ICMS

A Emenda Constitucional nº 87/2015 e seus desdobramentos

Elaborada para acabar com a guerra fiscal do e-commerce, norma pode abrir nova disputa entre os Estados

Júlio M. de Oliveira, Natália Mazieiro de Oliveira
21/01/2016|16:42
Atualizado em 21/01/2016 às 15:42
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Em 17 de abril de 2015, foi publicada a Emenda Constitucional nº 87/2015 que alterou substancialmente os aspectos materiais de incidência do ICMS com a finalidade de tornar mais equânime a distribuição da arrecadação do imposto entre os Estados de origem e de destino das mercadorias, em razão da evolução do comércio eletrônico.

De acordo com a regra anteriormente vigente haveria aplicação da alíquota interestadual, com consequente recolhimento do diferencial de alíquotas, apenas nas operações interestaduais destinadas a consumidores finais contribuintes do imposto. Desta forma, nas operações interestaduais destinadas a consumidores finais que não fossem contribuintes do imposto haveria a aplicação da alíquota interna do Estado de origem sem o recolhimento do diferencial de alíquotas.

Com a mudança trazida pela Emenda Constitucional, restou definido que, a partir deste mês de janeiro, nas operações interestaduais com incidência do imposto destinadas a consumidor final, deverá ser aplicada a alíquota interestadual para determinação do “quantum debeatur” a título de ICMS, com o consequente cálculo e recolhimento do diferencial de alíquotas, independentemente de o destinatário da mercadoria ser ou contribuinte do imposto.

E, em decorrência desta alteração, foi estabelecido que o recolhimento do diferencial de alíquotas será de responsabilidade do remetente nas hipóteses em que o destinatário da mercadoria não for contribuinte do imposto – que, em linhas gerais, pode ser entendido como aquele que não pratica operações comerciais que impliquem em transferência de titularidade das mercadorias, com habitualidade.

Esta alteração foi nomeada pelos legisladores como a solução normativa necessária para se pôr fim a denominada “guerra fiscal do e-commerce” que acontece há alguns anos entre as unidades federadas deste país, por consequência dos avanços tecnológicos sobrevindos.

Tais avanços na área tecnológica impulsionaram as demandas de operações interestaduais que passaram a ser praticadas habitualmente, por meios telefônicos e digitais, por diversos consumidores finais não contribuintes, ocasionando, assim, uma diminuição no consumo interno dos Estados, com consequente perda da arrecadação tributária obtida com o ICMS.

Por essa razão, foi promulgada a Emenda Constitucional nº 87/15 com a finalidade primeira de asseverar aos Estados destinatários das mercadorias e serviços o direito a arrecadação de uma parcela do imposto devido na prática de operações interestaduais praticadas com consumidores finais não contribuintes.

Todavia, apesar do fenômeno motivacional para elaboração da norma corresponder a uma necessidade social, ao avaliar a respectiva Emenda é possível constatar que faltou a devida cautela ao legislador no momento de sua constituição.

Inicialmente, é necessário observar que muito embora a norma em discussão tenha como principal finalidade pôr fim à guerra fiscal relativa ao e-commerce, ela não será aplicável exclusivamente as operações praticadas de forma remota, e, sim, a todas as operações para consumo final realizadas em âmbito interestadual por consumidores finais não contribuintes do imposto, o que implicará, inclusive, em operações presenciais, conforme veremos adiante.

Importante ressalvar também que o diferencial de alíquotas devido aos Estados de destino, promovido com o intuito de equilibrar a arrecadação entre os Estados envolvidos nas operações interestaduais, não será integralmente recolhido a estes Estados até o ano de 2019.

Antes, passaremos por um período de transição das novas regras, previsto na Emenda Constitucional, que tem por finalidade impedir que os Estados de origem sofram uma abrupta queda na arrecadação de modo repentino.

Deste modo, o responsável pelo recolhimento do diferencial de alíquotas, devido nas operações praticadas com consumidores finais não contribuintes do imposto, deverá partilhar o valor devido, destinando uma parte deste valor ao Estado de destino e outra para o Estado de origem, obedecendo ao seguinte critério previsto na norma: em 2015: 20% do diferencial para o Estado de destino e 80% para o Estado de origem; em 2016: 40%/60%; em 2017: 60%/40%; em 2018: 80%/20%; e, finalmente, em 2019: 100% ao Estado de destino.

Referida partilha, aliás, fez com que, até pouco tempo, existissem inúmeros questionamentos relativos a aplicabilidade da norma, porquanto, apesar da redação da norma dispor que as novas regras produziriam efeitos no ano subsequente, ou seja, em 2016, há previsão de partilha do diferencial de alíquotas para o 2015.

Entretanto, tal divergência encontra-se superada tendo prevalecido o escorreito entendimento de que a norma apenas deveria ser aplicada a partir deste mês, em observância ao princípio da anterioridade tributária.

Do mesmo modo, outros pontos que acenderam dúvidas nos contribuintes foram aqueles relativos à base de cálculo aplicável para o cálculo do diferencial de alíquotas e a possibilidade de aplicação de benefícios fiscais anteriormente concedidos.

Todavia, as dúvidas dos contribuintes com relação a estes pontos foram sanadas através da publicação dos Convênios ICMS nº 152 e 153, em meados de dezembro de 2015.

