Tributos enquanto caminho para prosperidade. Se você ainda não vê tax dessa forma é a hora de parar, pensar, repensar, ou, como propõe Satya Nadella, CEO da Microsoft, é tempo de apertar o “F5”.
Às vezes é até surreal nos darmos conta de que vivemos em um mundo pós-pandêmico em que uma guerra biológica foi travada e vencida pela humanidade. Entretanto, o enredo é nada mais do que a vida real e certamente traz impactos ao mundo tributário, na medida em que mais do que nunca é preciso encontrar uma fórmula de crescimento sustentável entre empresas e sociedade.
Neste momento de recuperação social e econômica, a importância dos operadores do direito tributário é enorme e nossa responsabilidade enquanto comunidade maior ainda. Somos protagonistas nesse processo de alavancagem global através dos tributos, com papel crucial de proteção, geração e realização de valor para toda a cadeia.
É nossa responsabilidade encontrar a mediana deste processo e, sempre que reflito sobre meu papel enquanto tributarista, lembro da icônica fala de Margareth Thatcher:
“Um dos grandes debates do nosso tempo é sobre o quanto de nosso dinheiro deve ser gasto pelo estado e o quanto nós deveríamos guardar para gastar com nossa família. Nunca devemos esquecer de uma verdade fundamental. O estado não tem outra fonte de recursos senão o que as pessoas produzem. Não existe dinheiro público, o que existe é dinheiro dos pagadores de impostos”.
O Estado precisa de recursos para implementar políticas públicas, empresas precisam reportar lucros e nós, tributaristas, somos as pessoas responsáveis por gerenciar o ponto ótimo entre parcela justa de tributos, práticas fiscais responsáveis e direitos civis. Antes de sermos profissionais de tax, somos cidadãos. Não entrarei no mérito de problemas históricos do Brasil como burocracia, corrupção e morosidade, porque se fizer isso nem começaremos a refletir juntos sobre nosso futuro enquanto função tributária.
Assim, para gerenciar tal ponto ótimo, precisamos ter muito claro conceitos-chave para pensarmos estrategicamente no macro antes do micro, mas o que eu vejo é que estamos pecando ao endereçar o “meio” antes de refletir sobre o “fim” e que vamos com muita sede ao pote para o “como” fazer antes de refletir sobre “por que” queremos uma transformação fiscal.
Embora pareça contraproducente parar para pensar criticamente em um mundo onde empresas pregam e prezam por rapidez, são justamente decisões como essas que vão definir, não só o ritmo, mas o resultado desse processo de mudança. Desta forma, entendo que trazer os princípios do pensamento crítico para a indústria de tax é o verdadeiro processo de tax transformation que devemos buscar, interpretando pensamento crítico como ter a consciência e estar alerta no dia a dia de que tudo que fazemos como pessoas ou profissionais de tax tem impacto social e cultural.
Basicamente, o primeiro ponto de inflexão é perceber que vemos uma indústria de tax que claramente confunde transformação fiscal com otimização fiscal – embora esta seja parte importantíssima do processo como um todo, é apenas a ponta do iceberg. Essa constatação nos ajuda a entender que para realizar valor nesse processo de transformação devemos quebrar esta problemática em pedaços, dividindo para conquistar, e na qual, sem dúvida, otimizar a maneira como conduzimos áreas tributárias é um desses pedaços, mas não a pedra fundamental.
Neste sentido, a minha proposta para realmente entregar um processo de mudança robusto se divide em quatro pilares: pessoas, ESG (sigla para Environmental, Social and Governance), tecnologia e liderança. Considerando estes pilares, a abordagem que apresentarei terá como norte uma curadoria de materiais internacionais disponíveis a todos os operadores do direito tributário, uma vez que outros países estão na frente do Brasil nestes movimentos e podem oferecer uma interessante análise de tendências.
