Hyndara Freitas
Foi repórter do JOTA em Brasília, quando cobriu Judiciário, em especial o Supremo Tribunal Federal (STF), o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Antes, foi repórter no jornal O Estado de São Paulo
O relógio marcava 10h20 quando o juiz Vallisney Oliveira chegou à sala da 10ª Vara da Justiça Federal do Distrito Federal, dando início a audiência de custódia dos quatro presos temporariamente suspeitos de terem hackeado celulares de autoridades.
Os quatro vão permanecer presos, mas a alegação de maus tratos e falta de acesso a provas fez o juiz acolher pedidos das defesas. O magistrado atendeu pedido do Ministério Público Federal de abrir apuração para investigar alegações de maus tratos de dois suspeitos.
As prisões, feitas em São Paulo, Araraquara e Ribeirão Preto, são fruto da Operação Spoofing, que busca desarticular organização criminosa que praticava crimes cibernéticos e que teria tentado invadir o celular do ex-juiz e ministro da Justiça Sergio Moro e outras autoridades. Em depoimentos, Walter Delgatti Neto disse ter tido acesso aos celulares de quase mil pessoas e que é a fonte do portal The Intercept Brasil.
Numa audiência que durou menos de duas horas, os quatro suspeitos deram mais detalhes de como foram feitas as prisões e foram questionados sobre violações de direitos desde o momento da prisão até o encarceramento. Pouco se falou do mérito do caso, e a defesa de Walter Delgatti foi a única a destacar que seu cliente já assumiu a culpa "sozinho" por ter hackeado o Telegram de autoridades.
As defesas pediram que as prisões fossem revogadas, mas o juiz disse que não tem elementos para contrariar sua decisão que autorizou a prisão. Entretanto, determinou que todos os advogados que representam os suspeitos tenham acesso aos depoimentos e a qualquer nova prova que surgir na investigação. Única mulher a ser presa, Suelen Priscila de Oliveira ainda pode ser transferida da Penitenciária Feminina do Distrito Federal para a Superintendência da Polícia Federal, pois alegou más condições e maus tratos.
O primeiro a ser interrogado foi Gustavo Henrique Elias Santos. Único a chegar e permanecer na audiência algemado, Gustavo trajava uma camiseta cinza que deixa a mostra suas tatuagens que vão do punho até o pescoço e demonstrava certa tranquilidade. A representante do Ministério Público Federal, a procuradora Márcia Brandão, pediu detalhes de como foi a chegada da Polícia Federal em sua residência, na zona sul de São Paulo, até a prisão na Superintendência da Polícia Federal em Brasília, onde ele se encontra até agora.
Gustavo diz que estava dormindo com sua companheira quando a polícia chegou em sua casa. Questionado se havia sofrido alguma agressão, ele diz ter sido agredido verbalmente em diversos momentos. “Fisicamente, me trataram super bem, mas fui bem agredido verbalmente. Me chamaram de ‘bandido, hacker’ e outras coisas, desde o momento em que estouraram a porta. Eu estava dormindo, desde essa hora fui agredido verbalmente. Eu colaborei. Eu tenho um ‘porte grande’, talvez seja por isso que me algemaram, mas desde o começo, deixei-os a vontade, fui agredido. ‘Hacker, bandido, tá preso, perdeu’”, falou Gustavo.
Foi a vez de seu advogado, Ariovaldo Moreira, fazer perguntas. Foi aí que Gustavo disse que só após chegar em Brasília teve a oportunidade de ligar para seu advogado – alegação que seria repetida minutos depois por sua companheira Suelen. Ele falou que pediu aos policiais que ligassem para seu advogado, mas esse direito foi-lhe negado. Foi somente por volta das 23h que o próprio Ariovaldo conseguiu falar com o cliente, após ligar várias vezes para a Polícia Federal. Os questionamentos não duraram mais do que 15 minutos, e foi a vez de Suelen entrar na sala.
A mulher, de 24 anos, entra na sala visivelmente nervosa. Com um moletom laranja e um coque no cabelo preto, Suelen tem suas frases interrompidas pelo próprio choro diversas vezes. Antes mesmo de responder a qualquer pergunta, ela diz ser inocente. “Nunca fiz mal a ninguém, me trataram mal, fizeram piadinha comigo. Deus sabe de todas as coisas”, fala.
A procuradora repete as mesmas perguntas que havia feito a Gustavo, pedindo detalhes de como foi a prisão. Suelen responde que estavam dormindo quando a polícia chegou, e que os agentes fizeram várias perguntas. “Eles nos algemaram, colocaram uma cinta, trataram a gente super mal, como se a gente fosse bandido”, disse, olhando para baixo, longe do olhar da procuradora, do juiz e do advogado. Suelen diz também que foi só após as 22h que teve a chance de ligar para Ariovaldo, que também a representa, mas conta que está sofrendo maus tratos também na Penitenciária Feminina do Distrito Federal, a Colmeia.
