Corte IDH

Corte IDH condena Equador por destituir arbitrariamente membro da Justiça Eleitoral

Tribunal reforçou o papel de órgãos judiciais eleitorais na manutenção da democracia nos países da região

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Carlos Julio Aguinaga Aillón, ex-membro do TSE do Equador / Crédito: Corte IDH/Reprodução

A Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) condenou o Equador por violar os direitos ao devido processo legal, independência judicial, direitos políticos, direito ao trabalho e à proteção judicial de Carlos Julio Aguinaga Aillón, ex-integrante do Tribunal Superior Eleitoral do país que foi destituído do cargo por decisão do Congresso Nacional.

A remoção de Aguinaga foi em 2004, em meio a uma grave crise política e institucional do Equador, quando o Legislativo aprovou uma resolução para retirar do cargo todos os membros do Tribunal Superior Eleitoral, do Tribunal Constitucional e do Supremo Tribunal de Justiça.

O ato foi um pedido do presidente à época, Lúcio Gutierrez, que costurou acordos com os parlamentares para “reorganizar” os tribunais nacionais. Naquele momento, partidos de oposição preparavam uma ação contra ele por suspeita de peculato.

O Congresso acabou por cassar os integrantes das cortes em 24 de novembro de 2004, sob a justificativa de que as nomeações haviam sido ilegais e que existia “um clamor” da sociedade equatoriana para dar fim ao “estado de caos constitucional” que se fazia nos órgãos públicos. Dois dias depois, novos membros foram nomeados pelo próprio Congresso.

A primeira ação da nova composição da Corte Constitucional foi determinar que os magistrados destituídos não poderiam ajuizar ações contra a decisão do Congresso.

Para a Corte Interamericana, o Congresso agiu de forma arbitrária e extrapolou suas competências previstas na Constituição e em lei, o que violou direitos fundamentais de Aguinaga. Por isso, o Equador deve ser responsabilizado internacionalmente.

“Sem independência judicial não há Estado de Direito e não é possível a democracia (artigo 3 da Carta Democrática Interamericana), pois os juízes devem contar com garantias adequadas e suficientes para exercer sua função de decidir de acordo com o ordenamento jurídico os conflitos que ocorrem na sociedade. A falta de independência e respeito à sua autoridade é sinônimo de arbitrariedade”, pontuaram os juízes sobre a violação à independência judicial.

A sentença ainda destaca que todos os cidadãos são afetados quando há interferência na independência dos tribunais eleitorais, como no caso.

“A violação da independência dos tribunais eleitorais afeta não só a Justiça Eleitoral, mas também o exercício efetivo da democracia representativa, base do Estado de Direito. A cooptação de órgãos eleitorais por outros poderes públicos afeta transversalmente toda a institucionalidade democrática, e nessa medida constitui um risco para o controle do poder político e a garantia dos direitos humanos, uma vez que põe em risco as garantias institucionais que permitem o controle do exercício arbitrário poder”, escreve a Corte IDH.

Em razão das violações, a Corte determinou ao Estado que pague indenização a título de danos materiais e imateriais a Aguinaga e que publique a sentença no diário oficial, em jornal de circulação nacional e nos portais oficiais dos órgãos judiciais e legislativos envolvidos no caso. 

Em audiência pública realizada em 13 de setembro do ano passado, o Equador reconheceu culpa parcial pelas violações aos direitos às garantias judiciais (artigo 8 da Convenção Americana) e à proteção judicial (artigo 25), em razão da arbitrariedade da decisão e da falta de um mecanismo de defesa.

Um ponto em que houve discussão na sentença foi a absolvição do Estado pela violação ao direito ao princípio da legalidade, previsto no art. 9 da Convenção. A maioria dos juízes da Corte IDH considerou que “pelo tipo de afetação à separação de poderes e pela arbitrariedade das ações do Congresso Nacional, não é necessário entrar em uma análise detalhada dos argumentos das partes sobre se a decisão de exonerar constituiu um ato de natureza punitiva”.

Os juízes Rodrigo Mudrovitsch (Brasil) e Eduardo Mac-Gregor (México), apresentaram voto divergente, no qual afirmam que o tribunal se omitiu ao não analisar a afronta ao princípio da legalidade.

Segundo os magistrados, o processo que resultou na destituição de Aguinaga não estava adequadamente previsto em lei e tampouco havia descrição clara das causas que ensejariam o afastamento, constituindo afronta ao princípio da legalidade. 

Os juízes ressaltaram o contexto de crise política e avaliaram que a remoção do membro do tribunal do cargo teve claro propósito sancionatório, embora não fosse uma típica sanção penal ou administrativa – por isso, o direito ao princípio da legalidade foi ferido, na visão deles. 

