Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) entenderam, por unanimidade de votos, que as Forças Armadas não têm o poder moderador entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, excluindo qualquer interpretação que permita indevidas intromissões. Assim, para esses ministros, a chefia das Forças Armadas é poder limitado. Ainda, a prerrogativa do Presidente da República de autorizar o emprego das Forças Armadas, por iniciativa própria ou em atendimento ao Legislativo ou Judiciário, não pode ser exercida contra os próprios Poderes entre si.
Tenha acesso ao JOTA PRO Poder, uma plataforma de monitoramento político com informações de bastidores que oferece mais transparência e previsibilidade para empresas. Conheça!
Os limites da atuação das Forças Armadas estão em discussão no Supremo desde sexta-feira (29/3) em um julgamento em plenário virtual que se estenderá até 8 de abril. A discussão sobre as limitações do Exército, Aeronáutica e Marinha e as atribuições do presidente da República ao convocar essas forças chegou à Corte por meio de uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI 6457) ajuizada, em 2020, pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT).
Voto do relator, ministro Luiz Fux
Prevaleceu o voto do relator, ministro Luiz Fux. O ministro afasta a interpretação de que as Forças Armadas teriam um poder moderador de acordo com a Constituição – hipótese que foi aventada por militares e membros da gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro, para justificar eventual golpe de estado ou intervenção nas eleições presidenciais em 2022.
Para Fux, a missão institucional das Forças Armadas se dá “na defesa da Pátria, na garantia dos poderes constitucionais e na garantia da lei e da ordem e não acomoda o exercício de poder moderador entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário”.
O relator esclarece ainda que a chefia das Forças Armadas é poder limitado, “excluindo-se qualquer interpretação que permita sua utilização para indevidas intromissões no independente funcionamento dos outros Poderes, relacionando-se a autoridade sobre as Forças Armadas às competências materiais atribuídas pela Constituição ao Presidente da República”.
Ao presidente do República, cabe autorizar o emprego das Forças Armadas por iniciativa própria ou em atendimento a pedido manifestado por quaisquer dos outros poderes constitucionais – por intermédio dos Presidentes do Supremo Tribunal Federal, do Senado Federal ou da Câmara dos Deputados – e a prerrogativa não pode ser exercida contra os próprios Poderes entre si.
Fux também não restringe o emprego das Forças Armadas para a “garantia da lei e da ordem” às hipóteses de intervenção federal, de estados de defesa e de estado sítio. Para ele, as Forças Armadas devem ser convocadas para prestar “excepcional enfrentamento de grave e concreta violação à segurança pública interna, em caráter subsidiário, após o esgotamento dos mecanismos ordinários e preferenciais de preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, mediante a atuação colaborativa das instituições estatais e sujeita ao controle permanente dos demais poderes, na forma da Constituição e da lei”.
“Função militar é subalterna”, diz Dino
O relator recebeu o apoio integral do presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Nunes Marques, Cármen Lúcia e André Mendonça. Os ministros Flávio Dino, Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes, Dias Toffoli e Cristiano Zanin concordam com Fux, mas fazem acréscimos.
Para Dino, caso prevaleça o voto do relator, a decisão deve ser encaminhada não só para a Advocacia Geral da União (AGU) como também para o Ministro de Estado da Defesa, “a fim de que – pelos meios cabíveis – haja a difusão para todas as organizações militares, inclusive Escolas de formação, aperfeiçoamento e similares”. Gilmar Mendes, Moraes, Toffoli e Zanin acompanharam Dino nas ressalvas.
Dino defende que a comunicação deve ser feita para “expungir desinformações que alcançaram alguns membros das Forças Armadas”. Ainda: “Dúvida não paira de que devem ser eliminadas quaisquer teses que ultrapassem ou fraudem o real sentido do artigo 142 da Constituição Federal, fixado de modo imperativo e inequívoco por este Supremo Tribunal”, complementou.