“Me trataram mal, fizeram muitas piadinhas, fiquei sem papel higiênico, sem absorvente, tive que tomar água do chuveiro na penitenciária. ‘Olha a hacker, toma cuidado com celular’, falaram essas coisas”, disse, acrescentando que ainda passou frio durante a noite por não ter cobertor para dormir. Volta e meia, Suelen voltava a dizer que era inocente. “Eu não tenho nada a ver com isso, não sou uma ameaça para ninguém”.
Por volta das 10h50, é a vez de Danilo Cristiano Marques entrar na sala. Dos quatro, ele é quem demonstra maior tranquilidade. Quando questionado pela representante do MPF se houve algum prejuízo ou violação desde que foi preso, Danilo responde falando do prejuízo financeiro. Ele conta que fazia um curso de primeiros socorros em uma empresa de Araraquara, e após esse curso, seria contratado para um cargo de eletricista. Ele diz que foi durante o curso, na própria instituição, que foi preso, à vista de todos os colegas.
Danilo não deixa de olhar para quem o interroga por nem um momento. Senta-se segurando o próprios joelho com as duas mãos e diz, por diversas vezes, que não houve nenhum excesso por parte dos policiais. “Só pegaram, colocaram eu de costas e disseram que eu estava sendo preso, direto. Pegaram meu computador e meu celular, só isso”, falou. “Na hora, achei até que era uma brincadeira, o cara falou ‘perdeu, Polícia Federal,’ tiraram tudo o que tinha nos meus bolsos. Ele [policial] pediu a senha do meu celular, perguntando coisas, simulando coisas. Eu falei ‘não sei nem o que está acontecendo’, mas os policiais foram bem educados”, contou o suspeito, que diz estar cursando o terceiro semestre de Direito, na Uniarara.
Os policiais levaram Danilo de Araraquara a Ribeirão Preto de carro e, de lá, foi levado de avião para Brasília. Os quatro suspeitos foram levados no mesmo voo. Questionado sobre as condições da Superintendência da PF, onde está preso junto a Gustavo e Walter Delgatti Neto, Danilo também não fez críticas. “Eu nunca tinha sido preso, mas parece que é boa, tem colchão. O banheiro é um banheiro de cadeia, nunca fui preso, então eu não posso comparar, mas um banheiro normal”, falou Danilo.
Ao contrário de Gustavo e Suelen, diz que os policiais lhe perguntaram algumas vezes se ele queria ligar para advogados e familiares – mas recusou. “Como a minha mãe é idosa, e eu nem sabia o que estava acontecendo, preferi não ligar. Como é que eu ia falar que estava indo pra Brasília?”, questionou. Danilo é representado pela Defensoria Pública da União.
Já passa das 11h quando Walter Delgatti Neto chega à sala de audiência, vestindo um terno azul escuro. O cabelo e barba ruiva indicam o motivo do apelido, Vermelho, e o suspeito aparenta tranquilidade. O tom de voz baixo mal deixava qualquer pessoa além dos advogados, do juiz e da procuradora ouvir seu depoimento, mas assim como Danilo, diz que foi bem tratado pelos policiais desde a sua prisão, em Ribeirão Preto, até a vinda para Brasília.
“Sem me algemar nem nada, me levaram até o aeroporto. Eu fui encaminhado até a delegacia, e lá me trataram super bem. Na prisão, um colchão padrão, tudo certinho, eu não tenho nenhuma irregularidade. Tem banho a vontade, mas sem banho de sol”, falou Delgatti, que reitera o tempo todo que auxiliou a Polícia Federal na investigação e que a PF já tem todas as provas que precisa. “Foi apreendido um notebook, outro notebook da Apple e, salvo engano um HD externo, e meu celular”, falou Vermelho, que é o único a admitir culpa na invasão de Telegram de autoridades.
O suspeito ainda contou que toma medicamentos psiquiátricos por conta da hiperatividade e déficit de atenção. Disse que já foi preso uma vez, por seis meses, e que está sendo melhor tratado desta vez. Questionado sobre sua ocupação, Delgatti disse auxiliar estudantes universitários com monografias e disse ganhar bem com isso. “Auxilio o pessoal da faculdade com monografia, trabalhos, da medicina, farmácia. Eu auxilio eles, por isso tenho uma renda boa”, falou, sem detalhar que tipos de ajuda dá. Delgatti também disse estudar Direito.
Delgatti já responde processos por tráfico de remédios e estelionato, e foi o único a dizer em depoimento, até agora, que é o autor das invasões a celulares de autoridades. Ele chegou a detalhar como conseguiu o telefone de diversas autoridades, entre membros do Executivo, Judiciário e Legislativo, e como chegou até Glenn Greenwald, editor e fundador do Intercept Brasil, para quem teria passado os conteúdos das mensagens.
Por enquanto, os quatro permanecem presos. O prazo da prisão temporária se encerra no dia 1º de agosto e pode ser convertida em preventiva – caso não seja, os suspeitos devem ser liberados e aguardar o julgamento em liberdade.