Banco Central

Doce veneno: a tentadora intenção de tabelar os juros bancários por lei

PEC 160 de 2015 não colaborará com o país, gerando insegurança jurídica e desestímulo ao desenvolvimento dos demais mercados

03/08/2016|13:06
Atualizado em 25/04/2018 às 16:35
Remuneração - receitas financeiras - parcelamento
Crédito: fotolia

Eis que se finda o recesso legislativo do meio do ano. A qualquer momento, já será possível a retomada da discussão, na Câmara dos Deputados, sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 160 de 2015, que pretende limitar a taxa de juros praticadas pelos bancos. A matéria tramita na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC) e poderá ser pautada a qualquer momento, para análise da admissibilidade.

Se o voto pela admissibilidade for aprovado na CCJC, a matéria seguirá a tramitação de uma PEC, em Comissão Especial, para o exame do mérito da proposição. Daí em diante, aqui cito de maneira simplificada, a matéria precisará ser aprovada por 3/5 do Plenário em dois turnos e, posteriormente, passar pelo crivo do Senado Federal. Mais detalhes sobre a tramitação podem ser acessados nos artigos 201 a 203 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, bem como nos artigos 354 a 373, do Regimento Interno do Senado Federal. Apesar do longo caminho a ser percorrido, a proposta é de causar preocupação. Vale citar que a Constituição de 88 já passou por pelo menos 92 alterações por meio de emendas.

O texto da PEC pretende estabelecer que “as taxas de juros praticadas pelas instituições financeiras em suas operações de crédito de qualquer natureza ou finalidade não poderão exceder ao limite de três vezes a taxa básica de juros estabelecida pelo Banco Central do Brasil”.

A limitação das taxas de juros funciona como um mecanismo de controle de preços, a exemplo do praticado pelo congelamento de preços do Plano Cruzado (1986). O efeito dessa política é sempre o mesmo: o desequilíbrio entre oferta e demanda, culminando na escassez dos produtos no mercado.

No mercado financeiro não seria diferente. Os juros, por consistirem na remuneração do capital, afetam o nível de poupança em um país. Pela lógica de oferta e demanda, taxas mais altas atraem capital para o país e taxas mais baixas incentivam a fuga de recursos para opções de investimento mais rentáveis. Com a redução do nível poupança (provocada pela baixa remuneração das taxas indexadas), há, consequentemente, menor disponibilidade de recursos a serem emprestados, o que torna a concessão do crédito mais restritiva e criteriosa. Assim, aqueles empreendedores que precisam de crédito para financiar a continuidade das operações da empresa (capital de giro) ou os empreendedores em potencial que necessitavam de crédito para iniciar seus negócios são impedidos de manter seus empreendimentos. O efeito é a restrição do crédito, e não sua ampliação, como objetiva propostas que visam limitar os juros a fim de tornar o crédito acessível.

Desde 2003, por ocasião da promulgação da Emenda Constitucional nº 40, o parlamento decidiu eliminar a limitação de juros por meio de lei. Na época, o legislador entendeu que deveria “permitir que o Sistema Financeiro Nacional seja regulado por leis complementares e não por lei complementar única, que, consoante entendimento reiterado do Supremo Tribunal Federal, o regularia como um todo”, conforme parecer aprovado na época pela Comissão de Constituição e Justiça, da Câmara dos Deputados. Assim, percebe-se que a ideia de limitar os juros por meio de norma não é novidade.

Vale lembrar que, em 1933, Getúlio Vargas limitou a cobrança de juros por meio do Decreto nº 22.626. A medida foi tomada no terceiro ano de seu “Governo Provisório” (que durou 15 anos). Para se ter uma ideia, na época a restrição ao ingresso de imigrantes era medida que constava da política pública de emprego.

Já em 1976, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula nº 596, para corrigir essa distorção, estabelecendo que “as disposições do Decreto 22.626/33 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o sistema financeiro nacional”. Na época, o entendimento firmou-se no fato de a Lei nº 4.595 de 1964 ter estabelecido que “as operações com instituições de crédito funcionam sob o estrito controle do Conselho Monetário Nacional” [1]. Assim, em 1976, a Suprema Corte pôs fim ao tabelamento de juros no Brasil.

Mais adiante, no dia seguinte à promulgação da Constituição da República de 1988, a Consultoria-Geral da República (CGR) se posicionou, no Parecer SR 70, demonstrando os efeitos nocivos da limitação da taxa de juros por meio de lei. A possibilidade de fuga de recursos para mercados mais atrativos, a eventual necessidade de aporte de recursos públicos para evitar a quebra de instituições e a indevida intervenção do Estado para engessamento do mercado financeiro, poderiam afetar negativamente a economia nacional, gerando desequilíbrio social, jurídico e econômico. Em 88, o § 3º, artigo 192 da recém aprovada Constituição havia instituído novamente o controverso tabelamento de juros, na ocasião limitou-o à 12% ao ano. A CGR, atual Advocacia-Geral da União (AGU), recomendou que a norma só viesse a entrar em vigor após a edição de lei complementar que tratasse de todo o sistema financeiro.