Em seu voto, Dino argumentou que não existe um poder militar e que a função militar é subalterna. “O PODER é apenas civil, constituído por TRÊS ramos ungidos pela soberania popular, direta ou indiretamente. A tais poderes constitucionais, a função militar é subalterna, como, aliás, consta do artigo 142 da Carta Magna”.
O artigo 142 da Constituição diz:
“Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.
O ministro também lembra os 60 anos do golpe de 1964 e diz que foi um “período abominável” na história constitucional brasileira. Em seu voto, ele se recorda das cassações das investiduras de três ministros do STF: Hermes Lima, Victor Nunes Leal e Evandro Lins e Silva. “Eles estão vivos na memória jurídica do Brasil; igual honra não têm os seus algozes – incluindo os profissionais do Direito que emprestaram os seus conhecimentos para fornecer disfarce de legitimidade a horrendos atos de abuso de poder.”
Na visão de Dino, o Supremo ainda precisa se manifestar sobre a posição das Forças Armadas porque “subsistem ecos desse passado que teima em não passar, o que prova que não é tão passado como aparenta ser”.
“Eventos recentes revelaram que ‘juristas’ chegaram a escrever proposições atinentes a um suposto “Poder Moderador”, que na delirante construção teórica seria encarnado pelas Forças Armadas. Tais fatos lamentavelmente mostram a oportunidade de o STF repisar conceitos basilares plasmados na Constituição vigente – filiada ao rol das que consagram a democracia como um valor indeclinável e condição de possibilidade à concretização dos direitos fundamentais dos cidadãos e cidadãs”, escreveu Dino em seu voto.
Em seu voto Toffoli diz que a leitura de que o artigo 142 da Constituição de que as Forças Armadas seriam árbitras de conflitos institucionais é uma “leitura equivocada”.
“Para além de se tratar de verdadeira aberração jurídica, tal pensamento sequer encontra apoio e respaldo das próprias Forças Armadas, que sabiamente têm a compreensão de que os abusos e os erros cometidos no passado trouxeram a elas um alto custo em sua história”, escreveu o ministro.
Moraes escreveu em seu voto em caixa alta: “A PRESERVAÇÃO DA SUPREMACIA CIVIL SOBRE A MILITAR É ESSENCIAL AO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO”. E diz que “nunca na história dos países democráticos houve a previsão das Forças Armadas como um dos Poderes de Estado, ou mais grave ainda – como se pretendeu em pífia, absurda e antidemocrática “interpretação golpista” – NUNCA HOUVE A PREVISÃO DAS FORÇAS ARMADAS COMO PODER MODERADOR, ACIMA DOS DEMAIS PODERES DE ESTADO”.
A ministra Cármen Lúcia também ressaltou que a Constituição não deu função moderadora às Forças Armadas e lembrou que, assim como o Ministério Público, Exército, Aeronáutica e Marinha, não são poder, não estão acima e nem moderam instituições. “Mas atua para que os poderes constitucionais possam cumprir suas competências e assegurar a dinâmica do Estado de Direito brasileiro”.
Vale lembrar que o precedente dessa ação pode ser importante para o julgamento de militares envolvidos na suposta tentativa de golpe de estado.
Ação questiona limites das Forças Armadas
A ação foi ajuizada pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT) contra os artigos 1º, caput, e 15, caput e §§ 1º, 2º e 3º, da Lei Complementar federal 97/1999, com as alterações das Leis Complementares 117/2004 e 136/2010. O partido pede para o Supremo esclarecer a atribuição do presidente da República para decidir a respeito da convocação dos demais Poderes sobre o emprego das Forças Armadas, os poderes do Presidente da República em relação às Forças Armadas e solicita que o Supremo estabeleça que o emprego das Forças Armadas na defesa da Pátria, na garantia dos poderes constitucionais e da lei e da ordem se limita aos casos e procedimentos da intervenção, do estado de defesa e do estado de sítio.