Energia

Concessões precisarão se adaptar a setor em transformação, diz presidente da Thymos

Para João Carlos Mello, futuro do setor de energia será cada vez menos concentrado nas distribuidoras

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Presidente da Thymos Energia, João Carlos Mello / Crédito: Divulgação

Recém-empossado como membro titular na Academia Brasileira de Energia, o engenheiro elétrico João Carlos Mello traça um cenário otimista em termos de inovação para os próximos anos no setor de energia do país. Presidente da Thymos Energia, Mello projeta um cenário com fontes de energia e tecnologias diversificadas, muitas que ainda não conhecemos e deverão ser desenvolvidas nos próximos anos. Por causa dessa crescente modernização, ele defende um novo modelo nos contratos de concessão. Para ele, o governo deverá traçar um documento mais flexível, que permita atualizações ao longo de sua vigência.

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O tema está no radar de Mello porque, entre 2025 e 2052, o país terá 355 concessões de transmissão, 140 de geração e 122 de distribuição. Os contratos de geração envolvem 92 GW, o equivalente a quase sete Itaipus. São contratos que, na avaliação de Mello, podem ser renovados sem necessariamente a troca do concessionário, basta que sejam incluídas metas e regulamentações objetivas. Para ele, benefícios sociais podem estar incluídos, desde que com metas, fontes de recurso e origem da receita.

Em entrevista ao JOTA, ele afirmou que o futuro da geração de energia vai ser de multiplicidade de atores, com blocos menores de negociação e contratos com prazos de 10 anos. “Teremos produtos muito interessantes nessa área de geração, até porque estamos atingindo o varejo, e no varejo, você faz o que quiser. Podemos usar a telefonia, por exemplo, na telefonia o cliente escolhe quase tudo. É isso o que vai acontecer na energia elétrica.”

João Carlos Mello fez graduação, mestrado e doutorado na PUC-Rio, iniciou a carreira em consultoria, migrou para pesquisa em energia, no Centro de Pesquisas de Energia Elétrica (Cepel), depois para mercado de energia na Asmae (atual CCEE) e voltou para a consultoria, com a fundação da Thymos.  

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Leia os principais trechos da entrevista.

Estamos passando por um momento de expansão no setor de energia. O que já dá para apontar para o futuro?

O setor de hoje não vai ser o mesmo daqui a 10 anos, eu tenho certeza absoluta. Talvez lá em 2000, em 2010, eu não tivesse tanta certeza que ia mudar na próxima década, mas eu tenho certeza que na próxima vai mudar pelas novas relações de comércio, geração distribuída, novas tecnologias, transição energética. Então, mais do que nunca eu sei que a gente vai para um outro ponto. Como chegar até lá é a grande mágica. Eu vou estar discutindo muito daqui até 2030 como é que eu, enquanto agente setorial, vou me fazer presente no setor. Basicamente, os temas dessa transformação envolvem a transição energética.

Na transição energética do setor de energia elétrica, nós estamos anos à frente dos demais. Cerca de 95% da energia gerada no passado, com as hidrelétricas indo muito bem, foram sem nenhuma emissão. Então, o país é o que todo mundo queria ser, todo mundo quer atingir essa meta até 2050. 

E o que ainda dá para fazermos?

Então, nossa missão na transição energética é exatamente como eletrificar outros setores, trazer energias renováveis também para outros setores. As maiores emissões do Brasil são em transporte, com 50%, e outros 30% em indústria. Isso vale não só para energia elétrica, mas para a transição energética como um todo, que inclui combustíveis, por exemplo. Então, vou ter que atacar de qualquer maneira a página de transporte e a parte de indústria — e a energia tem muito para ajudar nesse caminho, seja com carro elétrico, seja com hidrogênio, com eletrificação da cadeia, uma série de coisas, que já tem tecnologia já para hoje e outras em andamento. É isso o que vai brilhar em termos de negócio. 

Porém, tem outros coadjuvantes nisso. Como ficam os que estão atuando nesse novo mundo? Vai mudar muito na parte de geração. Negociação de grandes blocos vai ser mais raro, serão negociações de muitos volumes de pequenos blocos. Estou falando de varejo, de uma série de novidades na área de comercialização que vai impactar a geração. Além disso, algumas concessões de geração vencem na década de 2030, então vamos ter que dar um norte para essa concessão de geração, que é do poder concedente. A Eletrobras foi privatizada, mas tem outras que estão aí em fase de negociação e são um ponto importante.

Em resumo, para geração, vamos ter uma multiplicidade de atores, blocos menores de negociação e talvez até ideias diferentes de venda e contratos de 10 anos. Teremos produtos muito interessantes nessa área de geração, até porque estamos atingindo o varejo e, no varejo, você faz o que quiser. Podemos usar a telefonia, por exemplo, na telefonia o cliente escolhe quase tudo. É isso o que vai acontecer na energia elétrica. 

Como essa transformação no setor de energia se aproximaria do setor de telefonia? 

