CORONAVÍRUS

Crise aumenta demanda e importância de profissionais de RelGov

‘Precisamos ficar em plantão para cobrir tudo o que está acontecendo’, diz Eduardo Galvão, que trabalha há mais de 15 anos na área

Crédito: Tiago Hardman
Eduardo Galvão: "Além do aumento da demanda, percebo uma valorização dessa atividade" Crédito: Tiago Hardman

O Congresso, mesmo com sessões remotas, trabalha em ritmo intenso nas últimas semanas para aprovar medidas de contenção de danos na crise do coronavírus. São projetos que partem do próprio legislativo ou que chegam do governo, por decreto e Medida Provisória. Além do ritmo intenso no Congresso, decisões do judiciário impactam a atividade de empresas e associações, que buscam a melhor adequação à crise.

Diante do aumento no fluxo de informações regulatórias relevantes, cresceu a busca e a importância dos profissionais de relações governamentais. “Quem já tinha um suporte de relações governamentais não abriu mão de ter. E outras empresas que não tinham esse suporte começaram a se preocupar com isso, demandando monitoramento técnico e análise mais qualificada”, diz Eduardo Galvão, professor de Relações Institucionais do Ibmec e diretor de Relações Governamentais da BCW – Burson Cohn & Wolfe. “Além do aumento da demanda, percebo uma valorização dessa atividade.”

O trabalho de interlocução dos profissionais de RelGov foi reduzido por causa da agenda mais apertada dos tomadores de decisão, imersos em reuniões. Só que o volume de trabalho aumentou porque o monitoramento de decisões ficou mais intenso, com anúncios importantes sendo realizados até nos finais de semana. “Precisamos ficar em sistema de plantão o tempo todo para conseguir cobrir tudo o que está acontecendo”, diz Galvão.

Em entrevista ao JOTA, o professor explicou que a função de um RelGov é “antecipar riscos e identificar oportunidades de colaborar com o poder público”.

Eduardo Galvão trabalha com relações governamentais há mais de 15 anos e é autor do livro “Fundamentos de Relações Governamentais”. Ele também é fundador do Pensar RelGov, criado para fomentar discussões e conhecimento sobre relações governamentais.

Confira abaixo a íntegra de entrevista concedia ao JOTA:

De que forma o coronavírus vem impactando sua rotina enquanto profissional de RelGov?

O meu dia, com essa rotina de home office, tem ficado mais comprido. Com o coronavírus, aumentou o número de publicações oficias e de discursos de autoridades com relação ao cenário e os impactos da pandemia.

Até mesmo durante o fim de semana há informações para monitorar, com lives de ministros, por exemplo. No último domingo também tivemos a volta que o presidente Jair Bolsonaro foi dar pelas ruas de Brasília. São exemplos de como têm saído coisas todos os dias e em todos os períodos, por isso o nosso dia tem ficado muito mais comprido.

As empresas têm uma preocupação muito grande com o que o governo está falando, fazendo e determinando, porque isso tem um impacto grande no sistema de negócios. Por isso, precisamos ficar em sistema de plantão o tempo todo, para conseguir cobrir tudo o que está acontecendo.

Como a gente não fornece somente a informação, o dado, mas também a inteligência, precisamos fazer uma análise do que foi feito e qual pode ser a repercussão no mundo político e na economia.

Com tanta informação, atualmente nós, profissionais de RelGov, não estamos tendo intervalo, estamos trabalhando full time. Das consultorias que conheço, grande parte está trabalhando em sistema de plantão, assim como as associações.

Com o isolamento social, qual tem sido o canal mais eficaz no contato com os tomadores de decisão?

Os encontros formais sempre são agendados e na atual circunstância esses encontros presenciais estão restritos. O contato remoto tem sido a saída, só que os profissionais como um todo estão com dificuldades de encontrar janelas nas agendas. Como em toda crise, o governo aloca boa parte da equipe para tratar do assunto emergencial, e não sobra muito tempo para interlocução.

O governo manteve a interlocução, só que pelos meios formais, via carta, por exemplo. O ministro Paulo Guedes (Economia) disse que recebeu mais de 200 pleitos das entidades setoriais e dividiu as sugestões por temas e por tipo de medida que as associações estão buscando.

No parlamento, está havendo discussões com os representantes dos setores, como agro, a indústria e o comércio. Esses representantes, enquanto pontes, têm sido uma peça importante nessa equação. Eles conseguem ter interlocução com os setores representados e levam as demandas também.

Em situações de crise como a que estamos vivendo, qual o papel do RelGov em uma grande empresa ou associação de classe?

