargos da Mesa Diretora.
Por esse motivo, a vedação da eleição imediatamente subsequente, dentro da mesma legislatura, para cargo da Mesa Diretora é a melhor exegese a ser extraída do art. 57, §4º, da CRFB/1988.
Acrescente-se, ainda, que a eleição para o mesmo cargo da Mesa Diretora em legislatura diversa não configura reeleição imediamente subsequente.
Nessa linha, imprescindível novamente trazer à baila as ponderações do Constituinte Nelson Jobim sobre a emenda do Constituinte Jarbas Passarinho: “[…] não se quer proibir que a Mesa eleita no terceiro ano da legislatura possa ser reeleita no primeiro ano da legislatura seguinte, para não condicionar a legislatura seguinte à arte da legislatura anterior. Este é o sentido do texto quando diz “no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros, eleição das respectivas Mesas, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subseqüente”. Ou seja, subseqüente ao quê? À eleição realizada no primeiro ano da legislatura. Então, tenho a impressão de que a solução do Senador Jarbas Passarinho resolve o problema. E isso mostra realmente que este texto foi redigido para um mandato de dois anos, caso contrário não teria sentido”.
Deputados Federais ou de Senadores da República, se eleitos no último biênio de legislatura, podem, portanto, sem nenhum óbice constitucional, se candidatarem, na legislatura seguinte, ao mesmo cargo da Mesa Diretora para o qual foram eleitos.
Por essas razões, tem-se que os limites normativos do intérprete e/ou do aplicador do Direito é de que, pela redação atual do art. 57, §4º, da CRFB/1988, se mostra inviável somente a reeleição imediatamente subsequente (leia-se: dentro da mesma legislativa) para o mesmo cargo da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, devendo, se assim desejar o Poder Legislativo, promover formalmente a alteração do dispositivo constitucional.
O episódio 45 do podcast Sem Precedentes trata de dois julgamentos que irão começar no Supremo Tribunal Federal (STF) e que interferem diretamente nas relações da Corte com o governo Bolsonaro e o Congresso Nacional. Ouça:
[1] A redação da proposição originária era a seguinte: “Art. 57. […] §4º. Cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição das respectivas Mesas, para mandato de dois anos”.
[2] “Art. 57. […] §4º. Cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição das respectivas Mesas, para mandato de dois anos, admitida, uma vez, a recondução para os mesmos cargos na eleição imediatamente subseqüente, independentemente de legislatura”. Conferir em http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD07MAI2004.pdf#page=232. p. 237.