Com a abertura do mercado que está valendo de 1º de janeiro, a lei permitiu chegar a cerca de 25 mil clientes [podem trocar do distribuidor local para qualquer fornecedor empresas com conta de energia de cerca de R$ 10 mil]. A expectativa é que depois passe para 250 mil. E depois de 250 mil para 7 milhões. E depois, um salto ainda maior, de aproximadamente 65 milhões, o que inclui as nossas casas, então, evidentemente, isso é varejo.

As telefônicas, com quem fiz essa similaridade, hoje brigam no varejo. Não sou uma pessoa que muda toda hora de celular, mas tem gente que tem dois chips, um da Tim e outro da Claro, ou que muda em busca de uma conta mais barata. É uma briga entre as telefônicas para pegar o varejo mesmo. Pegar quem quer economizar hoje, mesmo que seja pouco. Com a energia, será assim: uma briga no varejo entre os grandes. E isso é facilitado pela regulação, a gente pula de um para o outro, faz a migração, e é isso o que teremos na energia elétrica em breve. Ainda depende da regulação. 

Serão geradores e comercializadores que estarão vendendo, é um espectro bem amplo. Há cerca de 300 agentes nesse espectro. Quando for nesse novo ambiente, o consumidor vai poder escolher quem ele quiser, poder mudar de um para o outro. O comerciante vai poder oferecer um preço mais barato que o do concorrente, vai poder fazer exigência, como fidelidade, assim como ocorre na telefonia. É muito salutar para o consumidor, ele vai correr atrás da sua economia. 

Alguma área sofrerá menos impacto?

A área de transmissão é a que será menos impactada, mas se você olhar daqui a 10 anos, talvez eu tenha um uso menor da transmissão, considerando que eu tenho geração distribuída. À noite não temos sol, então vamos precisar usar, mas passo a ter um perfil de fluxo diferente na transmissão, talvez exija menos expansão, ou no primeiro momento mais expansão para depois reduzir. A transmissão, entendo que do ponto de vista de regulação, ela necessita pouca interferência.

O crucial disso tudo é a distribuição, a distribuição do futuro não é essa que a gente tem com poste na rua. A distribuidora vai tomar conta do poste, mas hoje a parte comercial também está dentro da distribuidora, e isso vai ficar menos intenso com o crescimento do mercado livre. A distribuidora do futuro não vai ter esses dois atributos, de tomar conta do fio, da infraestrutura, e da parte comercial. Provavelmente a parte comercial vai ficar cada vez menor com o aumento do mercado livre. 

 Acredito que agora está na hora de retomar o debate sobre concessão, de como isso será no futuro, e tentar antecipar alguma coisa nesses novos contratos. O governo tem falado que vai abrir uma consulta pública, então estamos aguardando o ministro fazer esse lançamento. A conjuntura mudou muito de 30 anos atrás para agora e a tendência é que também esteja muito diferente nos próximos 30 anos.

Estamos em um ponto crucial de botar alguns predicados nesses novos contratos de concessão, não é preciso colocar tudo, mas precisamos, por exemplo, definir a gestão do fio, da infraestrutura, e a gestão da comercialização de energia que você tem hoje dentro de casa, isso vai poder abrir para o mercado livre. Tem uma série de normas que é preciso atingir e também tem tecnologias modernas chegando. Será preciso ter espaço para essas tecnologias modernas, é preciso princípios que possam permitir ajustar a concessão ao longo do tempo. 

Qual principal desafio? 

O ponto-chave é a regulamentação dos novos contratos de concessão, com renovação sadia para os investidores que estão presentes e os que estão vindo por se interessarem pela área. Não dá para ser uma regulação rígida, porque não dá para imaginar tudo que possa acontecer nos próximos anos. A grande dificuldade agora é ser algo adaptativo, com capacidade para acomodar diversas visões a uma proposta que tem que vir do governo, do poder concedente, que é quem toma conta da concessão. Tem uma disputa com TCU, Congresso e governo, mas é o poder concedente que é o responsável. Isso vai ser resolvido alguma hora. 

Recentemente, o senhor foi nomeado membro titular da Academia Brasileira de Energia e diretor-presidente do Comitê Nacional Brasileiro de Produção e Transmissão de Energia Elétrica (Cigre-Brasil). O que essas honrarias significam para você? 

A grande vantagem de estar em um ambiente como o Cigre é trocar ideias com países diversos, com dificuldades diferentes. É um pouco aprender com os outros e passar o nosso conhecimento para a comunidade internacional. O Cigre é uma entidade que preserva muito a discussão técnica e cada um tem seus problemas. A Europa é diferente do Brasil, que é diferente da África, mas a gente aprende um pouco com as dificuldades e recursos de cada um. 

E ser indicado para a Academia Brasileira de Energia é uma honra. Eu sou engenheiro elétrico, meu pai também é engenheiro elétrico, somos de família da engenharia. E a ideia é tornar a academia como se um think tank do setor elétrico brasileiro. 

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