Luiz Felipe Eustaquio
associado do Tauil & Chequer Advogados
Em 2017 vivenciamos a retomada do mercado de capitais brasileiro, especialmente no que se refere às ofertas de ações. Até o final do referido ano, foram precificadas 26 ofertas de ações, considerando ofertas públicas e ofertas públicas com esforços restritos. Esse número coloca 2017 como o terceiro ano com maior quantidade de operações desse tipo desde 2006, ficando atrás apenas de 2007 e 2006, que tiveram, respectivamente, 76 e 43 ofertas públicas de ações [1].
A ideia do presente texto não é explicar as causas ou razões da retomada das ofertas de ações, mas sim uma consequência que pode surgir desse aumento. Com o aquecimento do mercado de capitais e o aumento do apetite e da euforia dos investidores, os próximos anos podem apresentar excelentes oportunidades para as companhias que pretendem acessar o mercado. Com isso, uma preocupação que surge é se realmente as companhias estão prontas para abrir o seu capital. O cenário atual para ofertas de ações é totalmente diferente de 2006 e 2007, tanto em termos de volume de documentos, requerimentos adicionais de compliance e controle de riscos, bem como da análise dos investidores, que estão mais atentos e seletivos. Naquela época, era raro uma operação não ser precificada, o que é bastante comum hoje em dia, em razão, inclusive, dessa análise mais criteriosa dos investidores.
Muitas companhias que fizeram seu IPO na década passada não estavam preparadas, o que, cumulado com a redução da liquidez que o mercado apresentou após 2007, resultou em um fracasso na negociação de suas ações.
Como o IPO representa um evento único na vida de uma companhia e de seus acionistas, para evitar um baixo desempenho na negociação das ações pós-IPO, as companhias devem se preparar muito bem antes de acessar o mercado de capitais, até para evitar que anos de trabalho e investimentos sejam desperdiçados.
Os acionistas e os administradores devem buscar implementar uma estrutura forte de governança corporativa e de procedimentos adequados antes de acessarem o mercado, uma vez que é mais fácil e menos custoso fazer isso quando a companhia não está sujeita às normas de divulgação de informação aplicáveis para companhia abertas.
Nesse sentido, as etapas para a companhia se preparar para o IPO podem incluir, por exemplo, a simplificação da estrutura de capital, uma vez que a existência de mais de uma classe de ação, bem como de opções ou títulos conversíveis em ações, podem não ser permitido ou adequado para a companhia após o IPO; a movimentação de ativos para dentro ou para fora da companhia e/ou reestruturações intragrupo para evitar confusão entre o patrimônio da companhia e de seus acionistas, fazer com que a companhia opere de forma mais eficiente em seu core business, maximize seu valuation e tenha uma melhor estrutura fiscal; a composição de um board de tamanho e competência adequados, visando não só profissionais que entendam do business da companhia, mas que também garantam uma composição heterogênea de formação profissional, cultura, faixa etária e gênero, que colaborarão com uma visão muito mais ampla e completa; e a formalização de eventual relação comercial existente entre a companhia, seus acionistas e partes relacionadas, incluindo empresas de cost sharing de seu grupo comercial.
Além das medidas citadas acima, também devem ser consideradas, a revisão dos instrumentos que regem o relacionamento dos acionistas da companhia, como acordo de acionistas, para excluir, por exemplo, eventual disposição que imponha quórum qualificado para determinadas deliberações, o que não é permitido para companhias abertas; a revisão e alteração do estatuto social e dos regimentos internos da companhia; a organização ou revisão, em conjunto com o auditor, das demonstrações financeiras e dos controles internos da companhia; a revisão ou implementação dos programas de compensação da administração; a revisão ou implementação de regras de governança corporativa, incluindo política de compliance, e a criação de comitês específicos (por vezes obrigatório, inclusive); a revisão das políticas de comunicação da companhia e implementação um programa formal de relações com investidores, com número adequado de funcionários altamente especializados; e criação ou atualização do website da companhia.
Importante ressaltar que algumas das medidas mencionadas nos parágrafos acima são obrigatórias pela regulamentação da CVM ou dependendo do nível de listagem da bolsa de valores (B3), no entanto, quanto mais preparada e organizada a companhia estiver antes de acessar o mercado, mais valor estará agregando às suas ações e, consequentemente, maior será a chance de êxito nessa difícil empreitada que é um IPO.
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[1] Dados da ANBIMA.