No que se refere a determinação da base de cálculo aplicável relativa ao diferencial de alíquotas, cumpre-nos recordar que, de acordo com a Nota Técnica nº 2015/003, publicada pela Fazenda Nacional, deveriam haver bases distintas para cálculo do imposto devido, de modo que a primeira seria utilizada para cálculo do ICMS próprio e, a segunda, para cálculo do diferencial de alíquotas, tal como ocorre na sistemática utilizada para a substituição tributária.

Entretanto, com efeito, através da publicação do Convênio ICMS nº 152/2015 restou esclarecido que haverá uma base de cálculo única para ambos os recolhimentos supramencionados.

Relativamente a aplicação dos benefícios fiscais no cálculo do diferencial de alíquotas, o Convênio ICMS nº 153 esclareceu que os benefícios deverão ser considerados no cálculo do diferencial sempre que tiverem sido autorizados por meio de Convênio ICMS.

Todavia, entendemos que ainda há diversos pontos que dificultam, se não impedem a adequada aplicação desta norma, como, por exemplo, o fato de que há unidades federadas que se quer regulamentaram as novas regras.

Neste toar, recordamos que, um dos pontos alarmantes que se necessita saber é:  como serão tratadas as operações presenciais.

Ou seja, considerando que a nova regra é aplicável a todas as operações interestaduais e não apenas aquelas praticadas remotamente: Haverá necessidade de recolhimento do diferencial de alíquotas quando um consumidor do Estado “A”, descoloca-se até o Estado “B” e adquire presencialmente sua mercadoria, retornando com ela posteriormente ao Estado “A”.

Para responder a esta questão, seria necessária a existência de legislação que determinasse o que devemos considerar como uma operação interestadual. Entretanto, como a legislação ainda não traz uma definição legal do conceito de operação interestadual, esta definição acaba por depender da interpretação dos Estados.

Neste particular, observamos que há conflito de entendimentos, pois, ora os Estados adotam o critério da circulação física da mercadoria para definição de operação interna ou interestadual, ora adotam o critério da circulação jurídica.

Com base no critério da circulação física, a operação interestadual seria caracterizada pela saída física da mercadoria do Estado. Pelo critério da circulação jurídica, a operação interestadual seria caracterizada em razão do domicílio do adquirente (em outro Estado), independente da movimentação física da mercadoria.

No intuito de disciplinar tal conceito, o Estado de São Paulo já se manifestou, por meio do Decreto 61.744/2015, dispondo que as operações destinadas a consumidores finais não contribuintes deverão ser consideradas como internas ou interestaduais com base no momento em que ocorrer a tradição, ou seja, o momento da entrega da mercadoria – não importando para sua caracterização se o consumidor possui domicílio ou inscrição no Cadastro de Contribuintes do ICMS em outra unidade federada.

Assim, nas operações ocorridas “presencialmente” no Estado de São Paulo com consumidor final não contribuinte localizado em outro Estado não haveria necessidade de recolhimento do ICMS mediante aplicação da alíquota interestadual e, tão pouco, do recolhimento do diferencial de alíquotas.

Mas, a nosso ver, este entendimento deverá motivar uma nova guerra fiscal. Em primeiro lugar, porque deste modo se está criando dois conceitos para definição de operação interestadual, sendo um para os consumidores finais contribuintes e outro para os consumidores finais não contribuintes.

E, em segundo lugar, porque diverge do entendimento de outras unidades federadas, como por exemplo o Distrito Federal, que através da Lei nº 5.546/2015, externou que há necessidade de recolhimento do diferencial de alíquotas em operações “presenciais”, visto que considera como fator determinante do aspecto espacial do ICMS o local do domicílio do adquirente.

Assim, vejamos que se um consumidor, domiciliado no Distrito Federal se deslocasse ao Estado de São Paulo e lá adquirisse uma mercadoria para consumo final e, com ela, retornasse ao Distrito Federal, o ICMS seria exigido por ambos os Estados.

É evidente que há ainda questões a serem disciplinadas, até para que se adotem critérios para o controle deste tipo de operação. Mas, independentemente disto, teremos motivações suficientes para uma nova guerra fiscal entre as unidades federadas, em que, quem perde, de fato, é sempre o contribuinte.

E, como se não fosse suficiente para o desalinho, a falta de regulamentação por diversas unidades e a divergência de entendimento entre estas em decorrência de uma mesma operação, alguns Estados como Alagoas, Goiás, Mato Grosso, Paraíba, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul  dispuseram que não irão aplicar o cadastro de contribuintes de modo simplificado para recolhimento do diferencial de alíquotas previsto no Convênio ICMS nº 152/2015.

O que concluímos diante deste cenário é que, não obstante ter sido necessária a modificação da regra constitucional do ICMS para uma distribuição mais equânime do produto da arrecadação do imposto, infelizmente ainda há lacunas que necessitam de uma digressão nos estudos e escorreita regulamentação para sua aplicação, a fim de que não gerem novas disputas administrativas e judiciais, que são, justamente, o que a nova regra buscava impedir.

O ICMS atual de apuração muito complexa modificou-se para pior e ampliou o grau de dificuldade de sua apuração.

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