Administração Pública

A importância da criação do MPC e da carreira de Conselheiro Substituto no TCM-SP

Debate é essencial para que o tribunal siga em processo de aperfeiçoamento contínuo

conselheiro substituto TCM
Sede do Tribunal de Contas do Município de São Paulo / Crédito: Divulgação/TCM-SP

A Constituição Federal de 1988 atribuiu aos Tribunais de Contas suas atuais funções e características: independência e autonomia para fiscalizar a aplicação dos recursos públicos. Além disso, estabeleceu definições importantes sobre a composição e a forma de funcionamento desses órgãos, determinando, em especial, que esses órgãos de controle externo possuam pluralidade em sua instância decisória.

A maioria das Cortes de Contas, muitas delas oriundas dos antigos “Conselhos de Contas”, já estavam constituídas no momento da promulgação do texto constitucional. Nesse sentido, houve muitas discussões no Poder Judiciário sobre as funções das instituições de controle externo, suas prerrogativas e estruturas internas.

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Nos 35 anos que se seguiram à promulgação da CF de 1988, foram debatidas diferentes questões e o teor das decisões serviu para moldar a forma de atuação dos Tribunais de Contas, com impacto direto nos resultados de suas ações, em um processo natural de evolução institucional frente à nova Carta Magna.

Para proporcionar pluralidade aos órgãos de controle externo, a Constituição prevê que parte dos membros da instância decisória deve ser indicada pelo chefe do Poder Executivo e parte pelo Legislativo. Além disso, atualmente, parte é reservada para as carreiras técnicas de Conselheiros Substitutos e para membros do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, ambos selecionados por concursos públicos específicos para essas carreiras.

Todos esses membros, juntos, constituem o órgão máximo deliberativo de um Tribunal de Contas, o Tribunal Pleno, e são eles que efetivamente julgam os processos e deliberam sobre medidas administrativas, definindo, portanto, os resultados práticos dos trabalhos realizados pelos auditores de controle externo nas fiscalizações.

O Tribunal de Contas do Município de São Paulo (TCM-SP) é o único do país que não possui as referidas carreiras técnicas em sua instância máxima decisória.

Abordando essa questão, este artigo se baseou no conteúdo do trabalho realizado pelo Grupo de Estudos sobre Carreiras Técnicas do TCM-SP[1], cujo relatório foi disponibilizado para a Associação dos Auditores de Controle Externo do TCM-SP (AudTCMSP), após solicitação.

As funções das carreiras técnicas nos Tribunais de Contas

O ordenamento jurídico vigente atribui aos Tribunais de Contas, essencialmente, o papel de agentes de accountability horizontal – o que ocorre quando um poder fiscaliza o outro sobre o dever de prestar contas em relação à gestão financeira e orçamentária da Administração Pública.

Essa conformação se materializa nas competências elencadas nos artigos 70 a 75 da Constituição Federal. Delas são extraídas, pela jurisprudência e pela doutrina, um conjunto de funções atribuíveis às Cortes de Contas[2]. Diversos fatores devem estar presentes para o exercício pleno dessas funções, inclusive a existência e o regular funcionamento das carreiras técnicas nas estruturas institucionais.

Sendo assim, vislumbrar a existência das carreiras técnicas no TCM-SP se apresenta como uma oportunidade de aperfeiçoar suas funções, especialmente no que tange às funções sancionadora e judicante.

A atuação dos membros do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas está diretamente relacionada à concretização da função sancionadora[3], uma vez que possuem a prerrogativa de pleitear ações concretas para a efetivação de medidas sancionatórias, com a finalidade de que os gestores cumpram suas competências legais, melhorando assim a Administração Pública.

A atuação desses membros ocorre de forma concomitante aos julgamentos e votos dos conselheiros, integrando os processos com manifestações sobre o conteúdo julgado, com imparcialidade sob os pontos de vista legal e do interesse público. Portanto, essa carreira possui a função de acompanhar a regularidade das atividades do próprio Tribunal de Contas nos processos julgados, visando o interesse público.

A efetivação das competências dos membros do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas varia a depender da Corte de Contas, sendo possível especificar quais serão os processos em que haverá sua manifestação, os momentos processuais em que atuarão e a forma de atuação. Cabe destacar que essa possibilidade de adoção de diferentes formas de atuação pode contemplar até mesmo a incorporação das funções a uma estrutura interna denominada Procuradoria Especial, como ocorre no Tribunal de Contas do Município do Rio de Janeiro (TCM-Rio).

