Avanço tecnológico

Inteligência artificial avança em ritmo lento no serviço público

Em meio à revisão de estratégia nacional, Executivo ainda não estruturou política para uso da IA na máquina federal

Inteligência Artificial
Imagem gerada por inteligência artificial/Crédito: Pixabay

Embora seja inegável que a inteligência artificial (IA) terá enorme impacto também no serviço público, o caminho até a estruturação de um sistema organizado para que esse novo paradigma tecnológico dê ferramentas de trabalho ao funcionalismo e facilite a vida do cidadão ainda é longo e tem ritmo incerto.

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Por ora, iniciativas no Judiciário, em governos estaduais, nas “cidades inteligentes” e em segmentos do Executivo federal, como na Controladoria-Geral da União, servem de aperitivo para o que poderá vir pela frente.

As aplicações de IA avançam com mais velocidade na iniciativa privada. No serviço público, os desafios ligados à regulação, governança de dados, segurança, pessoal especializado, além da necessidade de amadurecimento de investimentos ainda incipientes, tendem a atrasar esse processo.

No plano federal, vários órgãos lidam com o tema, como o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCTI), o Ministério da Gestão e da Inovação, o Ministério das Comunicações e a Enap. Mas falta azeitar a máquina e estruturar um plano de ação coordenado.

O Ministério da Ciência e Tecnologia atua na condução da Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial (Ebia), que mira no estímulo à pesquisa e no desenvolvimento de soluções para o conjunto da sociedade, além da condução dos debates sobre os limites éticos associados ao avanço das técnicas de machine learning, big data, automação e reconhecimento de imagem e de voz.

Essa estratégia foi criticada pela ausência de recursos e de direcionamento para investimento em pesquisa. Por isso, desde dezembro de 2023, a Ebia passa por um redesenho, estimulado pelo aporte de R$ 170 milhões de recursos de subvenção do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), gerenciado pela Finep.

A ordem é direcionar esses recursos para IA, com ênfase na IA generativa, que impressionou o mundo, no ano passado, com a popularização do uso ChatGPT, o chatbot da OpenAI.

“Até 2023, não tínhamos recursos. Agora, nós temos a previsão de ter acesso aos recursos do FNDCT. Não é uma quantidade monstruosa, extraordinária, mas é uma quantidade razoável para ter uma programação continuada; analisar os resultados; unificar e fazer essa correlação entre diversas linhas de pesquisa para utilizar bem esses investimentos”, explica o secretário de Ciência e Tecnologia para a Transformação Digital do MCTI, Henrique Miguel.

Os recursos da Finep devem abastecer empresas do setor privado, que vão desenvolver tecnologias na área de IA para determinadas aplicações relacionadas à estratégia, como nas áreas de saúde, educação, agricultura, energia e transição energética.

A Ebia prevê ainda apoio ao “desenvolvimento de soluções para atender as demandas e desafios do setor público, com a perspectiva de modernizar e aperfeiçoar os serviços oferecidos ao cidadão”. O secretário Henrique Miguel, no entanto, percebe grandes desafios para o setor público, antes do amadurecimento das soluções práticas.

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Para o momento, ele vê como temas críticos: a governança de dados e as capacidades de segurança para fazer bom uso do universo gigantesco de informações reunidas nas plataformas do governo.

No entanto, esse é um assunto do Ministério da Gestão e da Inovação (MGI), que está mergulhado no esforço para implementar a Carteira Nacional de Identificação, ponto-chave no fortalecimento da governança dos dados de milhões de brasileiros. Também cabe ao MGI coordenar a adoção da Inteligência Artificial no âmbito da administração federal. E essa tarefa ainda não começou.

O MGI, por meio da Secretaria de Governo Digital, abriu, neste ano, processo seletivo interno para contratar quatro profissionais para atuação na coordenação-geral de Adoção da Inteligência Artificial (IA) e na coordenação-geral de Governança de Dados da Secretaria.

As inscrições para as vagas, que preveem gratificação de nível superior para coordenação de Governança de Dados, FCE 1.10 para coordenação de Orientação sobre IA; FCE 1.10 para coordenação de fomento à IA; e FCE 1.13 para coordenação-geral de Adoção da IA, terminaram na última sexta-feira (23/1).

O MGI foi procurado para explicar o que tem sido feito para o avanço da inteligência artificial no âmbito da administração federal, mas não se pronunciou.

Falta de especialistas para salto tecnológico

O recrutamento de pessoal especializado para dar conta dos desafios associados à governança de dados e à implementação da inteligência artificial é um dos pontos-chave para o desenvolvimento de soluções inteligentes no serviço federal. Por isso, gestores, em conversa com a newsletter Por Dentro da Máquina, reconheceram a urgência de uma busca ativa por servidores públicos capazes de dar conta dessa tarefa.

Hoje, no papel, o Executivo conta com um contingente de 428 analistas em tecnologia de informação (ATIs), que compõem parte importante desse ecossistema.

Além deles, o governo procura especialistas em outras carreiras e até mesmo servidores militares, com bagagem em segurança cibernética, para fazer parte desse esforço. E mira nas parcerias com a iniciativa privada, sem as quais a inovação nesse ramo não se desenvolve.

Na opinião do secretário de Ciência e Tecnologia para Transformação Digital do MCTI, Henrique Miguel, numa “estimativa grosseira”, o número de ATIs deveria ser multiplicado por 10 para fazer frente às demandas que surgirão nesse segmento nos próximos anos. O Concurso Nacional Unificado, marcado para o dia 5 de maio, prevê a criação de novas 300 vagas de ATIs, com salários iniciais de R$ 11.150,80.

Henrique Miguel salienta que a coordenação desse esforço cabe ao Ministério da Gestão, mas avalia que será preciso um processo de reciclagem dos atuais servidores para se adaptarem à inteligência artificial (medida que, segundo técnicos, não é nada trivial). Ele aponta para o papel determinante da Enap nesse processo.

“Vamos estabelecer programas de treinamento juntamente com a Enap para fazer isso. É algo que precisa ser feito urgentemente. Mas, repito, o Ministério da Gestão é que vai coordenar, vai trazer a demanda, vai fazer a parceria aqui conosco. Tenho certeza disso”, afirma o secretário do MCTI.

Como parte do esforço para ampliar a força de trabalho nesse segmento, que extrapola a adoção da inteligência artificial, a Secretaria de Governo Digital, ligada ao MGI, publicou, na última quarta-feira (21/2), a portaria 893, que determina o retorno às atividades laborais de todos os analistas de tecnologia de informação em licença para tratar de interesses particulares (LIP) em período  superior a três anos. Segundo a portaria, os servidores têm até 60 dias para retornar às suas atividades.

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