Começo minha curadoria focando no maior ativo das organizações: as pessoas. Durante os trabalhos do Brazil Tax Forum 2022, o editor-chefe da International Tax Review (ITR), Ed Conlon, foi muito feliz em dizer que “o que é facilmente esquecido durante processos de mudanças complexas é que, na maioria dos casos, são seres humanos que fazem a mágica acontecer”. Os computadores e sistemas ainda não são capazes de realizar tarefas importantes sem intervenção humana.
A ITR, em sua publicação de verão ainda em 2022, oferece alguns pontos para reflexão em um artigo denominado “O ritmo da mudança”. O primeiro deles é a limitação de talentos para entregar os processos de transformação e digitalização, visto que existe uma demanda enorme e falta capital humano para entregar o que precisa ser entregue. Assim, a primeira reflexão que proponho é que, mais do que nunca, a balança de poder entre empresas e pessoas se aproxima de um equilíbrio maior em tax, pois talentos verdadeiros podem ir para onde quiserem.
O profissional de tax nunca esteve tão valorizado e ciente de seus movimentos, inclusive no sentido de procurar empresas que valorizem mais a sua jornada de crescimento profissional. De acordo com a McKinsey no artigo “A ciência por trás das transformações” publicado em seu blog organizacional, fica demonstrado que incentivos de longo prazo devem ser negociados pelas empresas com os colaboradores, sejam eles financeiros ou de carreira para que times de transformação sejam mantidos durante todo o processo. Assim, a sinalização para os profissionais de tax é que saibam se valorizar e se vender ainda melhor e para as empresas é a necessidade de processos robustos de retenção e valorização de profissionais qualificados.
Os talentos de tax deste período de transformação cuidam das suas carreiras da mesma maneira que cuidam dos projetos de suas organizações, voltam ao “chão de fábrica” para entender operações da melhor maneira possível, pensam estrategicamente no macro antes do micro e entendem que comunicação, política e relações de poder impactam mais o seu sucesso do que a parte técnica. Conhecimento técnico hoje é apenas o básico essencial e quem se diferencia vai precisar ir muito além disso.
Após falarmos do protagonismo das pessoas de tax no processo de tax transformation, passo ao importantíssimo pilar de ESG para observar que, além de diversos outros tópicos correlatos, é mandatório entender que aumentar a régua no que se refere às melhores práticas de governança é a principal engrenagem para encontrar equilíbrio entre práticas fiscais competitivas e objetivos sociais. Atualmente, a grande tendência internacional é fazer a coisa certa sob a ótica tributária, e transparência é a nova vantagem competitiva das grandes corporações em um mundo em que reputação vale como nunca antes valeu – ou como sempre valeu e que por algum momento nos esquecemos no âmago de gerar mais resultados.
Estratégias fiscais devem considerar os princípios de ESG através de uma visão holística para construir fundações fiscais mais sólidas e garantir uma plataforma de crescimento ainda mais forte. O “como” por trás dessa visão começa pela governança e, respectivamente, é preciso olhar com atenção para compliance, para a criação de tax policies, ter entendimento robusto das estruturas dos negócios para identificar riscos e propor melhorias, deve haver melhoria e aproximação na relação com autoridades fiscais e, finalmente, deve-se buscar incentivos fiscais previstos na legislação ou influenciar na esfera política a modelagem desses incentivos no longo prazo.
Assim, passamos para uma breve e impactante constatação sobre tecnologia enquanto poderoso pilar e maior vetor de gerenciamento deste processo de mudança de nossas práticas tributárias globais. Tecnologia dá tração, velocidade e eficiência ao mundo de tax, razão pela qual faz muito sentido que seja um tópico protagonista do processo de transformação fiscal. É imperativo, portanto, investir forte em sistemas operacionais de otimização do processo tributário e em formação de pessoas orientadas para análise e gerenciamento dados.