“Consideramos necessário levar em conta que, embora a decisão do Congresso Nacional não tenha constituído sanção penal, nem sanção administrativa per se, a exoneração dos integrantes do TSE ocorreu em um contexto político convulsivo que teve como objetivo alterar a integração dos mais altos órgãos de decisão no Tribunal Constitucional, no Tribunal Supremo de Justiça e no Tribunal Superior Eleitoral, para favorecer os interesses dos grupos políticos e evitar a acusação do então Presidente da República, tendo em conta que existia um processo-crime pendente no Supremo Tribunal de Justiça relativo a um ex-presidente, e sobre o qual eventualmente os Tribunais Superiores se pronunciariam”, posicionaram Mudrovitsch e Mac-Gregor.

Efeitos e similaridades com o Brasil

O ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão afirma que a sentença contra o Equador traz um recado claro aos países signatários da Convenção Americana, incluindo o Brasil: os tribunais eleitorais são independentes, têm papel fundamental na manutenção da democracia e devem ser respeitados.

“O que a Corte disse, basicamente, é que não se pode sair alterando a composição de tribunais eleitorais, porque os outros poderes são os diretamente beneficiados. Isso pode ser lido como um recado ao Brasil, àqueles que são insatisfeitos com a atuação da Justiça Eleitoral e lhe atribuem não ter agido com todas as cautelas devidas nas últimas eleições, principalmente os apoiadores do ex-presidente Bolsonaro. Ou seja, é um recado para eles de que, sim, o tribunal é independente, agiu de forma independente e sua independência haverá de ser respeitada, cumprindo-se todas as decisões, gostando ou não”.

Segundo o ex-ministro, ataques e ameaças à Corte Eleitoral e a ministros que a compõem são também violações a direitos fundamentais. “Essa ameaça de abrir impeachment contra ministros que não lhe agradam, cujas decisões não são as que eles esperariam, todas as ameaças que Jair Bolsonaro fez de não respeitar o resultado das eleições e também de mudar a composição do Supremo Tribunal Federal, tudo isso basicamente tem o mesmo sentido de interferências efetivas em tribunais”.

Ademar Borges, professor do programa de doutorado em Direito Constitucional do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), afirma que a sentença é marcante por reforçar o papel da Justiça Eleitoral contra projetos autoritários de poder.

“O aspecto mais importante da decisão diz respeito ao modo bastante enfático com que a Corte assinalou que a garantia da independência judicial deve se aplicar igualmente ao ramo da Justiça Eleitoral e até, eventualmente, de maneira de mais qualificada”.

O professor diz que é preciso levar em conta o contexto de sequenciais crises políticas da região, especialmente com ataques aos tribunais eleitorais. “Diante do contexto de clara tentativa de fragilização da independência dos tribunais eleitorais na região, é necessário destacar com maior ênfase a necessidade de respeito à independência judicial. As pretensões autoritárias geralmente têm como principais alvos os órgãos eleitorais. Essa é uma forma muito característica de atacar e minar o próprio regime democrático: atacar os órgãos que são incumbidos de resguardar a democracia”.

Henrique Neves da Silva, ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral brasileiro, compara o caso do Equador com o período da ditadura brasileira, quando, poucas semanas após a edição do Ato Institucional nº 5, três ministros do Supremo Tribunal Federal foram cassados pelo então presidente Artur da Costa e Silva.

“É claro que cada país tem seu contexto cultural e histórico, mas tivemos uma situação parecida durante a ditadura, quando três ministros do Supremo foram cassados. Naquele momento, as instituições não reagiram, talvez porque julgassem que seria algo bom”.

Segundo Silva, foi justamente a reação das instituições democráticas e a demonstração de força do Judiciário brasileiro que contiveram tentativas de interferências ilegais nas últimas eleições no Brasil. “O que tivemos aqui, nas últimas eleições, e que foi fundamental para evitar novos desdobramentos, foi um Judiciário muito consciente. A vontade é do povo, nós vamos auferi-la em eleições e, sendo válidas, elas vão ser respeitadas”.

Para o ex-ministro do TSE, só com independência é que os tribunais eleitorais podem ser imparciais e, consequentemente, conduzir processos eleitorais com lisura. “Devemos sempre ter a preocupação de manter as autoridades eleitorais independentes e fortes, para que o processo eleitoral possa ser conduzido sem sofrer influência daqueles que disputam a preferência popular. A força e independência dos órgãos eleitorais é que fazem com que eles sejam também imparciais”.

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