Após se encontrar na tarde desta quarta-feira (1/6) com o ministro Edson Fachin no Supremo Tribunal Federal (STF), o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), voltou a defender a operação policial que resultou em ao menos 23 mortes na Vila Cruzeiro, na zona norte do Rio, na semana passada (24/5). “Não houve chacina alguma, o que houve foi uma operação, em que a polícia entra às 4 e pouco da manhã e tem um bonde fortemente armado saindo”, argumentou. “Eles tentaram fazer chacina com a polícia. Foi o inverso. Não há chacina nenhuma ali. A polícia cumpriu o papel dela”.
Castro também deu por superada qualquer tipo de crise com o STF após o secretário da Polícia Militar do Rio de Janeiro afirmar, no dia da operação, que a Corte era a responsável pela migração de criminosos para o estado. O governador também prometeu entregar em até 60 dias o plano para reduzir a letalidade policial atualizado.
Fachin é o relator da ADPF 635, que estabeleceu diretrizes e restrições para a realização de operações policiais no Rio de Janeiro durante a pandemia da Covid-19. Em fevereiro deste ano, durante os julgamentos dos embargos de declaração da ADPF, foi dado o prazo de 90 dias para que o estado do Rio de Janeiro apresentasse um plano de diminuição da letalidade policial. Uma primeira versão foi entregue semanas atrás por meio do Decreto Estadual 47.802/2022.
Após a operação, os autores da ADPF peticionaram um requerimento pela não homologação do plano, uma vez que o entregue pelo governo se trataria de “uma mera carta de intenções absolutamente genéricas, sem nenhum compromisso real com a redução da letalidade policial no estado”. Assim, na última sexta-feira (27/5), Fachin determinou que o governo estadual ouça em até 30 dias sugestões e críticas da Defensoria Pública, do Ministério Público estadual e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para a elaboração do plano. O governo estadual também deverá realizar uma audiência pública para acolher sugestões da sociedade civil.
“A gente vai fazer o que ele [Fachin] pediu: ouvir a Defensoria, o Ministério Público, a OAB, outros entes e, em cima disso, analisar as propostas e, possivelmente fazer alterações, não com o que o estado pensa. A ideia da decisão é que outras pessoas participem da confecção, tendo boas ideias, com certeza, será levada em consideração,” explicou Castro após o encontro com Fachin. “Em até 60 dias a decisão de ouvir todo mundo e de apresentar o plano de trabalho já vai estar pronta”, acrescentou.
Em nota após o encontro, o ministro indicou que cabe ao governo definir as metas e as prioridades do plano de redução da letalidade policial, mas que as exigências mínimas, constantes da decisão do Supremo, devem ser observadas. Também afirmou que o Supremo não medirá esforços para, em parceria com o estado, buscar soluções concretas.
Câmeras de segurança
Castro também mencionou a entrada em vigor das câmeras de segurança acopladas nos uniformes dos agentes, a exemplo do que já acontece em São Paulo. O governador disse que Fachin elogiou bastante a iniciativa e que reconheceu que haverá uma curva de aprendizagem nessa questão. “Se não tiver essa curva de aprendizagem, pode haver um cenário de grande perigo para a vida do policial e dos agentes”, explicou. “Há de se ter uma maturidade institucional até para que essas imagens não virem, não vai se despir toda a questão de estratégia da polícia, mas também se tem uma transparência das ações, que é o que se busca”.
De acordo com reportagem publicada pelo UOL, 1.637 PMs de nove unidades começarão a usar as câmeras, mas não há prazo para que os agentes do Batalhão de Operação Especiais (BOPE), escalados para grandes operações em favelas, comecem a usá-las. Também chama atenção o fato de que, segundo a reportagem, a Polícia Militar teria estabelecido sigilo de ao menos um ano para o acesso público das imagens colhidas, ao mesmo tempo que o governo determinou que o material só será armazenado por até um ano.
Questionada, a PM explicou ao JOTA que imagens corriqueiras ficarão armazenadas por três meses, enquanto que as que registram ocorrências policiais, desde as mais simples até operações mais complexas, ficarão armazenadas por um ano. Porém, a corporação assegurou que as imagens poderão ser solicitadas a qualquer momento por órgãos de controle ou advogados no curso de uma investigação.
A corporação não soube responder se qualquer cidadão ou organização da sociedade civil pode ter acesso ao material via Lei de Acesso à Informação (LAI). Também não soube precisar o cronograma para a instalação das câmeras em todos os agentes, já que o projeto ainda está em fase de implementação e adaptação.
Por conta dessas dúvidas sobre se o programa de fato funcionará, Fachin teria externalizado na reunião sua preocupação quanto a à priorização das unidades de polícias que devem receber as câmeras acopladas nos uniformes assim como ao sigilo sobre os arquivos de imagens, segundo a assessoria do ministro. O magistrado também teria destacado que os arquivos devem, nos termos de normas internacionais, serem prontamente disponibilizados para os órgãos de controle.
O ministro também relatou ao governador que recebeu notícias de que defensores de direitos humanos estariam recebendo ameaças e solicitou a ele que adotasse providências para assegurar a proteção dessas pessoas.
Tensão com o STF
Castro também esclareceu que se reuniu na última sexta-feira (27/5) com o presidente do Supremo, ministro Luiz Fux, no Palácio da Guanabara, e que qualquer tipo de tensão com o Supremo já está “totalmente superada”.
“Ele deixou claro que quer colaborar, a gente também deixou claro que quer colaborar, ninguém deseja nenhuma espécie de briga institucional”, afirmou o governador nesta quarta, após a conversa com Fachin. “Os secretários do Rio estão orientados para não criar essa discussão institucional. O que temos que fazer é trabalhar juntos para achar as soluções sobre essa questão da letalidade e, principalmente, na proteção da nossa população. Nem tocamos nesse assunto aqui [no Supremo]. Conversei com ministros individualmente e isso está superado”.
Após a operação policial na Vila Cruzeiro, o secretário da Polícia Militar do Rio de Janeiro, coronel Luiz Henrique Marinho Pires, havia culpado diretamente o Supremo pela suposta migração de criminosos ao estado. “A gente começou a reparar essa movimentação, essa tendência deles de migração para o RJ, a partir da decisão do STF”, afirmou ele em entrevista. “Isso vem acentuando nos últimos meses. Esse esconderijo deles nas nossas comunidades é fruto basicamente dessa decisão do STF”.