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Como tributação excessiva pode contribuir para o mercado ilegal no Brasil

41% dos cigarros consumidos no país são vendidos fora do mercado legal. Aumento de tributo preocupa por risco de beneficiar contrabando

Foto: Unsplash

O montante do prejuízo causado pelo mercado ilegal foi, no ano passado, de R$ 410 bilhões estimados em evasão fiscal e perdas da indústria, considerando que, por estar à margem, este mercado não contribui com impostos. É o que calcula o balanço anual do Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade (FNCP).

Entre os produtos mais consumidos por meio do comércio ilegal, está o cigarro. Um dos motivos que explicam a elevada busca pelo produto no mercado paralelo é justamente o alto custo. Por isso, uma das consequências indesejáveis que a tributação, se não for bem calibrada e elevar demais os preços, pode acarretar é o fomento desse cenário, em vez de aumentar a arrecadação e inibir o consumo de certos itens.

Nessa linha, uma pesquisa do Instituto Ipec Inteligência encomendada pelo FNCP apontou que, em 2022, a ilegalidade respondeu por 41% de todos os cigarros consumidos no Brasil. Desse total, 80% são resultado de contrabando, advindo principalmente do Paraguai, e o restante produzidos no Brasil por fabricantes conhecidas como “devedoras contumazes”, isto é, aquelas que baseiam seu modelo de negócios na evasão de impostos.

Por conta desse desvio para o comércio ilegal com o aumento de preços, o tributo acaba não se revertendo no aumento do recolhimento de impostos para os cofres públicos. Assim, o imposto mais caro para cigarros foi responsável pela queda de 1,4% ao ano no recolhimento e pelo aumento da participação do mercado ilícito do produto no Brasil entre 2012 e 2021, de acordo com análise dos economistas e pesquisadores Mario Antonio Margarido, Pery Shikida e Daniel Komesu.

Na mesma época, a participação do mercado ilícito do produto cresceu 8,8% ao ano. Apesar da maior incidência de tributos sobre os cigarros no período – um aumento de 67% no período de janeiro de 2012 a setembro de 2021 –, o que se observou foi, na realidade, uma queda na arrecadação a partir de 2014. Nos últimos 11 anos, por exemplo, a evasão fiscal provocada pelo contrabandos de cigarros foi de R$ 94 bilhões.

Esse quadro chama atenção no momento atual do país, que busca novas fontes de arrecadação para dar conta de um déficit orçamentário e discute a reforma tributária, aprovada na Câmara dos Deputados e atualmente sob apreciação do Senado.

Além da substituição de cinco impostos pelo modelo de IVA dual, a PEC 45/2019 prevê um Imposto Seletivo. De acordo com o texto, ele incidirá sobre produtos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente – o rol de produtos e as alíquotas ainda estão indefinidos, dependendo de uma lei complementar que assente a questão.

Na prática, ele substitui o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Hoje, esse imposto se soma ao ICMS, cobrado pelos estados. Os produtos com tributação extra via IPI, como é o caso dos cigarros, são alguns dos bens que devem receber esse segundo tributo seletivo, adicional ao IVA.

Atualmente, o modelo que está em exercício é resultado da política tributária que, em 2012, aumentou o IPI dos cigarros e definiu um preço mínimo de venda no varejo. Paralelamente, a participação do comércio ilegal de cigarros no mercado brasileiro passou de 39% em 2015 para 57% em 2019, ano da menor arrecadação, marcando R$ 7 bilhões, segundo a avaliação de Komesu, Margarido e Shikida.

O presidente do FNCP, Edson Vismona, defende porque o momento atual é crítico para a relação entre tributos e o mercado ilegal. A preocupação dele é que um aumento sobre a atual carga tributária, em vez de desincentivar o consumo, fortaleça o contrabando e a pirataria.

“O preço de todo produto é diretamente afetado pela tributação. Dessa forma, a reforma tributária não pode significar de forma alguma aumento de tributos que oneram ainda mais os preços dos produtos fabricados legalmente”, explica Vismona.

