Qualquer observador atento da economia brasileira é testemunha das grandes transformações ocorridas em diferentes setores nos últimos 40 anos. Nas últimas décadas caminhamos em direção a um modelo de mais liberdade e participação da iniciativa privada no desenvolvimento social e econômico. Muitos setores caminharam a passos largos em direção a uma maior produtividade baseada em inovação e tecnologia, para oferecer melhores serviços e produtos ao consumidor final. Coube ao Estado e a seus líderes, durante governos de diferentes orientações partidárias, construírem políticas públicas e novos arcabouços regulatórios para fomentar a competição privada e, desta forma, beneficiar milhões de pessoas. Os exemplos são muitos: telecomunicações e telefonia, energia, infraestrutura e aviação civil.
Com um certo atraso em relação a esses setores, também avançávamos no transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros (TRIIP) na direção de termos mais competição e, consequentemente, melhores serviços e preços aos consumidores. Ocorre que infelizmente ainda há no Brasil uma tentativa por parte de alguns atores de interromper os poucos, mas relevantes passos dados neste sentido.
Nesta quarta-feira (3), o Supremo Tribunal Federal poderá julgar duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) que discutem a possiblidade de outorga do serviço de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros mediante autorização. A decisão dos ministros sobre as duas ADIs (números 6.270 e 5.549) poderá consolidar alguns avanços necessários nesse mercado no sentido de termos mais competitividade, mais empregos e geração de renda e melhores serviços ao usuário. Estamos no ponto de decidir se avançamos ou regredimos no processo de abertura que se promoveu no setor de transporte rodoviário de passageiros no Brasil e que ainda enfrenta resistência de alguns lados.
No STF já existem alguns julgados paradigmáticos (como o caso de telecomunicações) que atestam a constitucionalidade da outorga de autorizações para a prestação dos serviços previstos no artigo 21, XI e XII da Constituição Federal.
Igualmente previsto no artigo 21, XII, da Constituição Federal e regulamentado pela Lei 12.996/2014, o regime de autorização para a operação de linhas de ônibus interestaduais permitiu, a partir de sua efetiva implementação em 2019, novos entrantes no segmento e uma ampliação da oferta de trajetos para o consumidor final. Tal como adotado por diversos setores econômicos, a consolidação do regime de autorização para outorga do serviço de transporte rodoviário interestadual de passageiros trará enormes benefícios para a sociedade. Segundo números do Ministério da Infraestrutura, que sempre defendeu a abertura do mercado de serviços de TRIIP, antes do modelo das autorizações 66% das rotas eram operadas por uma única empresa, ou seja, usuários de dois terços do total de rotas existentes no Brasil estavam submetidos a um monopólio na prestação desse serviço. Como se não bastasse, em outros 26% das rotas havia somente duas empresas operando, um duopólio.
Essa realidade começou a ser mudada com a regulamentação da autorização como modalidade de outorga do serviço de TRIIP, que infelizmente enfrenta diversos questionamentos judiciais, tendo o processo de abertura do mercado sido até mesmo interrompido por decisão do Tribunal de Contas da União (TCU), em 2021, trazendo enorme insegurança jurídica para o setor. No curto período em que vigorou foi possível observar inúmeros benefícios proporcionados.
Em seis meses, até novembro de 2019, foram outorgadas 22.620 ligações interestaduais, número que poderia subir para 48.263 ligações considerando os pedidos já protocolados em análise na Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). A prevalência de um ambiente de negócios aberto a novos entrantes e de grande competição tem potencial também para aumentar o número de municípios atendidos pelo TRIIP, de cerca de 1.882 para 2.300, caminhando efetivamente em direção a uma maior abrangência desse modal. O aumento potencial de usuários seria de 149 milhões para 163 milhões de pessoas.
A adoção do regime de autorização para esse serviço possibilita que a tarifa cobrada dos usuários seja praticada livremente, com liberdade de itinerários e frequência. A concorrência ocorre dentro de cada rota e não em uma disputa por poucas empresas pela concessão de poucos trajetos, impactando positivamente em um melhor serviço prestado aos usuários. Em um país de dimensões continentais e onde este tipo de serviço sempre foi restrito e pouco acessível, o regime de autorização vem garantir efetivamente mais acesso ao serviço de transporte interestadual de passageiro com maior qualidade e menor preço.
Importante ressaltar que o regime de autorização não exime o Estado de controlar a atividade, sendo ele responsável por garantir os patamares de qualidade e segurança para o usuário. A entrada de novas empresas nesse mercado ocorre pela manifestação de interesse e pela comprovação de condições de prestar os serviços. É o que defendemos.
Mais uma jabuticaba brasileira?
A abertura do mercado de transporte interestadual de passageiros não é casuísmo brasileiro e trouxe benefícios sociais e econômicos em diferentes países em que foi adotada. A observação desse sucesso nos permite antever os efeitos positivos que tal medida teria no Brasil.
Na Europa, por exemplo, Alemanha e França adotaram novas regulamentações sobre o setor de transporte rodoviário de passageiros entre 2013 e 2015, com inúmeros benefícios. Os preços das passagens nesses países caíram continuamente – até 10% em cinco anos de liberalização.
Considerando o momento atual da economia brasileira, em que os preços das passagens aéreas atingem os maiores valores em 12 anos, a discussão é mais do que bem-vinda.
O vislumbre de um aumento dos municípios atingidos com a abertura de mercado no Brasil não é um palpite: na Europa essa foi uma decorrência direta da nova regulação do setor, com aumento de 237% no número de municípios atendidos.
A liberalização do mercado europeu gerou investimentos, inovação e empregos, além de impulsionar o setor de turismo. Foram 350 mil novas rotas, mais de 400 empresas entrantes no setor e 20 mil novos empregos no turismo e entre operadoras de ônibus.
Nos Estados Unidos, onde foram permitidos novos modelos de negócio e novas tecnologias para o transporte intermunicipal de passageiros, a partir dos anos 2000, observou-se um incremento de 35% no total de viagens (período 2006-2016).
Enquanto outros países caminham em direção a uma maior competitividade no setor de serviços TRIIP, proporcionando reais benefícios para os consumidores, uma nação de dimensões continentais como o Brasil, onde a geração de empregos constitui um desafio, não pode retroceder e manter um mercado estratégico para o desenvolvimento nas mãos de poucas empresas, com inúmeras ineficiências.
O próprio brasileiro já entendeu os benefícios da abertura no setor de transporte. Uma pesquisa recente do Instituto Quaest aponta que a imensa maioria da população apoia mudanças na legislação para promover a inovação e ampliar a concorrência no setor de transporte de passageiros. Segundo o instituto, 88% dos brasileiros querem que as leis sejam alteradas para que mais empresas de ônibus disputem a preferência dos viajantes.
No mesmo sentido, a Associação Brasileira das Empresas de Transporte Terrestre de Passageiros (Abrati) já manifestou a importância de avançarmos na implementação do regime de autorização para outorga do serviço de TRIIP.
O momento exige uma reflexão abrangente sobre os efeitos possíveis e desejáveis da abertura do mercado de serviços TRIIP, no qual o foco das decisões seja sempre o bem-estar da população, no sentido de garantir aos usuários o mais amplo acesso a serviços de qualidade e a um menor preço.