A Procuradoria-Geral da República (PGR) apresentou denúncia contra Domingos Brazão, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ), o deputado federal Chiquinho Brazão (sem partido-RJ) e o delegado Rivaldo Barbosa, ex-chefe da Polícia Civil do Rio. Os três estão presos desde março deste ano sob suspeita de mandar matar a vereadora Marielle Franco (PSol-RJ) e seu motorista Anderson Gomes. Leia a íntegra da denúncia.
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A denúncia, segundo o JOTA apurou, foi apresentada pelo subprocurador Hindemburgo Chateaubriand na última terça-feira (7/5) ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Após requerimento da PGR, o STF determinou o cumprimento de dois mandados de prisão preventiva. As ordens judiciais foram cumpridas pela Polícia Federal nesta quinta-feira (9/5), no Rio de Janeiro e em Campo Grande.
De acordo com a PF, o preso no Mato Grosso do Sul já se encontrava detido em presídio federal. Já o outro investigado passará por audiência de custódia e, em seguida, será encaminhado ao sistema prisional.
Segundo o JOTA apurou, os mandados foram expedidos contra Ronald Paulo de Alves Pereira, conhecido como major Ronald e apontado como ex-chefe da milícia da Muzena, que já estava detido, e Robson Calixto Fonseca, ex-assessor de Domingos Brazão e conhecido como “peixe”.
Foram denunciados por homicídio qualificado mediante recompensa, tortura e emboscada: Domingos Brazão, Chiquinho Brazão, Rivaldo Barbosa e Ronald Pereira. Além disso, os irmãos Brazão e Robson Fonseca foram denunciados por organização criminosa.
“Os três homicídios foram praticados mediante promessa de recompensa e por motivo torpe, com o emprego de recurso que dificultou a defesa dos ofendidos e por meio de que resultou perigo comum, circunstâncias que eram de conhecimento de todos os coautores e partícipes. Por fim, os homicídios contra Anderson Pedro Matias Gomes e Fernanda Gonçalves Chaves foram praticados com o objetivo de assegurar a impunidade do crime contra Marielle Francisco da Silva”, diz trecho da denúncia.
A PGR pede ainda indenização para a Fernanda Gonçalves Chaves, que sobreviveu; e para os familiares do Anderson e da Marielle.
Em nota, a defesa de Chiquinho Brazão afirmou que ainda não teve acesso à denúncia formulada pela PGR, como também ainda não conhece os termos das delações citadas no relatório da PF. “Assim, ainda não é possível fazer um juízo de valor sobre as acusações. Assim que o Relator do caso permitir que a defesa conheça todos os elementos produzidos pela investigação, faremos uma nota mais detalhada”, diz o texto assinado pelo advogado Cleber Lopes.
Motivação do crime
A denúncia explica porque Marielle se tornou um problema para os irmãos razão. De acordo com o documento, Domingos e Chiquinnho possuíam interesse econômico em normas que facilitassem a regularização do uso e da ocupação do solo, especialmente em áreas de milícia e de loteamentos clandestinos no Rio, área em que Marielle atuava.
“Qualquer embate ou disputa nesse campo específico da política
municipal representava, portanto, uma ameaça a seus negócios e a dos diferentes
grupos de milícias com os quais se associaram. Foi por isso que as iniciativas políticas do PSOL {Partido Socialismo e Liberdade) e, mais tarde, de Marielle Francisco da Silva, em assuntos ligados ao tema, tomaram-se um sério problema para os denunciados João Francisco e Domingos Brazão”, afirma a denúncia.
Eleita vereadora em 2016, Maríelle estava em seu primeiro ano de mandato quando começou a confrontar os irmãos Brazão, no ano de 2017. “Em 14 de novembro daquele ano, três deputados estaduais, aliados de Domingos no PMDB, foram presos na Operação Cadeia Velha. Marielle defendeu, de modo enfático, a decisão judicial em suas redes sociais, e pediu a cassação dos deputados. Foram 14 postagens feitas entre os dias 16 e 17 de novembro de 2017″, segue o documento.
