
A designação de audiência de conciliação entre réu e vítima em casos de violência doméstica não é obrigatória. Esse foi o entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), que concedeu liminar à Defensoria Pública do Estado contra decisão de primeiro grau que determinava a realização da audiência, mesmo com manifestação contrária da vítima.
Trata-se de um agravo de instrumento interposto pela defensora Vanessa Chalegre França, da 9ª Defensoria de Itaquera, contrário à decisão que designou audiência de conciliação num caso de divórcio litigioso envolvendo violência doméstica. Um despacho que prejudicaria, inclusive, o cumprimento da medida protetiva concedida a ela.
Numa audiência de conciliação judicial, as partes envolvidas ficam frente a frente. A ideia é tentar solucionar o conflito de interesses, por intermédio do juiz.
A decisão monocrática foi concedida no último 13 de maio pelo desembargador José Carlos Ferreira Alves, da 2ª Câmara de Direito Privado do TJSP. O magistrado argumentou que, embora o Novo Código de Processo Civil (CPC) estimule o uso das audiências de conciliação, o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana tem prioridade.
“Assim, ao menos em princípio, não se mostra plausível obrigar a autora a comparecer à audiência de conciliação e encontrar o réu, se alega ser vítima de violência doméstica por ele praticada”, sustentou Alves.
Os incisos I e II do § 4º do artigo 334 do CPC dispõem que a audiência de conciliação não será realizada se ambas as partes manifestarem, expressamente, desinteresse na composição consensual ou quando não for admitida a autocomposição.
Revitimização
Ao citar a Lei nº 11340/2006, Lei Maria da Penha, que definiu a violência doméstica e familiar contra a mulher como uma forma de violações de direitos humanos, a defensora observou que a decisão de primeira instância estava em desacordo não só com a legislação brasileira, mas também com os pactos internacionais assinados pelo Brasil.
Em sua argumentação, a defensora apontou ainda que a Lei nº 13140/2015, Lei da Mediação, prevê como princípio orientador a isonomia entre as partes – “o que não é verificado em uma relação permeada pela desigualdade, violência e subordinação, principalmente quando há violência recente e direcionada para manter o relacionamento”.
A aplicação das soluções consensuais de conflitos, segundo ela, deve observar a autonomia da vontade das partes e dos direitos individuais, excepcionando sua aplicação quando a autocomposição (ou transação) é inadmissível, a exemplo dos casos de violência doméstica.
“O fato de colocar as partes frente a frente revitimiza a mulher em situação de violência doméstica e familiar ou pode, até mesmo, colocar a mulher em risco, nos casos em que há perigo de que novas violências aconteçam”, defende França.
Efeito pedagógico
A defensora pública federal Nara de Souza Rivitti elogiou a decisão obtida pela colega da Defensoria estadual. “Essa decisão tem um imenso valor pedagógico”, avalia.
Segundo ela, não é raro que varas de família tentem recompor o núcleo familiar mesmo em casos de divórcio motivados por violência doméstica. “É preciso que as varas de família olhem de maneira mais integrada, mais ampla, para a situação da mulher, não apenas com esse ideal de reconciliação familiar.”