Tem que monitorar tudo o que está sendo feito e entregar uma inteligência em cima disso. Não basta dizer o que foi publicado no Diário Oficial. É preciso entender que uma determinada medida do governo pode implicar ou acarretar uma reação por parte dos governadores ou por parte do parlamento.

A nossa função é sempre antecipar riscos e identificar oportunidades de colaborar com o poder público.

Então fazemos uma análise sobre todas as movimentações políticas, antecipando cenários para os setores e as empresas que atendemos. Precisamos dizer o que deve acontecer, as consequências das publicações oficiais, e o que elas podem representar de risco ou de oportunidade no negócio.

A crise trouxe um cenário inédito, de paralisação de grande parcela da economia. Existe na literatura algum autor que tenha abordado como o RelGov pode agir em situações de crise como essa?

Existe muito pouco material em português sobre Rel/Gov como um todo, e os materiais existentes tratam de abordagens gerais. Nossa literatura está começando agora a ir para campos mais específicos.

A gente se socorre muito em outras literaturas, que são de gerenciamento de crise de uma forma geral. A literatura fala muito de crise de imagem. Mas crise é crise. Há crise hidráulica, de abastecimento, crise de segurança, política. E a crise tem alguns protocolos para você lidar com ela. Esses protocolos são semelhantes e você aplica de acordo com a realidade. Há medidas de contenção, de prevenção e resolução.

Existe uma literatura bem rica voltada para o gerenciamento de crise como um todo. Há três autores que gosto: Steven Fink, Wesley Cardia e Mario Rosa, que é brasileiro e fala bastante de crise de imagem, mas que se aplica à situação pela qual estamos passando porque os protocolos são muito parecidos.

Vale registrar que todos os cursos de MBA de relações institucionais e relações governamentais trazem disciplinas específicas de gerenciamento de crise. Então é um tema que os profissionais que fazem especialização na área, com MBA, encontram na matriz pedagógica.

Essa crise já trouxe algum aprendizado em relação à atividade de Rel/Gov? Tem algo que pode ser incorporado e que foi aprendido na crise?

Um grande aprendizado que essa crise nos trouxe é que estamos todos juntos, no mesmo barco, tanto em nível nacional como em nível mundial.

Algo que acontece lá na China, um dia repercute aqui e pode significar a vida dos nossos familiares. Uma irresponsabilidade que um país eventualmente adote em relação à pandemia, pode prejudicar a minha vida, de todos nossos familiares.

Então acho que a grande lição dessa crise é que estamos todos juntos e somos um só, independentemente do país, da religião, do segmento social ou da corrente ideológica.

Qual será o papel principal dos profissionais de RelGov quando o isolamento social acabar e a economia voltar a funcionar normalmente?

Inevitavelmente, para qualquer país, a página dois da crise da pandemia vai ser a recessão econômica. Então vamos ter um trabalho muito grande para poder auxiliar as empresas a colaborarem com o governo para definir políticas públicas que ajudem as pessoas a atravessarem de uma forma mais amena esse período.

As crises têm fases. Há o momento de prevenção e agora estamos no momento de contenção, é como se você estivesse sangrando e precisasse de um paramédico para te levar ao hospital. O próximo momento é o paciente na UTI, com necessidade de cirurgia. Passado esse período de risco de saúde, de vida, será a hora de pensar na economia, nas famílias que perderam emprego ou que perderam a renda. Essa fase vai exigir muito um trabalho colaborativo com o governo para que a gente possa desenhar políticas eficazes.

Antes da crise, o Brasil estava melhorando. O país estava saneando as contas, em uma curva ascendente. Passada a crise, vamos precisar tentar voltar para essa curva ascendente, fazendo as reformas necessárias.

Essa crise reforçou o papel e a importância da atividade de RelGov?

Sem sombra de dúvida. Neste momento todos estão sendo impactados diretamente com o que o governo está fazendo. Naturalmente, quem tem um suporte de uma equipe de relações governamentais tem uma segurança muito maior, com uma impressão mais correta do que o governo está fazendo, não fica refém do que está sendo noticiado. O auxílio de uma equipe de relações governamentais permite ter acesso a uma informação muito mais técnica e qualificada, além daquilo que sai nas manchetes.

Olhando ao meu redor, tenho percebido uma demanda maior. Quem já tinha um suporte de relações governamentais não abriu mão de ter. E outras empresas que não tinham esse suporte começaram a se preocupar com isso, demandando esse monitoramento técnico e essa análise mais qualificada. Além do aumento da demanda, percebo uma valorização dessa atividade.

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