Após o empate em plenário virtual, o Supremo Tribunal Federal (STF) proclamou o resultado do julgamento nesta sexta-feira (5/5) e derrubou a liminar do ministro André Mendonça sobre a suspensão de processos judiciais que tratem de compra e venda de terras por estrangeiros. Diante do placar de 5 a 5, a Corte utilizou o artigo 146 do Regimento Interno do STF, que diz que em caso de empate por ausência de ministro, vale a negativa da demanda, ou seja, a solução contrária à proposta. Esse foi o primeiro empate após a saída do ministro Ricardo Lewandowski, no dia 11 de abril.
Dessa forma, voltam a tramitar todos os processos judiciais suspensos desde o dia 26 de abril pela liminar de Mendonça que versem sobre a validade da aquisição de imóveis rurais por empresas brasileiras com a maior parte do capital social pertencente a pessoas físicas estrangeiras residentes no exterior ou jurídicas que tenham sede no exterior.
Votaram pelo não referendo da decisão os ministros Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Rosa Weber e Gilmar Mendes. Alexandre de Moraes redigirá o acórdão. Os ministros Edson Fachin, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Nunes Marques concordaram em manter a liminar de Mendonça.
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Entenda a discussão sobre a venda de terras para estrangeiros
No dia 26 de abril, o ministro André Mendonça atendeu a um pedido do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e suspendeu todos os processos judiciais em trâmite no Brasil que tratavam sobre a validade da aquisição de imóveis rurais por empresas brasileiras com a maior parte do capital social pertencente a pessoas físicas estrangeiras residentes no exterior ou jurídicas que tenham sede no exterior. A suspensão não se estendeu a processos administrativos e negócios jurídicos em curso, assim, cartórios de registro de imóveis continuaram atuando.
Mendonça suspendeu os processos em uma liminar proferida tanto na Ação Cível Originária (ACO) 2.463 quanto na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 342, que tratam sobre a aquisição de terras por estrangeiros no país, bem como dos negócios de compra e venda de terras propriamente. A discussão centra-se no fato de o artigo 1º, § 1º, da Lei 5.709/1971 ter sido recepcionado ou não pela Constituição de 1988.
Para o ministro, como os julgamentos das duas ações estão paralisados por um pedido de destaque do ministro Gilmar Mendes e, portanto, pendente de inserção do julgamento na pauta do plenário, a suspensão nacional faz-se necessária para evitar insegurança jurídica no país.
Em seu voto, Mendonça lembra que o julgamento foi interrompido após o voto do ministro Alexandre de Moraes, que divergiu do relator, Marco Aurélio – antecessor de Mendonça no STF. Marco Aurélio já tinha o apoio de Nunes Marques, portanto, o placar estava 2 a 1.
A OAB pediu em março deste ano para ingressar como terceiro interessado nas ações. Foi neste pedido que foi feita a solicitação de suspensão nacional dos processos por entender que a lei como está gera o fenômeno da estrangeirização de terras no Brasil.
Lei de Terras
Há duas ações no STF discutindo o assunto da aquisição de terras por estrangeiros. A ADPF 342 foi ajuizada em 2015 pela Sociedade Rural Brasileira (SRB), com o objetivo de que o Supremo reconheça a incompatibilidade da Lei 5.709/71, que regula a aquisição de imóveis rurais por estrangeiros, com a Constituição Federal. A SRB alega que a lei traz tratamento diferenciado a pessoas jurídicas nacionais de capital estrangeiro, violando os preceitos da livre iniciativa, do desenvolvimento nacional, da igualdade, de propriedade e de livre associação.
Já a ACO 2463 foi proposta pela União e pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) contra o estado de São Paulo, buscando anular um parecer da Corregedoria-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, que dispensou os tabeliães e os oficiais de registro de observarem o previsto na lei sobre a aquisição de imóveis rurais por estrangeiros.
O julgamento das duas ações começou em conjunto, o relator, ministro aposentado Marco Aurélio, entendeu que a ADPF 342 é improcedente. “A norma atende à proporcionalidade em sentido estrito na medida em que não inviabiliza a aquisição de terras, mas a regula, direcionando, à liberdade econômica, restrição razoável frente à consecução de preceitos fundamentais”, escreveu o ministro.
Para ele, a terra rural ocupa “posição nuclear na condução dos assuntos econômicos tendo em conta a distribuição desigual”. E acrescentou: “A atuação estatal mostra-se promotora da paz e justiça sociais. A assim não se concluir, a liberdade absoluta à circulação de capital estrangeiro ensejaria graves reflexos do capital especulativo na questão agrária, com o aumento de latifúndios e conflitos agrários”.
Já na ACO 2463, Marco Aurélio entendeu que o parecer da corregedoria de São Paulo é nulo, uma vez que o ato foi elaborado levando em conta a incompatibilidade, com a Constituição Federal, do dispositivo da lei que regulamenta a aquisição de terras, a partir de um julgamento do Tribunal de Justiça de São Paulo. “Tem-se a ilegalidade, uma vez que o pronunciamento sobre a não recepção ocorreu em sede de controle concreto e incidental de constitucionalidade. Apenas o Supremo, atuando no controle abstrato, com eficácia vinculante e contra todos, pode retirar do mundo jurídico a referida norma”. O ministro aposentado foi seguido por Nunes Marques nas duas ações.
O ministro Alexandre de Moraes discorda de Marco Aurélio nas duas ações. Para Moraes, o artigo 171, I, da Constituição, ao definir o conceito de empresa brasileira, não fez distinção entre empresa brasileira de capital nacional e empresa brasileira de capital estrangeiro, “razão pela qual as restrições previstas no § 1º do artigo 1º da Lei 5.709/1971, não mais se justificariam”. Para o ministro, mesmo a alteração no dispositivo, feita em 1995, não altera o fato da lei não ter sido recepcionada pela Constituição de 1988.
“Não restavam dúvidas, portanto, sobre a impossibilidade de tratamentos discriminatórios permanentes entre empresas brasileiras de capital nacional e de capital estrangeiro, após a promulgação da Constituição Federal de 1988, ao menos na vigência da redação original do artigo 171”, diz Moraes.