Pedro Gordilho
Sócio do Gordilho, Pavie e Aguiar Advogados
É a rota gastronômica mais celebrada do mundo, permitindo um fascinante zigue-zague de quase 200 km de Marlenheim até Thann. Esta famosa rota permite uma variação de prazeres múltiplos, uma verdadeira imersão na História, o conhecimento de culturas que promanam dos albores da idade média facilmente apreendidas nas belas villages, nos velhos castelos, nas modernas caves de degustação, no cenário luxuriante da vinha, nas minúsculas capelas e nas abadias.
Com efeito, depois que os romanos (sempre eles) plantaram algumas variedades de vinha sobre sua terra, pode dizer-se que a Alsácia soube lhes fazer frutificar.
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Com exceção do Edelzwicker, que designa a reunião de diversas variedades da vinha Edel, os vinhos da Alsácia vêm de um uma única cépage. Entre elas, a mais prestigiosa é a Riesling, uma das mais importantes uvas brancas do mundo. Alguns preferem a elegância da uva Gewurztraminer, tipo de uva dita condimentada por causa do seu gosto rico, aromático e poderoso. A uva Sylvaner, produz um vinho seco e leve. Quanto à uva Pinot blanc, ela é seca, não obstante mais encorpada. O Muscat da Alsácia tem um gosto de uvas frescas. Não se deve confundir a uva Tokay da Alsácia com os vinhos da Hungria, com nome parecido. Um momento de agradável surpresa é o conhecimento do Crémant d'Alsace, um espumante de inconfundível e significativa qualidade.
Quando o rótulo da garrafa indica "alsace grande cru", contendo também o ano e nome do produtor, cuida-se de vinhos particularmente especiais e a menção "vendanges tardives" designa uma segunda colheita avançada na estação, sempre que o outono suficientemente ensolarado o permita.
O Crémant e o Muscat são servidos como aperitivo. O Sylvaner vai bem com frutos do mar ou charcuterie fina. O vinho feito a partir de uvas Riesling e os Pinots acompanham com propriedade o prato principal, choucroute, os assados (aves ou peixes) e o Gewurztraminer se associa aos pratos exóticos, bem assim aos queijos fortes e à pâtisserie.
Estrasburgo é o começo. A cidade era a antiga Argentoratum dos tempos de César, banhada pelo rio Ill.
Capital da Europa, sede do Parlamento Europeu e do Conselho da Europa, a bela cidade está no coração da Alsacia e é uma síntese da gastronomia da região: foie gras, vinhos, chocolates e eaux-de-vie despertam o prazer da mesa de todo o mundo.
É o melhor ponto de partida para a rota dos vinhos e onde se concentra toda a experiência que vai ser vivida em seu curso. Um bom começo é o restaurante Gurtlerhorf (13,pl.de la Cathédrale). São belas caves do século XIV de um antigo palácio da cúria com pratos regionais ou tradicionais e está a dois passos da Catedral de Notre-Dame, obra prima da magnificente arte gótica concluída à altura do ano de 1439, que deve grande parte de seu imenso charme ao granito rosado da região de Vosges, do qual ela é feita.
Uma boa opção para seguir a rota dos vinhos é pela cidade de Obernai, que se acha a 27km a sudoeste de Estrasbourg. É a cidade florida, com sua praça do mercado cercada de numerosas casas antigas e ornada, no centro, de uma fonte dedicada a Santa Odile. Pode tomar-se uma taça de vinho no L'Athic (6, pl. de l'Étoile). É um elegante bar, mobiliado com poltronas em veludo, tendo um piano à disposição da clientela, reunindo diferentes espaços, uma sala mais ampla num andar e uma outra, mais íntima, com balcão e velhas mesas em mármore.
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Daí em diante tomar a direção de Barr, cidade industrial reputada na fabricação de curtumes e importante centro produtor de vinhos alsacianos, sobretudo o Gewurztraminer. A Prefeitura, do século XVII, está ornada com um balcão esculpido, que é único em toda a região. Daí em diante, entram na rota as cidades de Mittelbergheim, Andlau, Itterswiller, uma charmosa vila produtora de vinho com casas floridas ao longo da rua principal, que mantém em uso uma antiga estrada romana. Sua bela igreja, parcialmente gótica, conserva uma pintura mural do século XIII.