É por isso que para navegar neste mundo de tecnologias para tax os profissionais da área precisam se tornar tecnologistas, mas veja que isso não quer dizer que é necessário se tornar um programador, por exemplo, mas simplesmente entender que é necessário voltar planos de desenvolvimento para aprender a entender e no melhor dos mundos manusear sistemas de tax como One Source, Long View, Alterix, Sharepoint, entre outros. A digitalização fiscal é um caminho sem volta e quem não entender este processo pode ficar obsoleto.
Passando pela tecnologia, partimos para falar sobre o pilar de liderança. Para entregar processos de mudança tão complexos, precisamos de líderes de impacto. De acordo com a minha visão de mundo e meus estudos exploratórios, liderança não é uma característica, habilidade ou traço de personalidade. Liderança é um processo de influência que tem como foco principal definir a direção dos melhores caminhos e práticas. Neste sentido, principalmente os profissionais mais sêniores de tax têm uma responsabilidade enorme no processo de tax transformation de garantir um ambiente eficiente, com processos robustos e colaborativos, liderando a modelagem junto a todas as partes interessadas e das autoridades fiscais, de um modelo de arrecadação tributária que encontre a parcela justa entre receita de tributos para o Estado, coleta de dados e os interesses das empresas.
Aqueles que lideram este processo de mudança complexa precisam entender ainda a importância de investir tempo e recursos na formação de seus times, constatando que se contratar pessoas diferentes, muito provavelmente seus resultados serão melhores. É preciso servir as pessoas e ao resultado pretendido e não ao ego ao querer ver seu reflexo no espelho nas outras pessoas do time. A academia tem diversos estudos muito robustos afirmando que times heterogêneos são mais disruptivos, portanto investir em times mais diversos é um ganha-ganha para a empresa e para os profissionais.
Neste sentido, inclusão e pertencimento é uma agenda mandatória na avaliação futura de times de tax, não se limitando apenas às diversidades visíveis, mas também às invisíveis, como neurodivergência e comportamental. Importante lembrar também que existem muitas diversidades que precisam ser abraçadas em um time colaborativo, como diversidade de pensamento, de estilos de aprendizado e comunicação.
O líder de tax que será lembrado como referência para seus times e o mercado será aquele que montará times suficientemente autônomos para que ele possa investir tempo de qualidade com seu time para discutir performance, planos de carreira e estratégia. As pessoas querem trabalhar com mulheres e homens de negócios e os dias de executivos de tax puramente técnicos estão contados.
Em conclusão, estamos no caminho certo para transformar o mundo de tax, mas as motivações precisam mudar. Para pavimentar uma estrada de transformação realmente genuína, devemos ver a contribuição para com a sociedade como fim, usando melhoria de processos, controles e eficiência como meio. Não o contrário. Se a única fonte de receita de um Estado são os tributos, devemos proteger valor para as futuras gerações.
É ao ressignificar nossas aspirações e inspirações que entregaremos como nunca entregamos antes. São justamente momentos como esse que determinam quais partes interessadas vão sair mais fortes de períodos de transformação e aqueles que pensarem diferente estarão certamente mais conscientes, alertas e preparados para galgarem degraus ainda maiores em suas carreiras na área de tax.
O primeiro artigo desta coluna teve como objetivo convidar os leitores a pensar conosco durante o ano de 2023, de forma consistente e recorrente, em vários tópicos que vão impactar profundamente as áreas tributárias e seus processos de transformação. O dever do agora colunista que vos escreve estará cumprido se profissionais de tax pegarem tópicos deste artigo para se aprofundar mais depois desta leitura, porque dessa forma terei aguçado a curiosidade dos tributaristas, que é uma força motriz poderosa para práticas disruptivas.
Os próximos artigos da coluna contarão com a contribuição de profissionais que convidarei para escrever na coluna e vão se aprofundar em questões relacionadas a este primeiro artigo. De forma que fica então lançada a pedra fundamental para reflexões que tem como foco redefinir o perfil do profissional de tax do presente e do futuro, que passa de um perfil técnico para um perfil de negócios conscientes.