A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Rosa Weber, concedeu uma medida cautelar para suspender a parte do indulto natalino concedido pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no dia 22 de dezembro de 2022 que beneficia policiais envolvidos no massacre do Carandiru. A decisão é do dia 16 de janeiro e ocorreu na Ação Direta de Inconstitucionalidade 7330.
O indulto de Bolsonaro traz um artigo inédito que amplia o perdão para agentes de segurança pública que foram condenados, ainda que provisoriamente, por crime ocorrido há mais de 30 anos. Na prática, entre os possíveis beneficiados pelo indulto estão os policiais envolvidos no massacre de Carandiru, quando uma intervenção da Polícia Militar causou a morte de 111 detentos para conter uma rebelião na Casa de Detenção de São Paulo.
O indulto natalino foi publicado por meio do decreto 11.302/2022 e diz assim em seu artigo 6º: “Será concedido indulto natalino também aos agentes públicos que integram os órgãos de segurança pública de que trata o art. 144 da Constituição e que, no exercício da sua função ou em decorrência dela, tenham sido condenados, ainda que provisoriamente, por fato praticado há mais de trinta anos, contados da data de publicação deste Decreto, e não considerado hediondo no momento de sua prática”.
O homicídio foi incluído na lista dos crimes hediondos em 1994, após a repercussão do assassinato da atriz Daniella Perez. Em 1992, época do massacre do Carandiru, constavam na lista de crimes hediondos extorsão mediante sequestro, latrocínio e estupro.
O indulto natalino consiste em um perdão de pena coletivo concedido pelo presidente da República para pessoas condenadas que se enquadrarem nas condições expressas na lei.
Após a publicação do decreto, o Procurador-Geral da República (PGR), Augusto Aras, ajuizou uma ação no STF com pedido de liminar para solicitar a suspensão da parte do decreto que permite o indulto aos policiais envolvidos no caso do massacre do Carandiru. Aras pediu ainda para a Corte explicar se o decreto de indulto pode abranger crimes hediondos que, na data do fato, não eram previstos em lei como tal, e se o indulto vale em favor de condenados por crimes considerados de lesa humanidade no plano internacional. São considerados crimes de lesa humanidade o genocídio, crimes contra a humanidade, de guerra e de agressão.
Para a PGR, se o decreto presidencial for mantido, o Estado brasileiro pode ser responsabilizado em âmbito internacional. Por isso, o direito interno deve se compatibilizar com o direito internacional. A procuradoria argumenta ainda que o Decreto Presidencial 11.302/2022, ao permitir, especificamente no caso do Massacre do Carandiru, que os policiais militares condenados sejam beneficiados com o indulto natalino, afronta a dignidade humana e princípios do direito internacional público, o que pode gerar a responsabilização do Brasil por violações a direitos humanos.
‘Transgressão às recomendações da OEA’
A ministra Rosa Weber, presidente da Corte, entendeu pela urgência e deferiu a liminar ainda no recesso forense – o ano Judiciário se inicia em 1º de fevereiro. A ação está sob a relatoria do ministro Luiz Fux, porém, como está em recesso, coube à presidência a liminar.
Na visão de Rosa, o decreto presidencial é incompatível com a Constituição da República, que proíbe a concessão de indulto a crimes classificados como hediondos pela legislação ordinária. A ministra ainda lembrou que o indulto aos policiais do Carandiru pode configurar transgressão às recomendações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), no sentido de que o Brasil promova a investigação, o processamento e a punição séria e eficaz dos responsáveis.
Para ela, “o indulto aos agentes públicos envolvidos no Massacre do Carandiru pode, em princípio, configurar transgressão às recomendações da Comissão [Interamericana de Direitos Humanos], no sentido de exortar o Brasil à promoção da investigação, do processamento e da punição séria e eficaz dos responsáveis”.
De acordo com a decisão da ministra Rosa, o caso resultaria na extinção da punibilidade dos possíveis envolvidos e consequentemente no encerramento de todos os atos estatais voltados à apuração dos fatos, à identificação dos responsáveis e à aplicação das penalidades.
Dessa forma, a ministra suspendeu a expressão no “momento da sua prática” constante no artigo 6º, caput do decreto de Bolsonaro, retirando assim, a possibilidade do indulto valer para crimes hediondos, independentemente dos crimes serem considerados hediondos ou não à época dos fatos.
A ministra também suspendeu parte do decreto que permitia o indulto de crimes praticados mediante grave ameaça ou violência contra a pessoa ou com violência doméstica e familiar contra a mulher aos agentes públicos que integram os órgãos de segurança pública e que, no exercício da sua função tenham sido condenados, ainda que provisoriamente, por fato praticado há mais de trinta anos.
Na decisão, a ministra afirmou ainda que a suspensão de parte do decreto ocorre até a análise da matéria pelo relator, após a abertura do ano no Judiciário e deve ser referendada pelo plenário da Corte.