Gustavo Costa

Frederico Augusto Auad Filho

Beatriz Scamilla

Há pouco mais de um mês, o Presidente da República sancionou com vetos a Lei nº 13.848/19, denominada “novo marco legal das agências reguladoras”, concretizando projeto que visa dar maior autonomia e transparência às agências além de aumentar seu controle pelo Poder Executivo. Ponto de debate e publicização foram os vetos presidenciais à Lei, referentes à previsão de composição de lista tríplice de dirigentes indicados às instituições e a quarentena sem vínculo com empresas. 
A nova lei busca consolidar algumas boas práticas institucionais louváveis, essencialmente no que se refere à autocontenção dos órgãos de controle e retirada de poder político do congresso e dos partidos – na medida em que faz exigências para nomeação de diretores (previsão da lista tríplice), que por sua vez devem retornar ao senado e prestar contas anualmente. 
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Contudo, ainda que as duas últimas previsões tenham sido vetadas pelo Presidente, é inegável que a proposta legislativa sinaliza, por parte do próprio Congresso, a valorização da despolitização da escolha das pessoas, o que vai de encontro com o fortalecimento da autonomia das agências reguladoras.
Este marco evidencia também um processo crescente de aparente racionalização das escolhas públicas, especialmente através da maior exigência quanto à formalização do planejamento destas instituições regulatórias; prestação de contas anual com uma exposição escrita ao Congresso; e obrigatoriedade de realização de análise de impacto regulatório como modelo geral.
No entanto, mesmo com este novo conjunto de medidas - por herança do processo de implementação imperfeito do modelo de agências no país - ainda deverá se enfrentar dois obstáculos em seara (i) político partidária e (ii) institucional stricto sensu. Isto decorre da aparente hostilidade do governo federal à gramática institucional e à complexa organização do presidencialismo brasileiro. 
A origem do modelo de agências, no Brasil, se dá no período que compreende o governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, a partir do Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado, encabeçado por Bresser Pereira em 1995. O objetivo deste plano no Brasil foi gerenciar a crise financeira que abalou o país anos antes desta proposta, preconizando a necessidade de ação estatal para conter a crise. Objetivava-se a criação de um ambiente propício à segurança jurídica dos contratos com o Estado e atração de capital privado, notadamente estrangeiro<a class="sdfootnoteanc" href="#sdfootnote1sym" name="sdfootnote1anc">1</a>.
Entretanto, o projeto do modelo nacional é maculado por falhas, particularmente no que diz respeito à falta de deferência dos Poderes Judiciário e Legislativo, em geral, diante de deliberações e ações administrativas, somado às consequências negativas da articulação política (ou não) do Executivo perante os outros Poderes, que gera obstáculos para seu desenvolvimento.
Primeiramente, para compreender o obstáculo de cunho político partidário - que se estende desde a implementação do modelo de agências no Brasil – é necessário reconhecer que o Presidencialismo multipartidário necessita da figura de um presidente coordenador, que efetivamente tome as rédeas do planejamento nacional. Em especial, para formação de uma maioria congressual que dê coerência aos projetos de Estado, se faz necessária compreensão da coalizão enquanto aspecto estruturante da coesão política.
 Ocorre que a ausência de coalizão congressual majoritária e estável facilita a ocupação destes espaços de liderança por outros agentes institucionais, na condição de coordenadores do jogo de poderes. O reflexo deste fenômeno político para as agências é que estas tendem a se tornar estruturalmente mais instáveis frente a maior rotatividade de seus diretores, dada intenção de ocupar os espaços de decisão com a extensão do poder político partidário quando se carece de coalizão estável. 
In suma, transformam-se as agências em locus de disputa por influência política. Assim, tal como a nomeação de ministros de Estado é uma forma de alocação do poder político presente na coalizão<a class="sdfootnoteanc" href="#sdfootnote2sym" name="sdfootnote2anc">2</a>, as agências reguladoras se transfiguram - por assim dizer - em micro ministérios; malogrando a expertise técnica necessária ao cargo. 
Em segundo lugar, considerando o obstáculo institucional stricto sensu, isto é, os percalços que as agências em si enfrentam, é de suma importância reconhecer que nos governos que vieram após a implementação do modelo de agências atual, não se almejou edificar um arranjo forte centrado na valorização da burocratização do Estado, por meio da agencificação. Prova desta hipótese é a observância da carência de investimentos no poder de regulação das agências. 