Quanto à função judicante, que contempla a competência ordinária de julgamento das contas dos administradores e demais responsáveis e também a competência especial para julgar as contas daqueles que deram causa a perda, a extravio ou outra irregularidade que resulte em prejuízo ao erário, ela é materializada pelas atribuições dos Conselheiros e dos Conselheiros Substitutos.

Os Conselheiros Substitutos possuem a função precípua de substituir os Conselheiros em seus afastamentos, sendo reservadas a eles, na substituição e no exercício da judicatura, as mesmas garantias e impedimentos dos titulares. Além disso, os substitutos também exercem regularmente a função judicante, presidindo e relatando processos a eles atribuídos pelo regimento interno, e apresentando propostas de decisão a serem ratificadas pelos membros efetivos, com o potencial de proporcionar maior celeridade na tramitação e no julgamento de processos.

Adicionalmente, dada a qualificação técnica dos aprovados em concurso para esses cargos, quando não estão em substituição, podem ainda contribuir para a administração interna, participando de comissões e grupos técnicos e apresentando sugestões de melhoria regimentais. Cabe destacar que as atribuições desses membros não se confundem com as dos auditores de controle externo, responsáveis pela instrução dos processos de fiscalização.

É importante ressaltar que as competências exclusivas das carreiras técnicas mencionadas já foram objeto de muitas discussões no Poder Judiciário[4], que garantiu a exclusividade de suas funções aos detentores dos cargos aprovados em concurso público específico, não sendo possível sua ocupação por aprovados para cargos de procurador da fazenda municipal ou por auditores de controle externo.

O contexto legal do TCM-SP

Desde sua criação em 1968, o TCM-SP tem o Tribunal Pleno composto por 5 conselheiros, sendo 2 indicados pelo chefe do Executivo e 3 pela Câmara Municipal, sem a previsão das carreiras técnicas nesta instância máxima de decisão. Durante os afastamentos, a substituição de seus membros titulares é feita por meio de uma lista enviada anualmente ao prefeito, e que possui alguns requisitos[5], mas não a aprovação em concurso.

Nos últimos 35 anos, a adequação constitucional da estrutura do TCM-SP foi levada à apreciação do Poder Judiciário em quatro oportunidades[6], sendo uma pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) e as outras três pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Embora o Poder Judiciário tenha decidido não haver inconstitucionalidade na atual composição da Corte Municipal, essas decisões denotam a possibilidade de se aprimorar a estrutura pela via legislativa, à luz do interesse público.

Além de não existir impedimento para essas alterações, é possível extrair das decisões da Suprema Corte, em obter dictum[7], que seria recomendável, como uma “sugestão de melhoria”, a participação de técnicos no Tribunal Pleno.

A instituição das carreiras técnicas no TCM-SP

A alteração da estrutura da Corte de Contas paulistana poderia representar ponto relevante de modernização institucional.

No caso, nos referimos ao voto do ministro-relator Gilmar Mendes, acompanhado por maioria, no julgamento da ADIs 346 e 4776 no qual constou que “…deveria o poder municipal, por meio de sua Lei Orgânica, buscar uma fórmula que possibilitasse a composição heterônoma no Tribunal de Contas do Município, com a indicação das vagas técnicas de auditores e membros do ministério público, e que seja compatível com as 5 vagas existentes”. E também: “…Apenas sugerindo que seria de bom alvitre permitir a participação de técnicos na sua composição”.

A inclusão das carreiras técnicas em sua estrutura tem o potencial de aprimorar a efetividade e a celeridade dos resultados práticos dos trabalhos de fiscalização.

Cabe ressaltar a situação do TCM-Rio, que, apesar de possuir o mesmo aspecto sui generis, pois tem apenas um município como jurisdicionado, passou por uma extensa reforma administrativa na última década, visando a sua modernização e já possui as carreiras técnicas com vagas reservadas na instância decisória.

Ao incluir a participação dos Membros do Ministério Público junto ao Tribunal (ou de uma Procuradoria Especial, como no caso do TCM-Rio), é adicionada uma instância interna, mas independente, de verificação da qualidade dos trabalhos realizados, exercendo o papel de fiscal da lei e do interesse público, de forma simétrica às demais Cortes de Contas.

No que se refere aos Conselheiros Substitutos, sua existência na estrutura adequará o TCM-SP ao modelo previsto para os outros Tribunais de Contas do país e contribuirá para a qualificação técnica e para a celeridade nos julgados, uma vez que esses técnicos podem propor votos aos titulares e presidir processos específicos.