A PGR destaca ainda que” não se pode, de qualquer modo, dimensionar os confrontos que Marielle teve com os irmãos Brazão, sem contextualizá-los com o histórico de desavenças que os denunciados tiveram com o PSol, notadamente com Marcelo Freixo”.
No entanto, pontua que “foram nas divergências sobre as políticas urbanísticas e
habitacionais que os irmãos Brazão perceberam a necessidade de executar a
vereadora”. “Se antes João Francisco aprovava sem dificuldades as suas pautas de interesse, a chegada de Marielle mudou radicalmente esse quadro”, completa.
A vereadora se tornou a principal opositora e símbolo da resistência aos interesses econômicos dos irmãos. “Matá-la significava eliminar de vez o obstáculo e, ao mesmo tempo, dissuadir outros políticos do grupo de oposição a imitar-lhe a postura.”
Preparação do crime
Segundo a PGR, no segundo semestre do ano de 2017 os irmãos Brazão determinaram a Edmilson Oliveira, o “Macalé”, que preparasse a execução de Marielle Francisco da Silva, mediante promessa de recompensa consistente em um loteamento.
“Acrescente-se que Rivaldo ocupava, ao tempo do planejamento do crime, a função de Diretor da Divisão de Homicídios da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro, tendo sido empossado, no dia imediatamente anterior às execuções, como Chefe de Polícia Civil do Estado. Por isso, o seu aval era parte indispensável. (…) Ele detinha o controle dos meios necessários para garantir a impunidade do crime”, diz a denúncia.
Monitoramento das redes sociais de Mairelle, Ronald, segundo a PGR, verificou que a vítima participaria de um evento, no dia 14 de março de 2018, na Casa das Pretas. “Encontrou aí a oportunidade para a execução do homicídio, atendendo à exigência de Rivaldo Barbosa de que o crime não fosse praticado em trajeto que tivesse a âmara Municipal como ponto de partida ou de destino.”
Para a PGR, diz a denúncia, “os três homicídios foram praticados mediante promessa de recompensa, considerando que João Francisco Inácio Brazão e Domingos Inácio Brazão prometeram vantagens econômicas aos executores”. “Também se deram por motivo torpe, consistente na finalidade de proteção a interesses econômicos relacionados às atividades de milícias e organizações criminosas, bem como para desencorajar eventuais atos de oposição política. Foi Rivaldo quem orientou a todos a não executar o crime em trajeto que partisse ou seguisse para a Câmara Municipal, para dissimular a motivação política do crime.”
Prisão dos suspeitos
A operação da PF que prendeu os suspeitos ocorreu no dia 24/3, por decisão de Moraes, relator do inquérito 4954, sobre a morte da vereadora. Após cinco anos do crime, as investigações foram federalizadas, ou seja, saíram da competência da Polícia Civil do RJ e passaram para a Polícia Federal. Em 14 de março de 2024, a investigação chegou ao STF por conta do foro privilegiado do deputado Chiquinho Brazão.
Os irmãos Brazão são apontados pela PF como os mandantes do assassinato de Marielle e Anderson, além da tentativa de homicídio da assessora Fernanda Chaves. Já Rivaldo teria sido contratado pelos suspeitos para obstruir a investigação do crime no âmbito da Polícia Civil do Rio de Janeiro. A motivação do crime estaria relacionada com o fato de Marielle atrapalhar a ‘grilagem’ de terras feita por milícias na Zona Oeste do Rio de Janeiro.
À época, junto com os mandados de prisão, Moraes determinou ainda busca e apreensão domiciliar e pessoal; bloqueio de bens; afastamento das funções públicas, uso de tornozeleira eletrônica, recolhimento domiciliar noturno, entrega de passaporte, suspensão de porte de armas, e apresentação perante o juízo da execução no RJ.