Portanto, ainda que o novo marco regulatório seja um forte pontapé para a descentralização administrativa eficiente, é possível se prever o enfrentamento de alguns entraves políticos neste processo de fortificação de agências administrativas.
Nesta toada, o Presidente da República, em reação ao Projeto de Lei que culminou na Lei nº 13.848/19, comentou que a iniciativa visava torná-lo “a Rainha Elizabeth, que reina mas não governa”. O que esta manifestação reflete em última instância, é a falta de aceite do mundo político à ideia de autonomia das agências reguladoras em seu sentido pleno
Evidencia-se assim a visão adversarial que se estabelece entre a chefia do executivo e administração pública. Há que se lembrar que o Estado Administrativo fora criado como um mecanismo de garantir a boa governança e o bom relacionamento entre o público e o privado, mas muitas vezes é cooptado pelo poder político para fazer valer interesses facciosos. Essa característica pode ser observada na falta de receptividade que o Presidente demonstrou, frente à tentativa do Congresso Nacional em alterar o mecanismo de nomeação dos Diretores com a formação de uma lista tríplice, assim como na imposição da quarentena de 12 meses sem vínculo com pessoas jurídicas aos dirigentes dos órgãos. 
Desta forma, torna-se claro que ambos os obstáculos ora apresentados se originam de influências internas e externas às agências reguladoras, que devem ser combatidas a fim de não se apossarem da atividade regulatória nacional. No entanto, seria um tanto naive supor um cenário institucional livre de qualquer influência política em órgãos da administração pública,<a class="sdfootnoteanc" href="#sdfootnote3sym" name="sdfootnote3anc">3</a> mas o que pode se propor - e o que deve se almejar - é uma postura de compreensão e respeito dos Três Poderes à atividade institucional regulatória no Brasil – pouco vislumbrado no país, até então. 
<a name="_30j0zll"></a> Por fim, é evidente que a vigência deste marco legal não significa a concretização automática do projeto vislumbrado por Bresser Pereira, quanto a origem de agências reguladoras no desenho institucional brasileiro. 
Contudo, certamente, oferece alicerce para se abandonar a lógica adversarial de disputa do locus decisório, para que se consiga, de fato, institucionalizar boas práticas administrativas com influência política mitigada; bem como auxiliar no enraizamento destas instituições objetos da Lei. Ao se permitir espaço para uma nova engrenagem de funcionamento mais independente, garante-se um desenvolvimento substancial do complexo mecanismo institucional.
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<div id="sdfootnote1">
<a class="sdfootnotesym" href="#sdfootnote1anc" name="sdfootnote1sym">1</a> C.f.: GUERRA, Sérgio. Aperfeiçoando a regulação brasileira por agências: quais lições podem ser extraídas do sesquicentenário modelo norte-americano. In: Sérgio Guerra (Org.). Teoria do Estado Regulador. Curitiba: Juruá, 2015, p. 13-106.
</div>
<div id="sdfootnote2">
<a class="sdfootnotesym" href="#sdfootnote2anc" name="sdfootnote2sym">2</a> C.f.: BERTHOLINI, Frederico; PEREIRA, Carlos. Pagando o preço de governar: custos de gerência de coalizão no presidencialismo brasileiro. Revista de Administração Pública. 2017, vol. 51, n.4, p. 528-550. “Laver e Shepsle (1996) interpretam a ideia de equilíbrio induzido pela estrutura de incentivos mediante a distribuição de ministérios da mesma forma que o equilíbrio seria proporcionado pelas atribuições e alocações das comissões entre partidos e legisladores. (idem, p. 531). “Por fim, a evidência empírica também sustenta que ignorar o peso político de cada parceiro, medido pela distribuição de assentos no Congresso, no momento de distribuir poder e recursos entre os membros da coalizão, especialmente concentrando a alocação dos principais instrumentos disponíveis de barganha no partido do presidente, acarreta maiores custos de governo para esse presidente” (idem, p. 546).
</div>
<div id="sdfootnote3">
<a class="sdfootnotesym" href="#sdfootnote3anc" name="sdfootnote3sym">3</a> Cf.: LEVINSON, Daryl J.; PILDES, Richard H. Separation of Parties, Not Powers. Harvard Public Law Working Paper, Cambridge, no. 131, 2006.
</div>

Chess. White pawn against all black.

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JOTA

É possível se prever o enfrentamento de alguns entraves políticos neste processo de fortificação de agências administrativas

Marco Legal das Agências Reguladoras: entre o desenho institucional e jogo político

É possível se prever o enfrentamento de alguns entraves políticos neste processo de fortificação de agências administrativas