Após ouvir o Banco Central do Brasil, ainda em 1988, o Poder Executivo manifestou dez preocupações relevantíssimas com a eventual possibilidade de tabelar os juros:

1 – Desintermediação financeira, ou seja, formação de mercado de crédito informal;

2 – Perda de transparência no nível praticado nas taxas de juros, na medida em que as instituições financeiras passarem a exigir maior reciprocidade dos clientes;

3 – Desestímulo à poupança financeira, em especial no que se refere às aplicações de longo prazo, que exigem taxas de juros flexíveis de acordo com os riscos envolvidos;

4 – Estímulo ao endividamento das famílias;

5 – Fuga de capitais das aplicações financeiras para aplicações especulativas e para ativos reais, pressionando os preços relativos, bem como para aplicações no exterior;

6 – Dificuldade na condução política monetária, pela inviabilização de ajustes na taxa de juros;

7 – Aumento do risco de hiperinflação;

8 – Incompatibilidade com o sistema de taxas flutuantes que vigora no sistema financeiro internacional;

9 – Necessidade de aplicação de uma política fiscal apertada, por dificultar o financiamento interno e externo;

10 – Incompatibilidade com o atual nível de tributação sobre operações financeiras.

Esses são riscos que foram apontados em 1988, conforme diagnóstico da autoridade reguladora do sistema financeiro nacional, mas eles continuam a causar preocupação quase trinta anos após a entrada em vigor da Carta Magna.

Ante as manifestações do Banco Central do Brasil e o parecer da Consultoria-Geral da República, a Presidência da República assinou o Parecer SR n º 70, o qual passou a ter efeito normativo. Isto, porque parecer da CGR (atual AGU) aprovado e publicado juntamente com o despacho presidencial vincula a Administração Federal, cujos órgãos e entidades ficam obrigados a lhe dar fiel cumprimento.

Inconformado com o parecer da CGR, o Partido Democrático Trabalhista (PDT) ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 4, em 12 de outubro de 1988, no Supremo Tribunal Federal. No mérito, por maioria, a ação foi julgada improcedente, assim, a Suprema Corte definiu que seria necessária lei complementar para regulamentar o tabelamento dos juros. [2]

Anos depois, em 2003, como vimos acima, a aprovação da Emenda Constitucional 40 pôs fim ao tabelamento de juros em nosso ordenamento jurídico.

O atual momento de reorganização da economia do Brasil exige responsabilidade do nosso parlamento, para evitar que a eventual aprovação da admissibilidade dessa PEC na Câmara dos Deputados crie expectativas negativas em um mercado em recuperação. É importante lembrar que o atual desaquecimento da economia, resultou em redução de lucros das instituições financeiras no início de 2016. Outro ponto importante é o fato de que entre 2011 e 2016, segundo dados do Fundo Garantidor de Crédito (FGC), nove instituições financeiras faliram ou entraram em processo de liquidação. [3]

A necessidade de financiamento do setor público, as expectativas de inflação, a pesada carga tributária, o saldo de transações com o exterior, o elevado índice de inadimplência e o depósito compulsório são fatores que influenciam a taxa de juros no Brasil. Ao contrário do que muitos acreditam, os bancos não têm interesse na manutenção de elevados custos para o tomador final. Taxas elevadas para o tomador de crédito não só aumentam o risco de inadimplência, como reduzem a demanda por crédito, gerando resultados negativos para a intermediação financeira e para o banco.

A diferença entre a captação e a oferta do crédito precisa ser atrativa, ou no mínimo racional. Portanto, percebe-se que a eventual aprovação dessa PEC implicaria em aumento de custo para o Estado, por meio da ampliação de subsídio, aporte de recursos aos bancos estatais e equalização de taxas de juros (entre outros efeitos), para manter o funcionamento do mercado de crédito e o financiamento das atividades do setor produtivo. O Estado está passando por uma fase de ajuste fiscal e precisa direcionar seus esforços para outras finalidades. Neste caso, está claro que o mercado sob supervisão do Banco Central tem condições de encontrar saídas mais adequadas que o tabelamento (ou indexação) de juros. A lei não pode alterar de maneira artificial a realidade econômica. A atual situação dos nossos vizinhos venezuelanos nos serve de clara lição.

Como exemplo de medidas mais eficazes, observa-se o efeito que a adoção de garantias imobiliárias, como alienação e hipotecas, causou na trajetória das taxas de juros dessa modalidade de crédito, provocando uma tendência de queda vertiginosa. O aperfeiçoamento de mecanismos que garantam maior segurança ao credor é medida mais simples e eficaz para alcançar o fim proposto, uma vez que viabiliza a redução do custo derivado do risco de inadimplência, uma das principais rubricas no spread bancário, sem causar distorções nesse mercado.

Nosso país precisa estar alinhado com as práticas contemporâneas de países desenvolvidos, onde não se fala em adoção de medidas típicas de países estatizantes. O momento requer que o Brasil reforce a sua orientação constitucional de garantir segurança jurídica para a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, com a finalidade de assegurar a todos existência digna. Somente com o respeito à livre iniciativa e o estímulo ao empreendedorismo é que será possível superar a atual crise econômica, para que o Brasil volte a crescer e gerar empregos, como previsto no art. 170, da Constituição da República.

Assim, podemos constatar que a PEC 160 de 2015 não colaborará com o país, gerando insegurança jurídica e desestímulo ao desenvolvimento (ou financiamento) dos demais mercados, prejudicando a atividade econômica, sendo prudente o arquivamento dessa iniciativa. Em que pese parecer doce a possibilidade de alterar o ordenamento jurídico para tabelar a cobrança de juros, a medida poderá ser um veneno que asfixiaria a economia.

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1 - http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=176931

2 – www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=1480210

3 - http://www.fgc.org.br/upload/saneamento_pa_p.pdflogo-jota