É possível vislumbrar diferentes formas de viabilizar essa mudança. No relatório técnico que embasou este artigo, foram identificadas como viáveis tanto a implementação das carreiras técnicas dentro da estrutura atual, com 5 membros no Tribunal Pleno, como a alteração para 7 conselheiros, a exemplo dos demais Tribunais de Contas dos estados, dos municípios e do TCM-Rio.

Em todos os possíveis cenários identificados para implementar as carreiras técnicas avaliou-se ser possível realizar a alteração sem aumento de gastos, sem custos adicionais para a sociedade paulistana, bastando que seja feita uma reforma administrativa com a reorganização dos cargos passíveis de vacância ou daqueles que se encontrem vagos.

Por todo o exposto, os autores defendem que o debate a respeito do tema é necessário e essencial para que o TCM-SP siga em processo de aperfeiçoamento contínuo, com a finalidade de prestar os melhores serviços de fiscalização para a sociedade paulistana, adequando sua estrutura à das demais instituições de controle externo do Brasil.

Autores:

Adriana Manolio – Auditora de Controle Externo e Diretora Administrativa Financeira da Associação dos Auditores de Controle Externo do Tribunal de Contas do Município de São Paulo. Mestre em Língua Portuguesa pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)

Fábio Oliveira Santos – Auditor de Controle Externo e Diretor de Controle Externo e Desenvolvimento Profissional da Associação dos Auditores de Controle Externo do Tribunal de Contas do Município de São Paulo. Pós-graduado em Administração Pública

Gabriel Rezende Lourenço de Azevedo – Auditor de Controle Externo. Bacharel em Ciências Contábeis pela Universidade de São Paulo (USP)

João Roberto Fernandes de Lima – Auditor de Controle Externo e Vice-Presidente da Associação dos Auditores de Controle Externo do Tribunal de Contas do Município de São Paulo. Mestre em Gestão e Políticas Públicas pela Fundação Getulio Vargas (FGV)

Pedro Luís de Vasconcelos Oliveira – Auditor de Controle Externo e Diretor Jurídico da Associação dos Auditores de Controle Externo do Tribunal de Contas do Município de São Paulo. Bacharel em Economia pela Universidade de São Paulo (USP). Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Especialista em Direito Administrativo pelo Gran Centro Universitário

Roberta Carolina Dias Barbosa – Auditora de Controle Externo e Presidente da Associação dos Auditores de Controle Externo do Tribunal de Contas do Município de São Paulo. Bacharel em Direito pela Universidade Estadual Paulista (Unesp). Advogada. Especialista em Direito Penal pela Unisul


[1] Grupo de Estudos constituído pela Portaria 216/2021, publicada no Diário Oficial da Cidade em 05/05/2021, consoante determinado na 3.131ª Sessão Ordinária do Tribunal Pleno do TCM-SP, após debates ocorridos entre os conselheiros no início de 2021. (Processo TC 7350/2021)

[2] De acordo com a classificação clássica de José Mauricio Conti com adaptações de Donato Volkers Moutinho as funções podem ser sistematizadas em: fiscalizadora, consultiva, informativa, judicante, sancionadora, corretiva, normativa, ouvidoria e administrativa. (MOUTINHO, D. V. Contas dos Governantes: apreciação das contas dos chefes de Poder Executivo pelos tribunais de contas do Brasil. São Paulo: Blücher, 2020, p. 130-131).

[3] A função sancionadora se refere à adoção de ações necessárias para a aplicação das multas e sanções, como declaração de inidoneidade e inabilitação para exercer cargo em comissão.

[4] Impossibilidade da atuação dos Procuradores da Fazenda como Membros do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas (ADI 328-3, ADI 1.545-1 e ADI 3.315-8) / Impossibilidade da atuação de Auditor de Controle Externo como Conselheiro Substituto (ADI 4.541).

[5] Art. 9º e 10 do Regimento Interno da Lei Orgânica do TCM/SP.

[6] ADIs nºs 346 e 4776; ADPF nº 272; e ADO nº 0110416-21.2012.8.26.0000.

[7] Na técnica jurídica as menções em “obter dictum” não estão relacionadas à norma do precedente, mas trazem ilustrações, digressões, que complementam e reforçam as razões para decisão, apresentando outros elementos relevantes no julgado que podem ser considerados em outras situações.

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