Poucos quilômetros adiante a bela Dambach-la-Ville, também um centro renomado de produtores de vinho. A cidade é dominada por uma intensa arborização e no interior das ruínas subsistem três velhas portas, um centro antigo e florido e inúmeras casas no estilo colombage. A cidade é a sede da confraria dos Bienheureux du Frankstein.
As cidades de Scherwiller e Chatenois, esta última com uma porta do século XV chamada "das feiticeiras", antecedem a bela Ribeauvillé, pequena cidade situada ao longo do rio e ao pé dos Vosges. Uma bela cidade com um bom carnet de restaurantes, como o Chez Norbert, charmante endereço, enquadrado em duas casas no puro estilo colombage, que datam do século XIV, com vitrais e mesa com fortes assentos do terroir. É preciso estar atento porque, na região, vários restaurantes - notadamente as cozinhas mais celebradas - estarão fechados nas quartas e quintas, dias de repouso.
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A cidade seguinte é Riquewihr. Esta cidade atravessou todas as guerras, todas as destruições, mas as suas pequenas ruas, suas muralhas e as velhas mansões conservaram, praticamente intacto, sua grandeza do século XVI. É particularmente notável a elevada altura das casas no estilo colombage, com até cinco andares. No número 12 da rua do Général-de-Gaulle está a casa mais alta da Alsacia, chamada Maison Irion, que data de 1606. O símbolo da bela cidade, que recebe mais de 2 milhões de turistas a cada ano, é a uva riesling. Com apenas mil habitantes, Riquewihr abriga dois restaurantes estrelados, a saber, o Table du Gourmet (5, r. 1e Armée) e o Auberge du Schoenborg (r. Piscine), este último dispondo de um terraço espetacularmente aberto sobre a vinha e as muralhas. O famoso bolo da região - o kougelhopf - encontra em Riquewihr o seu esplendor.
Daí até Colmar estão as encantadoras Mittelwihr, com o seu muro das flores martyres, Bennwihr, Kientzheim, Turckheim, Wintzenheim, desembocando na esplendorosa Colmar, uma boa cidade para terminar a rota, conquanto o trajeto persista com o seu inesgotável encanto até a cidade de Thann.
Colmar é a melhor cidade para se conhecer a Alsácia gastronômica, mas é também uma cidade plena de charme. Suas fontes, suas cegonhas, suas casas à colombage, seus gerânios nos balcões das casas residenciais, são inesquecíveis. Nem as guerras nem o passar dos séculos apagaram seu perfil. Se o patrimônio cultural é inesgotável, os prazeres da mesa são notáveis, porque a bela cidade tem a seu redor a maior concentração de estrelas do Guide Ruge por habitante em toda a França.
A cidade de Colmar encontrou sua maior suntuosidade no século XVI, quando os vinhateiros embarcavam o produto enviado pelos canais, atualmente conhecidos como Petite Venise. Lá está à praça de l'Ancienne-Douane, dominada pela koifhüs, uma alfândega em galeria, com telhas da Borgonha. A gótica igreja de St-Martin possui um portal sul marcante e do outro lado está a praça dos dominicanos, com a imensa Igreja dos Dominicains, com a Virgem dos Espinhos de Rosa e também a Virgem da Roseira, resplandecente em vermelho e dourado. Também nas imediações está o Museu d'Unterlinden, antigo mosteiro dominicano que exibe quadros de pintores renanos. Na rue des Têtes está a Maison des Têtes, no número 19, onde se celebram inúmeras esculturas que figuram na fachada com máscaras inusitadas, de feições humanas, ou não, em posturas diversas.
Depois desse percurso o bom visitante poderá repetir com o Rei Luiz XIV: "Quel beau jardin!". Ele também visitava, pela primeira vez, a Alsácia. Despertou-lhe tanta admiração que ele se propôs a anexá-la a seu reino. Todo visitante vindo do exterior pode fazer a mesma reflexão do Rei Sol quando, descendo os Vosges e suas vertentes cobertas de florestas, descobre a vasta e fantástica paisagem que se abre diante dele.
Referências Bibliográficas
Le Guide Vert Alsace. Lorraine. Vosges (Michelin);
França. Guia Visual. Folha de São Paulo;
Guide Rouge. France (Michelin);