Por maioria de votos, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o simples fato de o consumidor possuir negativação nos cadastros de inadimplência não significa que a operadora de saúde possa recusar a contratação de plano. O colegiado entendeu que negar o direito à contratação de serviços essenciais por esse motivo afronta a dignidade da pessoa, além de ser incompatível com os princípios do Código de Defesa do Consumidor (CDC).
O voto que prevaleceu foi do ministro Moura Ribeiro. Segundo ele, ao se submeter ao mercado de consumo, o fornecedor não pode recusar, sem justa causa, a prestar os produtos e serviços oferecidos. ”Na hipótese dos autos, com todo respeito, não parece justa causa o simples temor, ou presunção indigesta, de futura e incerta inadimplência do preço”, declarou.
De acordo com Moura Ribeiro, o fato de o consumidor registrar negativação passada não significa que vá também deixar de pagar aquisições futuras, sem contar que ele poderá ter a ajuda de amigos e familiares para honrar essas novas obrigações lhe são essenciais.
Desse modo, o ministro ponderou que se a prestação de serviços sempre poderá ser interrompida se não houver o pagamento correspondente, exigir que a contratação seja efetuada apenas mediante ”pronto pagamento” equivale a impor ao consumidor uma desvantagem manifestamente excessiva.
O ministro ressaltou, ainda, que o caso em questão não se tratava de um produto ou serviço de entrega imediata, mas sim de um serviço eventual e futuro, que embora posto à disposição, poderá, ou não, vir a ser exigido. ”A contratação de serviços essenciais não mais pode ser vista pelo prisma individualista ou de utilidade do contratante, mas pelo sentido ou função social que tem na comunidade, até porque o consumidor tem trato constitucional, não é vassalo, nem sequer um pária”, declarou Moura Ribeiro.
Limites da função social do contrato
Em seu voto, o ministro também considerou que nas relações e negócios jurídicos contratuais há algo maior e que se põe acima da vontade e da liberdade das partes. Para ele, a parte envolvida não pode, ao seu exclusivo desejo, agir pensando apenas no que melhor lhe convém, principalmente nos casos de contratos de consumo de bens essenciais como água, energia elétrica, saúde, educação, entre outros.
”Em casos tais sobrepõem-se interesses maiores, visto que não há propriamente um poder de autonomia privada, porque o contratante (em especial o aderente) não é livre para discutir e determinar o conteúdo da regulação contratual. Nem sempre é livre, sequer, para contratar ou não contratar, visto que colocado diante de um único meio de adquirir bens ou serviços essenciais e indispensáveis à vida”, argumentou.
Caso concreto
Uma consumidora ajuizou uma ação contra a operadora após sua adesão ao plano de saúde ter sido negada em razão da existência de restrição em seu cadastro, anterior ao pedido de contratação do serviço de saúde.
Em primeira e segunda instância, a Justiça do Rio Grande do Sul determinou que a empresa fizesse a contratação do plano saúde pretendido pela mulher, vedando qualquer exigência de quitação de dívidas para que fosse concluída a adesão.
No recurso interposto ao STJ, a operadora de saúde alega que, nos termos da Lei 9.656/1998, não há algum impedimento à recusa de contratação com pessoas que estejam negativadas nos cadastros de inadimplentes. Além disso, sustentou que a recusa tinha o mero objetivo de evitar a inadimplência já presumida da contratante.
”A previsão contida acerca da vedação da prática de seleção de riscos de ‘qualquer modalidade’ diz respeito ao tipo de contratação, não à qualificação do risco” e que “se trata de mera súmula administrativa, que, sob nenhum ângulo, teria o condão de superar a legislação federal”, aduz a operadora.
A decisão foi tomada no Recurso Especial (REsp) 2.019.136. Leia a íntegra da decisão.
Notificação por inadimplência
No dia 20 de dezembro, a A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) publicou uma resolução que dispõe sobre a notificação por inadimplência à pessoa que contrata o plano de saúde e ao beneficiário que paga a mensalidade do plano coletivo diretamente à operadora.
Além disso, a Resolução 593, que entra em vigor a partir do dia 1° de abril de 2024, também cancela a Súmula Normativa 28/15. Desse modo, a resolução regulamenta a notificação por inadimplência, se aplicando apenas aos contratos que foram celebrados após o dia 1° de janeiro de 1999 ou aos que foram adaptados à Lei 9.656/1998.
De acordo com a resolução, a operadora de saúde deverá realizar a notificação por inadimplência até o quinquagésimo (50°) dia do não pagamento como pré-requisito para exclusão do beneficiário, ou a suspensão ou rescisão unilateral do contrato por iniciativa da operadora, motivada por inadimplência.
Para que haja a exclusão do beneficiário ou a suspensão ou a rescisão unilateral do contrato por inadimplência, deve haver, no mínimo, duas mensalidades não pagas, consecutivas ou não, no período de 12 meses, cabendo à operadora a comprovação inequívoca da notificação sobre a situação de inadimplência, demonstrando a data da notificação pela pessoa natural a ser notificada.