E complementa: “se isso acontecer é inevitável: a competitividade do ilegal, do contrabando, do pirata, vai ser incentivada, porque ele vai ter um preço ainda mais baixo em comparação com o legal, atraindo o consumidor”. Para ele, o Senado tem nas mãos, com a reforma tributária, a oportunidade de modular os impostos sobre setores que mais lidam com o contrabando.

As consequências do comércio ilegal de produtos contrabandeados, particularmente de cigarros, são significativas e, conforme comenta Lis Aguilera, advogada tributarista do escritório Brigagão, Duque Estrada Advogados, vão além da diminuição na arrecadação de tributos.

“Outras consequências incluem a oferta desse produto a preços reduzidos, facilitando o consumo, especialmente entre os mais jovens; a ausência de controle de qualidade, já que os cigarros contrabandeados não são fiscalizados e não se pode determinar sua origem ou conformidade com os padrões da Anvisa; e impactos na competitividade em relação às empresas que cumprem com suas obrigações tributárias”, elenca.

A tributação do cigarro e de outros produtos nocivos à saúde segue diretrizes de acordo com as especificações da Organização Mundial de Saúde (OMS) para desestimular o consumo do produto. A ideia é que a tributação de produtos que geram impactos sanitários negativos também colabore para cobrir os gastos públicos decorrentes do uso – já que haverá, no longo prazo, aumento dos custos em com internações e tratamentos, por exemplo.

Contudo, Mario Antonio Margarido, doutor em Economia Aplicada e Senior Partner e líder de Econometria da consultoria Pezco Economics, explica porque essa lógica nem sempre funciona da forma esperada para reduzir o consumo ou aumentar a arrecadação.

“O cigarro é um produto que apresenta alta fidelidade aos olhos do consumidor. A partir de 2012, o governo brasileiro passou a adotar uma política tributária com a elevação de alíquotas para o cigarro, isso elevou o preço ao consumidor ao longo dos últimos anos. Em um mundo perfeito, onde não há um produto substituto, essa é uma política correta”, explica.

Segundo ele, agora, o cigarro passou a ter um produto substituto, o cigarro ilícito. Em função da alta fidelidade do consumidor ao item, em vez de ele parar de comprar o produto, ele passa a buscar no mercado ilegal.

A advogada Lis Aguilera complementa ainda essa problemática: “É possível afirmar que há uma relação direta entre a tributação e o aumento de produtos comprados ilegalmente, porque os tributos compõem o custo na formação de preços. No caso dos cigarros, tão prejudiciais para a saúde da população, essa extrafiscalidade visa desestimular o consumo desses produtos com uma considerável elevação de sua carga fiscal”.

Porém, quando a tributação se torna muito excessiva, pode acontecer o estimulo do comércio ilegal dos produtos prejudiciais, o que precisa ser levado em conta. “Essa consequência é um aspecto negativo da extrafiscalidade sobre os cigarros e ilustra como a tributação pode, paradoxalmente, promover o comércio ilegal”, diz.

Por isso, seriam necessárias ainda outras medidas para a diminuição do contrabando, que não param na política tributária. Isso passa pelo fortalecimento da fiscalização e controle de fronteiras; estabelecimento de penalidades mais rigorosas; cooperação entre as indústrias legalizadas e autoridades fiscais, implementação de sistemas tecnológicos de rastreabilidade, entre outras iniciativas coordenadas e integradas.

Além da queda na arrecadação e nos riscos ao consumidor, os impactos da elevação do mercado ilegal são observados também na competitividade da indústria nacional regular, que contribui com impostos. “O criminoso vende não pagando impostos, e com isso ele é muito favorecido no mercado em comparação com o legal, que paga impostos e arca com todos os custos de uma produção legal dentro do Brasil, que não são poucos”, diz o presidente do FNCP.

As perdas com contrabando somaram R$ 410 bilhões em 2022 no Brasil, segundo o FNCP. Esse valor soma as perdas registradas por 14 setores industriais (como vestuário, combustíveis e bebidas) e a estimativa dos impostos que deixaram de ser arrecadados, na casa de R$ 130 bilhões. “Esse cenário merece toda atenção do poder público no sentido de não darmos mais vantagens para esse comércio ilícito”, diz Vismona

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